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ITCMD, trust, sísifo e o fisco de São Paulo

A importância dessa medida fica ainda mais evidente em face das medidas recém implementadas pelo Estado de São Paulo para aumentar a coleta do ITCMD, incluindo, entre elas, o estabelecimento de uma única e especializada delegacia para examinar os pagamentos do ITCMD.

8/5/2023

O título deste artigo pode causar uma certa estranheza em um primeiro olhar, contudo, prometemos que mais adiante as coisas farão (pelo menos de nossa parte (não prometemos da do Fisco)) mais sentido.

O problema, para variar, envolve uma Secretaria da Fazenda, uma sanha invencível, o instituto do trust e alguns contribuintes indignados.

Nesse contexto que tinha tudo para dar errado, acontece o óbvio, dá mesmo.

Em 4 de abril, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (Sefaz-SP) divulgou a Resposta à Consulta Tributária 25.343/22, abordando a questão da incidência do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens e Direitos (ITCMD) em relação a trusts estabelecidos fora do Brasil.

Nessa Consulta, o órgão definiu que o imposto deve ser exigido na transferência de ativos do instituidor do trust (settlor) ao administrador (trustee), mesmo que esses ocorram no exterior, dispondo contrariamente ao decidido pelo do Supremo Tribunal Federal (STF)², que sedimentou entendimento contrário à cobrança sobre heranças e doações no exterior.

O trust, - como já mencionamos em outro artigo-, no Brasil, não possui previsão legal que regulamente a sua tributação.

O único documento jurídico que possuíamos como base era outra Solução de Consulta, essa da Receita Federal do Brasil (RFB), de 41. E lá, adivinhem: a RFB concluiu que era devido Imposto de Renda.

Embora o consulente desta nova Resposta à Consulta (a de São Paulo) tenha fornecido uma descrição muito mais detalhada do contrato, em comparação à Solução de Consulta da RFB, a resposta do Fisco Estadual ainda deixa muito a desejar. Observe a extensão da contradição e da falta de esforço na resposta:

11. Inicialmente, informa-se que o conteúdo dos documentos identificados pela Consulente como “Deed of Trust” e “Letter of Wishes” não será objeto de análise, uma vez que se encontra em idioma estrangeiro, sendo a presente resposta baseada tão somente no relato apresentado (art. 13 da Constituição Federal de 1988 e art. 224 do Código Civil).”

Sem uma análise dos documentos mencionados, não há sequer os contornos do trust, e como foi possível então a elaboração de um documento jurídico determinando a sua tributação, sem nem sequer saber como o trust funcionaria?

É aí que entra o nosso antigo Rei de Corinto, Sísifo, que foi condenado pelos deuses a rolar uma enorme pedra até o topo de uma montanha, apenas para vê-la rolar de volta para o vale toda vez que estava prestes a atingir o cume. Sísifo foi condenado a repetir esse ciclo eternamente, sem nunca alcançar seu objetivo.

É assim que devem estar se sentindo os contribuintes nesse exato momento, condenados a uma injustiça sem fim no tocante ao trust, uma vez que os únicos dois documentos sobre o tema no Brasil, se seguidos à risca, implicam em cobrança de ITCMD e do Imposto de Renda, o que não é permitido pela Constituição Federal. Além disso, pelo menos é o que nos parece, não importa para onde o contribuinte leve sua dúvida acerca da tributação, pois as secretarias irão se cegar para o contexto e opinar pela a tributação do instituto segundo os seus próprios interesses, fazendo a pedra do trust rolar morro abaixo.

Nesse cenário, a importância dessa medida fica ainda mais evidente em face das medidas recém implementadas pelo Estado de São Paulo para aumentar a coleta do ITCMD, incluindo, entre elas, o estabelecimento de uma única e especializada delegacia para examinar os pagamentos do ITCMD.

Rafael Maldonado Canesso
Sênior da Divisão do Contencioso da Braga & Garbelotti - Consultores Jurídicos e Advogados.

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