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Vício construtivo e o prazo prescricional de 10 anos para ajuizar ação indenizatória

O STJ fixa o seu entendimento no sentido de estabelecer o prazo de 10 (dez) anos para o ajuizamento de ações nas quais se pretenda obter a reparação por danos materiais e a compensação por danos morais.

28/4/2023

As discussões que envolvem o inadimplemento contratual, em especial, os prazos para o ingresso com as ações visando a reparação pelos danos suportados, sempre são alvo de dúvida, o que não ocorre por acaso, pois os nossos Tribunais nem sempre são unânimes em seus posicionamentos.

O descumprimento dos prazos, sejam prescricionais ou decadenciais, podem implicar na perda do direito à propositura de uma ação destinada a reparar os danos sofridos. A regra destaca a importância de se entender e cumprir os prazos para garantir que as demandas possam ser ajuizadas em tempo hábil e, portanto, estarem aptas a serem apreciadas pelo Poder Judiciário.

No entanto, muitas vezes há falta de consenso entre os tribunais quando se trata de casos de inadimplemento contratual. Diferentes tribunais podem ter diferentes interpretações da lei, o que pode levar a incerteza e confusão para os envolvidos.

Por exemplo, no caso de reparação por danos morais, alguns tribunais têm se posicionado no sentido de que os herdeiros não podem pleitear uma indenização porque o caráter sancionador e compensatório da ação é pessoal.

Um fator para tal incerteza é a complexidade do próprio direito contratual, que pode dificultar o entendimento dos indivíduos sobre seus deveres e obrigações decorrentes de um contrato. Além disso, a redação dos contratos pode ser ambígua, dificultando a determinação da intenção das partes envolvidas. Além disso, a falta de uniformidade entre os tribunais e o potencial para decisões conflitantes podem criar mais confusão e incerteza.

Veja-se se que, as previsões elencadas em nossa legislação trazem prazos distintos que envolvem tanto a decadência quanto a prescrição, todavia, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, tem-se que o prazo para o pedido de indenização decorrente de vício de construção, é de 10 anos, conforme disposto no artigo 205 do Código Civil1, que deverão ser contabilizados a partir da ciência inequívoca do inadimplemento contratual.

APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Ainda que seja inegável a tutela do Código de Defesa do Consumidor, cujo tratamento, inclusive, acaba sendo de maior especialidade do que aquele previsto no Código Civil, tem-se que de acordo com o posicionamento da terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, não há prazo específico no CDC, apto a regular a hipótese de inadimplemento contratual, mesmo porque, o prazo quinquenal disposto no artigo 27 contempla situações envolvendo as hipóteses de fato do produto ou do serviço.

Isso significa que o CDC, segundo o posicionamento da Corte, não prevê um prazo específico para tratar de situações em que uma parte não cumpre suas obrigações contratuais. Ao contrário, o prazo de cinco anos previsto no artigo 27 do CDC2 contempla as situações que envolvem as hipóteses de fato do produto ou do serviço3. Essa falta de prazo específico no CDC tem implicações tanto para a defesa do consumidor quanto para os litígios que envolvam questões meramente contratuais.

A posição da Terceira Turma sobre o inadimplemento contratual significa que os consumidores podem enfrentar desafios na busca de indenização, já que o período de cinco anos previsto no Artigo 27 pode não ser aplicável em todos os casos. No entanto, o entendimento não traz isenção ao fornecedor de sua responsabilidade de corrigir defeitos ou vícios em seus produtos ou serviços. Quando for verificado que o defeito ou vício não é causado pelo consumidor, o fornecedor deve responder pelo dano4.

Nesse sentido, há que se considerar que o CDC estabelece que os produtos e serviços postos no mercado de consumo não devem acarretar riscos à saúde ou à segurança dos consumidores, exceto aqueles considerados normais e previsíveis5. Se um produto ou serviço causar danos a um consumidor, o fornecedor pode ser responsabilizado pelos danos.

O termo "produto ou serviço" também tem implicações para as empresas em termos de responsabilidade e gestão de riscos. As empresas têm a responsabilidade de garantir que seus produtos e serviços atendam aos padrões de segurança e não causem danos aos consumidores6.

Isso significa que o prazo não é aplicável apenas às situações que envolvem as hipóteses de fato do produto ou serviço, mas também é o único prazo disponível para o consumidor pleitear indenização por danos causados pelo produto ou serviço.

CASOS ANALISADOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Entre os casos que geram precedentes sobre a aplicação do prazo decenal do artigo 205 do Código Civil, se encontram discussões em que os Tribunais Estaduais haviam reconhecido a decadência do direito pautada no suposto transcurso dos prazos de 90 (noventa) dias, previsto no artigo 26, inciso II do Código de Defesa do Consumidor.

No entanto, há casos em que os Tribunais Estaduais têm reconhecido a decadência desse direito com base no prazo de 90 dias7. Isso levantou questões sobre a eficácia das leis de proteção ao consumidor e os direitos dos consumidores.

As decisões judiciais sobre o lapso do período de 90 dias variam. Alguns tribunais têm decidido que o prazo prescricional previsto no artigo 26, inciso II do Código de Defesa do Consumidor é inaplicável a determinados casos, como os que envolvem pedido de aplicação de multa por descumprimento de leis de defesa do consumidor8. Outros tribunais têm aplicado a decadência do prazo de 90 dias, citando a necessidade de segurança jurídica e a importância do cumprimento das normas9.

Por sua vez, é de um 1 (um) ano estabelecido no artigo 445 do Código Civil para a reparação de vícios redibitórios e a prescrição de 3 (três) anos prevista no artigo 206, § 3º, inciso V, também do Código Civil, para a reparação e compensação dos danos alegados.

O dispositivo garante aos consumidores um tempo razoável para descobrir e relatar tais defeitos ao fornecedor e buscar as reparações ou compensações apropriadas. O prazo de um ano começa a fluir a partir da data de entrega do produto, e a não comunicação do defeito dentro do prazo, pode acarretar na perda do direito de reparação.

Já o artigo 206, § 3º, inciso V, do Código Civil estabelece o prazo prescricional de três anos para a reparação e indenização dos danos decorrentes da responsabilidade civil contratual10. O prazo de três anos começa a ser contabilizado a partir da data do inadimplemento, e a inércia do consumidor dentro deste prazo pode resultar na perda do direito de ação. Tal disposição visa garantir que os fornecedores sejam responsabilizados por qualquer dano causado aos consumidores como resultado de suas ações, mas desde que instados em tempo razoável.

Em última análise, ainda que em relação ao caso objeto de estudo, relativamente à pretensão de reexecução dos serviços e aos vícios redibitórios, o Superior Tribunal de Justiça tenha mantido o mesmo entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o mesmo não ocorreu quanto à pretensão indenizatória contemplando o pedido de reparação dos danos materiais e a compensação dos danos morais, fixando posicionamento pela aplicação do prazo prescricional decenal do artigo 205 do CC.

Nesse sentido, importante se mostra a compreensão da diferença entre o prazo decadencial e o prescricional, pois o prazo decadencial previsto no artigo 26 do CDC, por exemplo, se relaciona diretamente ao lapso temporal em que o consumidor pode exigir judicialmente as alternativas estampadas no artigo 20 do referido Código, o que não se confunde com os prazos previstos nos artigos 205 e 206, §3, inciso V, ambos do Código Civil, que tratam de prazo prescricional para o ajuizamento de ação, na qual será possível requerer indenização por inadimplemento do contrato.

CONCLUSÃO

Dessa forma, e tendo em vista outros precedentes, o Superior Tribunal de Justiça fixa o seu entendimento no sentido de estabelecer o prazo de 10 (dez) anos para o ajuizamento de ações nas quais se pretenda obter a reparação por danos materiais e a compensação por danos morais.

Portanto, é fundamental que o consumidor conheça seus direitos e tome as providências no prazo estipulado, pois uma vez expirado o prazo, o consumidor perde o direito de pleitear uma indenização.

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1 CC. Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

2 CDC. Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

3 Acórdão 1153456, 20170110178934APC, Relator: ÁLVARO CIARLINI, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 6/2/2019, publicado no DJE: 22/2/2019. Prazo prescricional – fato do produto ou do serviço (acidente de consumo). Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/cdc-na-visao-do-tjdft-1/decadencia-e-prescricao-no-cdc/prescricao-fato-do-produto-ou-servico-ou-acidente-de-consumo/contagem-do-prazo-prescricional-2013-termo-inicial.  Acesso em: 19 abr. 2023.

4 Boletim Jurídico. STJ. REsp 1721694. Pedido de indenização por falhas aparentes em imóvel tem prazo prescricional de dez anos. Disponível em:  http://boletimjuridico.publicacoesonline.com.br/pedido-de- indenizacao-por-falhas-aparentes-em-imovel-tem-prazo-prescricional-de-dez-anos/ Acesso em: 19 abr. 2023.5Brasil. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm.  Acesso em: 19 abr. 2023

6 MURARO, Célia Cristina. A responsabilidade civil do fornecedor de produtos | Editora JC.  Disponível em: https://www.editorajc.com.br/responsabilidade-civil-fornecedor-produtos/. Acesso em: 19 abr. 2023.

7 Acórdão 1232687, 07039655520198070018, Relator: Eustáquio de Castro, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 19/2/2020, publicado no DJE: 6/3/2020. Decadência e prescrição no CDC - TJDFT. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/cdc-na-visao-do-tjdft-1/decadencia-e-prescricao-no-cdc/decadencia-e-prescricao-no-cdc. Acesso em: 19 abr. 2023.

8 Acórdão 1232687, 07039655520198070018, Relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 19/2/2020, publicado no DJE: 6/3/2020. Decadência e prescrição no CDC - TJDFT. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/cdc-na-visao-do-tjdft-1/decadencia-e-prescricao-no-cdc/decadencia-e-prescricao-no-cdc. Acesso em: 19 abr. 2023

9 BARBOSA, Fernanda Nunes. A prescrição nas relações de consumo: interfaces entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCilvil, Belo Horizonte, v. 15, p. 97-116, jan./mar. 2018. Disponível em: https://rbdcivil.ibdcivil.org.br/rbdc/article/download/207/198/626.  Acesso em: 19 abr. 2023. 

10 Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em RESP Nº 1.281.594 - SP (2011/0211890-7). Disponível em: https://www.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ATC?seq=94074498&tipo=0&nreg=&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=&formato=PDF&salvar=false. Acesso em: 19 abr. 2023.

Debora Cristina de Castro da Rocha
Advogada fundadora do escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia, especializado nas áreas do Direito Imobiliário e Urbanístico, Mestre em Direito Empresarial e Cidadania e Professora.

Edilson Santos da Rocha
Advogado pelo escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia.

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