Vivemos na época da eficiência. Ser deficiente no mundo eficiente é um desafio e nos leva a buscar soluções transdisciplinares na luta pela preservação de seus direitos. Dados do IBGE em 2022, indicam que há mais de 10,7 milhões de pessoas com deficiência auditiva no Brasil, sendo 2,3 milhões de pessoas com deficiência severa. O projeto de lei 1.361/15 que considerava o surdo unilateral deficiente, foi vetado pelo ex-presidente do Brasil, e um novo cenário acende uma reflexão sobre as consequências desse veto na seara do trabalho. A medida é completamente antidemocrática e colide frontalmente com os pilares do Estado Democrático de Direito, dentre os quais estão alinhados o valor social do trabalho e livre iniciativa, bem como com garantias constitucionais, dentre elas a relação de trabalho digna.
No Brasil existem milhões de deficientes surdos que lutam por cidadania. Diversas disputas são travadas em torno de políticas de inclusão. A distribuição desigual das oportunidades foi minimizada pela política de cotistas, PCD, que não mais acolhe o surdo unilateral, pois em razão do veto, não são considerados deficientes, o que é a forma mais efetiva – e possivelmente mais perversa – de reprodução das desigualdades no trabalho.
Uma democracia pressupõe adesão e chancela dos cidadãos. Temas relacionados com a saúde precisam de melhor análise que permita decisões mais esclarecidas do poder legislativo. O veto, sem sombra de dúvidas é um retrocesso brutal a nível de inclusão no trabalho e ao próprio princípio da igualdade. É justo pensar que existem muitos surdos sem qualquer atenção especial, a partir do veto.
A Constituição Brasileira é refratária à desinclusão social e a qualquer tipo de preconceito no trabalho. A questão dos surdos unilaterais, anteriormente considerados deficientes, trouxe realmente enormes entraves no trabalho para o surdo unilateral. Se por um lado um dos maiores desafios das empresas brasileiras é desenvolver ações eficientes para inclusão de pessoas com deficiência no ambiente de trabalho, o veto exercido por falta de informação é uma hecatombe para o trabalhador-surdo, que não é mais deficiente.
A democracia se consolida com ampla participação na cidadania e com a prática de ações objetivas destinadas assegurar a liberdade, a inclusão e a diversidade. Trabalho e inclusão são vetores para a construção ou erosão da democracia.
A lei geral de inclusão garantia trabalho, em tese, para os surdos unilaterais até o veto. Conforme o artigo 2º do Estatuto da Pessoa com Deficiência (lei 13.146/15), tais pessoas são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
A perda auditiva unilateral, embora constitua uma deficiência, hoje não se enquadra na definição técnica, que assegura ao deficiente auditivo acesso aos direitos concedidos às pessoas com deficiência. O governo usou como argumento para o veto a alegação de que a "deficiência" apresentada no projeto é divergente do conceito previsto na Lei Brasileira de Inclusão”
Na mensagem de veto publicada no Diário Oficial, o governo alega que a definição de deficiência auditiva feita na proposta, e os critérios para a constatação, engessam a legislação. O governo entende que o melhor diagnóstico para definir o que é o “impedimento auditivo” é a competência médica, que possui caráter variável em função da evolução científica.
O governo acrescenta ainda que a definição de deficiência auditiva do projeto vetado diverge do conceito de “deficiência” previsto na Lei Brasileira de Inclusão. O governo alega que em relação à Previdência Social, deve ser feita a avaliação biopsicossocial por equipe. Pois bem, cabe ao Congresso Nacional a decisão de manter ou derrubar o veto do presidente Jair Bolsonaro. Muito se espera.
Pois bem, no PL 1.361/15, cujo veto será agora analisado no Parlamento em data a ser definida, a deficiência auditiva é definida como “a limitação de longo prazo da audição, unilateral total ou bilateral parcial ou total, a qual, em interação com uma ou mais barreiras, obstrui a participação plena e efetiva da pessoa na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas”.
O surdo unilateral está desprotegido. À deriva. A triste realidade é que ele não se enquadra mais na cota de pessoas com deficiência e terá enormes dificuldades de acesso ao trabalho, pois as empresas não contratam surdos. É a eficiência da deficiência da lei, um tiro na inclusão no trabalho. Os surdos com deficiência unilateral estão no limbo!