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A importância das medidas executivas atípicas e o risco trazido pelo PL 668/23

É essencial mencionar que a vedação de medidas como a suspensão de CNH ou passaportes poderá estimular novas propostas para vedação de outros tipos de medidas atípicas ou requerimentos de indeferimento de qualquer tipo de medida atípica por devedores.

17/5/2023

A 2ª seção do Superior Tribunal de Justiça, em 26/4/23, decidiu afetar o julgamento do tema repetitivo 1.137 à Corte Especial, para definir se “com esteio no art. 139, IV, do CPC/15, é possível, ou não, o magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos”.

A Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas do Tribunal identificou a existência de 76 acórdãos e 2.168 decisões monocráticas de membros da Segunda Seção sobre o tema, o que comprova o caráter repetitivo da discussão e a necessidade de uniformização da jurisprudência.

O Tribunal Superior, portanto, reconhece a necessidade de uniformização de critérios para deferimento de medidas executivas atípicas, entre as quais se tornaram famosas recentemente a suspensão de CNH ou de passaportes. Em diversas ocasiões, já se reconheceu que as medidas atípicas podem ser deferidas, fundamentadamente e de modo subsidiário, após frustradas as medidas típicas1, caso haja indícios sobre a existência de patrimônio do devedor.2

Na mesma linha, em recente julgamento,3 o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade das medidas atípicas. Firmou-se a tese de que devem ser observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, com análise caso a caso. Reconheceu-se, além disso, que medidas como suspensão da CNH ou passaporte, ou proibição de participação em licitação, têm previsão em outras normas do ordenamento jurídico e não estão em desacordo com a Constituição Federal.

Em 27/2/23, na contramão, o deputado Rafael Prudente apresentou o projeto de lei 668/23, que pretende vedar determinadas medidas executivas atípicas, como o impedimento à inscrição em concurso público e a suspensão da CNH e do passaporte de devedores contumazes.

Na justificativa, o projeto defende que “deve a decisão judicial permanecer vinculada exclusivamente à esfera patrimonial do inadimplente, não sendo razoável que alcance medidas coercitivas que importem na restrição de outros direitos, especialmente o direito de locomoção, que é o primeiro de todas as liberdades.”

Conforme dados disponibilizados pelo Serasa, 70,53 milhões de brasileiros têm alguma restrição apontada em seu nome em razão do inadimplemento de dívidas4. Quer parecer, assim, que devem ser dadas alternativas ao Judiciário para combater a inadimplência, e não o contrário. O projeto não parece contrariar o entendimento dos Tribunais Superiores, como poderá contribuir para a crescente inadimplência que assola o país.

Não se defende que as medidas executivas atípicas sejam aplicadas de forma desmesurada e sem critérios, mas que a análise das medidas cabíveis seja feita caso a caso.

De acordo com o STJ e o STF, as medidas atípicas não são deferidas de modo indiscriminado e como punição para devedores que não tenham meios de pagar as dívidas assumidas – ao revés, este tipo de medida tem como objetivo impor restrições contra devedores que, valendo-se de meios ardis, frustrem as ações de execução, especialmente quando existente patrimônio para arcar com o débito.

A indicação em lei de vedação de determinadas medidas atípicas impedirá a análise do caso concreto pelo Judiciário. O Legislativo, ao invés de garantir a preservação de direitos, pode aprovar projeto que pode retirar dos credores e magistrados importante mecanismo para contornar obstáculos criados por devedores, engessando o Judiciário, contribuindo para a frustração de direitos creditórios, e, em consequência, criando indesejada insegurança jurídica.

O Projeto, se aprovado, pode prestigiar devedores contumazes que devem milhões e, valendo-se da criatividade, ocultam patrimônio e seguem ostentando vidas luxuosas.

Por fim, mas não menos importante, é essencial mencionar que a vedação de medidas como a suspensão de CNH ou passaportes poderá estimular novas propostas para vedação de outros tipos de medidas atípicas ou requerimentos de indeferimento de qualquer tipo de medida atípica por devedores. A intenção do projeto de preservar direitos fundamentais dos cidadãos, portanto, poderá premiar a inadimplência e aumentar o risco de crédito para todo o mercado.

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1 Penhora de ativos financeiros, de imóveis, automóveis, etc.

2 No julgamento do REsp 1.788.950/MT, de relatoria da Min. Nancy Adrighi.

3 Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.941, ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores (“PT”).

4 Disponível em https://www.serasa.com.br/limpa-nome-online/blog/mapa-da-inadimplencia-e-renogociacao-de-dividas-no-brasil/. Acesso em 10/4/23.

Carolina da Silva Marques
Advogada no escritório Lobo de Rizzo Advogados.

Luis Fernando Hiar
Advogado no escritório Lobo de Rizzo Advogados.

Pedro Maués de Freitas
Graduando em Direito pela PUC/SP e colaborador da área de Solução de Conflitos no escritório Lobo de Rizzo Advogados.

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