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Da necessária revisão da súmula 231 do STJ

Não há hipótese alguma em que a súmula 231/STJ seja benéfica para a sociedade.

17/5/2023

O Ministro Rogério Schietti convocou audiência pública para o dia 17/5/23 com o intuito de discutir a possibilidade de revisão da súmula 231 do STJ. Em consequência, os REsps 2.057.181, 2.052.085 e 1.869.764 foram afetados para Terceira Seção da Corte Especial, visto que abordam sobre a possibilidade de se fixar a pena abaixo do mínimo legal, contrariando, assim, o disposto no referido enunciado sumular.

A súmula 231/STJ foi firmada pela Terceira Seção, em 22/9/99, para determinar que “a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.

Segundo os precedentes1 que contribuíram para a fixação do enunciado sumular que se discute, a redução ocasionada por eventual aplicação de atenuante não poderia transpor o mínimo fixado na lei, porque esse seria o entendimento adotado pelo legislador na lei 7.209/84, a qual incluiu o “Capítulo III” no Código Penal sobre a aplicação da pena.

Todavia, conquanto a narrativa apresentada pelos Ministros à época tenha sido dominante para a elaboração da súmula 231/STJ, o texto contido no caput do art. 65 do Código Penal é inequívoco ao determinar quais são as circunstâncias que sempre atenuam a pena. Isto é, o legislador utilizou expressamente o advérbio “sempre” para aludir às circunstâncias atenuantes. 

O entendimento firmado em 1999 tratou-se de interpretação in malam partem realizada pelos Tribunais Superiores à época, pois entenderam pela existência de omissão do legislador em abordar sobre a possibilidade, ou não, de reduzir a pena do acusado abaixo da previsão mínima trazida pelo Código Penal e legislação penal extravagante.

Não bastasse a notória interpretação in malam partem, cabe salientar que a Súmula em questão viola expressamente o princípio da individualização da pena, porque impossibilita a aplicação de um direito legal garantido ao acusado em virtude de um entendimento jurisprudencial. Desse modo, ocorre a padronização da sanção penal, tendo em vista que a individualidade de cada réu não é computada durante a fixação da pena. Ou seja, toda condenação passa a ser previsível quando se nega ao acusado o direito de ter reconhecida a aplicação de uma ou mais circunstâncias atenuantes.

Cabe salientar que, além da padronização da sanção, o princípio da individualização da pena também é maculado pela súmula 231/STJ quando essa equipara e iguala pessoas cujas condições e particularidades se mostram absolutamente díspares. Para melhor elucidar a tese apresentada, analisemos apenas as circunstâncias atenuantes previstas no art. 65, incisos I e III, alínea “d”, do Código Penal, a saber: agente menor de 21 (vinte e um) anos na data do fato e confissão espontânea. Assim, será possível apresentar exemplos concretos que condizem com a realidade vivida por muitos cidadãos brasileiros.

I. Prejuízo causado pelo não reconhecimento da circunstância atenuante prevista no art. 65, inciso I, do Código Penal

Segundo a doutrina, a menoridade relativa é a circunstância atenuante genérica formulada com base na “imaturidade do agente, que por tal motivo merece uma pena mais branda, suficiente para alcançar suas finalidades de retribuição e prevenção (geral e especial)”.2 Em suma, a atenuante busca proteger o jovem menor de 21 (vinte e um) anos, tendo em vista não possuir, apesar da maioridade legal penal, desenvolvimento psíquico e moral completo, o que pode levá-lo a ser facilmente influenciado pelo meio social em que vive.

A menoridade relativa é vista como “personalidade em formação”, tanto é que o Superior Tribunal de Justiça3 reconhece a preponderância da atenuante prevista no art. 65, inciso I, do Código Penal, quando em concurso com circunstâncias agravantes. Trata-se de respeito ao entendimento adotado pelo legislador que editou o Código Penal justamente para inclui-la.

Certo é que a legislação penal não equipara os jovens menores de 21 (vinte e um) anos aos maiores. Caso assim entendesse, não teria previsto a referida atenuante para beneficiá-los devido à ausência de formação intelectual, tampouco teria previsto no art. 142 do Estatuto da Criança e do Adolescente que “os menores de dezesseis anos serão representados e os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos assistidos por seus pais, tutores ou curadores, na forma da legislação civil ou processual”. Por óbvio, a menoridade relativa é notoriamente amparada pelo legislador, inexistindo justificativa para manter a argumentação de que a Súmula 231/STJ estaria em consonância com a lei.

De acordo com o último levantamento realizado pela Secretaria Nacional de Políticas Penais,4 no período de janeiro a junho de 2022, havia 654.704 presos em celas físicas estaduais. Desse total, 129.073 eram jovens entre 18 (dezoito) e 24 (vinte e quatro anos), o que representa 19,71% da população carcerária.

A quantidade de jovens em cárcere é gritante e, por isso, merece uma atenção especial do Estado, bem como das instituições públicas, especialmente do Judiciário. Não se pode buscar a todo custo meios de puni-los quando sequer atingiram a maturidade plena ou desenvolveram por completo a sua personalidade. É nesse ponto que reside a falha do sistema penal, pois a solução vista como mais fácil é encarcerar e punir, criando formas de agravar as penas dos indivíduos ou impedir que sejam abrandadas, tal qual a súmula 231/STJ, de modo que sejam inseridos em presídios para, assim, viverem às margens da sociedade.

No entanto, a solução mais fácil não é a mais efetiva. Menores de idade e jovens de até 21 (vinte e um) anos incompletos são inseridos diariamente na vida criminosa pelas influências que recebem na comunidade. Enquanto isso, faltam políticas públicas adequadas para combater a criminalidade juvenil, pois o foco sempre é desviado para questões que deveriam ser resolvidas de forma célere. A súmula 231/STJ é um grande exemplo do exposto, porque foi adotada em 1999, em manifesta contrariedade ao entendimento do legislador, e trouxe demasiados prejuízos a todos os réus em ações penais, mas especialmente àqueles que não atingiram a maioridade absoluta.

Diante das considerações apresentadas, o teor sumular em apreço deve ser superado, de modo que seja possível estabelecer a pena definitiva de jovens aquém do mínimo legal, em cumprimento ao art. 65, inciso I, do Código Penal.

II. Prejuízo causado pelo não reconhecimento da circunstância prevista no art. 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal

A revisão da Súmula 231/STJ é uma urgência que também se consagra pela aplicação de penas desproporcionais, em sua maioria, a pessoas pobres e sem a mínima instrução que são atingidas diariamente pelas instituições públicas. Isso porque, em regra, tais pessoas, durante a prisão em flagrante ou atos iniciais da investigação policial, confessam espontaneamente a prática de crimes, porém não são informados sobre os seus direitos constitucionais de permanecer calado e de ter assistência jurídica gratuita.

Nesse cenário, o sujeito que possui pouca compreensão sobre os procedimentos da delegacia contribui para a célere conclusão das investigações, tendo em vista que confessou ter praticado os crimes investigados, e passa a ser réu em uma ação penal juntamente com todos aqueles que não confessaram. Ao fim, a título de exemplo, recebe a mesma pena, pois o direito à atenuante de confissão espontânea foi impossibilitado pela Súmula 231/STJ que veda a fixação da pena aquém do mínimo legal. Infelizmente, essa é a realidade vivida por muitas pessoas.

A defesa criminal deve ser garantida para todo e qualquer indivíduo, seja ele pobre ou rico. Entretanto, na prática, o indivíduo que possui condições financeiras para arcar com um bom advogado está, nesse ponto específico, sempre em vantagem, se comparado com aquela pessoa vulnerável que não pode contratar um advogado e tampouco conhece seus direitos constitucionais.

É de suma importância destacar que os hipossuficientes, durante a investigação policial, não são assistidos sequer pela Defensoria Pública (pela deficiência estatal, obviamente, não de tal instituição). Com efeito, mostra-se evidente o desinteresse do Estado em fomentar a atuação das Defensorias no curso do inquérito policial, fase pré-processual de extrema importância, onde costuma ocorrer a maioria das confissões, o que torna crucial a atuação defensiva.

A Defensoria Pública, em regra, atua após o oferecimento da denúncia, pois, na ausência de representante legal, a autoridade judicial competente a nomeia para assistir o acusado. Nessa hipótese, há casos em que o réu, em estado de hipossuficiência econômica e social, já confessou a prática do delito durante a sua oitiva, após influência exercida na delegacia que, em muitos casos, sequer informa ao sujeito o direito de permanecer calado ou de ter acesso a um advogado. Desse modo, diversas nulidades são cometidas no processo, mas nem sempre são reconhecidas pelos Tribunais.

Em contrapartida, o sujeito que possuía condições financeiras de contratar um bom advogado durante a fase pré-processual recebeu a devida instrução. Diante disso, com o auxílio de seu representante legal, conseguiu elaborar uma estratégia adequada para a sua defesa, seja para o flagrante, busca e apreensão, prisão preventiva ou mesmo para o início da ação penal.

Uma pessoa pobre que não teve acesso à instrução devido à falta de condições proporcionadas pelo Estado, muitas vezes, não conta com a assistência da Defensoria ou de um advogado pro bono durante a fase inquisitorial. Quando um indivíduo nessa situação confessa o crime e essa confissão leva a uma resolução mais rápida do caso, ele deveria ter direito à atenuante prevista na legislação penal. Negá-lo a aplicação dessa atenuante, com base em uma construção jurisprudencial, é uma forma de agravar ainda mais a desigualdade social, uma vez que perpetuará a injustiça já existente no sistema penal.

As pessoas hipossuficientes são duplamente punidas quando se tornam rés em processos criminais. Em primeiro lugar, elas frequentemente não recebem uma instrução adequada durante o inquérito policial, o que pode resultar em uma eventual confissão. Em segundo lugar, a falta de assistência jurídica efetiva impede que essas pessoas sejam beneficiadas com a circunstância atenuante de confissão espontânea, prevista no artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, que poderia reduzir a pena aplicada abaixo do mínimo legal.

Assim, cooperar com a polícia para apurar rapidamente os fatos investigados não traria benefício algum ao sujeito que confessou, uma vez que a sua situação, na ação penal, estaria equiparada com a daquele que não contribuiu em nenhum momento para a investigação. Esse é apenas um dos exemplos que evidencia a desigualdade existente no sistema penal, o qual trata de forma distinta pessoas hipossuficientes e desassistidas de quem possui condições para contratar um bom advogado.

III. Conclusão

Portanto, não há hipótese alguma em que a súmula 231/STJ seja benéfica para a sociedade. Como se verifica, além de violar o princípio da individualização da pena, também macula a igualdade garantida a todo cidadão brasileiro pela Constituição Federal, pois permite que pessoas sem condições socioeconômicas sejam predominantemente perseguidas pelo sistema penal. Sendo assim, é medida indispensável que o referido enunciado sumular seja revisto pelo Superior Tribunal de Justiça urgentemente.

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1 STJ: REsp 7.287/PR; REsp 15.691/PR; REsp 32.344/PR; REsp 46.182/PR; REsp 49.500/SP; e REsp 146.056/RS.

2 MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017. p. 379-380).

3 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 2.142.094/SP. Yago Willian Pigini e Ministério Público do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Joel Ilan Paciornik. Decisão proferida pela Quinta Turma. DJe, 30 set. 2022.

4 BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Dados Estatísticos do Sistema Penitenciário. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiNWQ0ODM1OTQtMmQ2Ny00M2IyLTk4YmUtMTdhYzI4N2ExMWM3IiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9 . Acesso em: 12 abr. 2023.

Pedro Machado de Almeida Castro
Advogado criminalista em Machado de Almeida Castro & Orzari Advogados, mestre em Direito Processual Penal pela Universidade de São Paulo - USP e presidente do Instituto da Advocacia Social - INAS.

Thainá Rodrigues Leite
Advogada criminalista em Machado de Almeida Castro & Orzari Advogados, pós-graduanda em Penal e Processo Penal pela Associação Brasileira de Direito Constitucional – ABDCONST e colaboradora no Instituto da Advocacia Social – INAS.

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