O Estado Democrático de Direito no Brasil é regido pelo sistema denominado civil law, que tem como fundamento a aplicação da norma através da lei escrita, ou seja, da norma jurídica positivada, tendo sua origem no Império Romano.
Nesse sistema, a lei positivada é soberana. Subsidiariamente, podem ser aplicadas outras fontes do Direito em julgamento de casos, quando a lei escrita não previr a conduta em questão, podendo-se empregar analogia, decisões vinculantes de tribunais, doutrinas e outras fontes.
O Código de Processo Civil, lei 13.105, de 16 de março de 2015, constitui-se em importante instrumento para a adoção do sistema brasileiro de precedentes. Os trabalhos de preparação desta nova norma processual civil iniciaram-se em novembro de 2009, e, até sua promulgação, foram registrados progressos consideráveis tanto em termos de tempo como de discussão, análise e revisão. Dessa forma, buscou ampliar a aplicabilidade dos precedentes vinculantes, trazendo a lei para uma nova fase, com mais segurança jurídica e independência.
Vale ressaltar que a stare decisis, expressão norte-americana que significa “ficar com as coisas decididas”, possui como reflexo o sistema da common law, não valorando soberanamente o direito positivado, que fundamenta o sistema da civil law.
A stare decisis está prevista na Constituição Federal (art. 102, III, § 2º, CF), estabelecendo que decisões em sede de controle abstrato de constitucionalidade vinculam "os demais órgãos do Poder Judiciário...". Porém, segundo o Código de Processo Civil, a stare decisis está acima da lei positivada. Há, assim, contradições.
O ministro Alexandre de Morais, do Supremo Tribunal Federal, entende que “a lei é fundamental e suprema em um estado”. Acrescenta: “É a partir dela que deve ser interpretado todo o ordenamento jurídico”. No entanto, com a previsão da stare decisis no Código Civil, a lei deixa de ser suprema e soberana.
Utilizaram-se os seguintes métodos na presente pesquisa: revisão bibliográfica de obras de grandes estudiosos do assunto; análise do tema sob o prisma dos seus trabalhos, juntamente com o aporte da legislação brasileira extravagante, fazendo com que as doutrinas embasem o trabalho junto com as leis, resultando assim na estruturação teórica do estudo.
É válido citar no presente trabalho o “garantismo constitucional”, como forma de proteger a soberania da Constituição e até mesmo evitar o ativismo judicial, que é a prática de os julgadores interferirem de maneira proativa nos julgamentos.
Ferrajoli entende que o “garantismo” é originado do ato de garantir. No seu entender, preocupa-se com aspectos formais e substanciais que devem sempre existir para que o Direito seja válido.
A imposição da stare decisis pode ir além da civil law, refletindo-se até no ativismo judicial: um precedente teria aplicação soberana, sobrepondo-se à lei positivada.
O ativismo, que muitas vezes passa desapercebido, pode prejudicar as mudanças sociais. Afinal, as ideologias dos magistrados estarão cada vez mais impactando na sociedade. Judicialização e ativismo judicial não são sinônimos, mas este, infelizmente, se reflete cada vez mais nas demandas que são judicializadas.
Ante o exposto, concluímos o presente estudo com uma frase de impacto do estudioso Stephen Holmes (1999, p. 1): “es decir, atar las manos de la comunidad”, ou seja, a Constituição tem como função básica a retirada de decisões das mãos do povo. Seria então a stare decisis uma imposição inconstitucional? De início, não.
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