Já se disse, no passado, que qualquer que seja o regime da insolvência, seja o privilegiar a manutenção do devedor na atividade empresarial em crise econômica financeira, seja o de atribuir maior atenção aos credores, em ambos, há custos de transação que serão de algum modo suportados pelas coletividades de credores, trabalhadores, consumidores, fazendas públicas e a sociedade em geral.
A resposta da legislação concursal brasileira a partir de 2005 parece ter sido propositadamente mista. De um lado, a lei reconhece a estrutura de incentivos para a participação ativa dos credores no processamento da recuperação judicial de modo que esta objetive o “turn around” (isto é, a recuperação) na medida dos interesses dos credores e, de outro, elegeu o princípio da preservação da empresa (e não, a preservação do devedor) como elemento de orientação basilar na interpretação das eventuais lacunas, omissões e contradições entre as regras desse microssistema.
Também já se perguntou, no passado, em que medida o Poder Judiciário teria condições de ser o protagonista ou o timoneiro dessa cooperação pela busca da melhor alocação de recursos para equilibrar todos os interesses envolvidos numa recuperação judicial.
É certo que, no mundo dos negócios e do crédito, há fortes razões para se acreditar que uma legislação concursal possa melhor alocar os interesses através de um regime de cooperação entre os atores envolvidos ao invés da lógica das execuções individuais do tipo “first-come, first-served”. Isto é, imagine um evento de rock popular com uniformização dos preços dos tickets, em que haja uma procura intensa por ingressos, valerá a ordem de chegada para os melhores assentos, com dispêndio e gasto de energia (alocação ineficiente) por vários dos interessados que não conseguirem as primeiras cadeiras.
Valendo-se da reflexão apresentada “The Logic and Limits of Bankruptcy Law”,1 partindo do exemplo dos peixes (ativos) em um lago (devedor), temos que se todos os pescadores (credores) tiverem a possibilidade de pescar (executar a dívida) ao mesmo tempo e se valer da regra de “quem primeiro pescar leva o produto da pesca”, é provável que o lago seja liquidado (pois haveria uma corrida entre os credores).
No entanto, economicamente, pode ser do interesse dos credores que a preservação do lago pudesse fornecer peixes continuamente ao longo do tempo, de modo a permitir a satisfação de todos os credores. É por isso que se diz que há fortes razões para acreditar que a execução dos créditos fragmentada, seja na forma de liquidação, seja com o devedor se desfazendo dos seus ativos ou derretendo o seu valor operacional (“going concern”) represente uma alocação ineficiente se comparada a soluções cooperativas dos credores que aumentem o valor agregado do negócio em crise, porque terá o efeito equivalente a uma guerra civil destruidora de riquezas.2
A substituição de remédios individuais por uma solução colegiada ou coletiva pode ser vantajosa para os credores considerados como grupo. Talvez um modelo econômico seja desenvolvido no futuro para medir, em dado momento de tempo e espaço, se o excedente do valor de uma empresa em funcionamento é superior ao seu valor de liquidação, para tornar a decisão/dúvida dos credores menos traumática. Assim, os credores tenderiam a cooperar e a evitar a liquidação prematura da operação que oportunize mais valor em sua continuidade operacional.
Sob a perspectiva da empresa em crise, uma lição que não pode ser esquecida é que os agentes econômicos barganham de maneira cooperativa em um hipotético cenário de inexistência de custos de transação, chegando a um resultado eficiente independentemente do que disciplinar a lei. Mas o cenário da realidade é de existência de custos de transação altos, sendo a lei forte influenciadora de que interesse deve privilegiar.
O STJ reconheceu que essa interação é explicada por meio da "Teoria dos Jogos", na qual “percebe-se uma interação estratégica entre o devedor e os credores, capaz de pressupor um consenso mínimo de ambos a respeito dos termos delineados no plano de recuperação judicial. Essas negociações demonstram o abandono de um olhar individualizado de cada crédito e um apego maior à interação coletiva e organizada” (REsp n. 1.302.735/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/3/2016, DJe de 5/4/2016.).
Nessa lógica, a devedora adota estratégias – pedido de recuperação e apresentação de um plano de recuperação judicial - que visam a convencer os credores de que a recuperação é o melhor caminho. Ao obter a suspensão das execuções dos credores abrangidos, a devedora força os credores a adotarem um comportamento cooperativo.3
Atualmente o processo se encontra em fase de apresentação de objeções ao plano de recuperação apresentado pela devedora.
Em breve, os credores da 4ª maior recuperação judicial da história brasileira nesses quase 18 (dezoito) anos de vigência da lei, deverão ser chamados ao conclave que irá deliberar sobre a concessão ou não da recuperação judicial em favor da gigante do varejo nacional.
De extrema relevância também que os credores quirografários representam 99,06% do passivo submetido a recuperação judicial e nesta classe são 8.134 (oito mil, cento e trinta e quatro) credores que, em tese, precisarão aprovar por mais da metade do valor dos créditos e pela maioria simples dos credores presentes na assembleia (art. 45º §1º da LREF).
Seguramente diante da menor significância do montante devido aos credores das classes I e IV (trabalhadores e microempresas ou empresas de pequeno porte), o plano de recuperação judicial apresentado expressamente manteve os termos e condições originários dessas dívidas, de modo que os credores trabalhistas e microempresários ou atividades enquadradas como de pequeno porte não terão direito a voto e não serão verificados para fins do quórum deliberação da concessão ou não da recuperação judicial das Americanas (art. 45 §3º da LREF). Esse pagamento deverá ocorrer em até 30 (trinta) dias da homologação do Plano.
Para os credores quirografários, a proposta geral de pagamento é de um deságio de 80%, parcela única em 2043 e atualização pela TR (taxa referencial). Já aqueles credores classificados na subclasse de fornecedores e com dívidas de até R$ 12.000,00 (doze mil reais) deverão ser pagos em até 30 dias da homologação e com valores superiores a doze mil reais, a proposta é de 48 parcelas com deságio de 50% e atualização pelo IPCA.
Há ainda a subclasse dos fornecedores colaboradores que serão aqueles que manifestarem interesse ou voltarem a fornecer produtos para revenda pelas Americanas. Neste caso, há uma proposta escalonado de pagamento a depender de quantos dias se der o retorno ao fornecimento de produtos nas condições prévias à recuperação judicial. Em até 30 dias, o pagamento é proposto de uma só vez e até 15 (quinze) dias após o aumento de novos recursos também previsto no plano ou 360 dias da homologação. Se parou de fornecer por mais de 30 (trinta) dias, o deságio seria de 5, se até 60 (sessenta) dias, 10%, se 90 dias, 20%, se 120 dias, 40% e 150 dias, 50%.
Entre os meios de recuperação, há a previsão de aumento de capital de R$ 10 bilhões de reais, que subsidiará a realização de leilão reverso para pagamento dos credores quirografários que ofertarem um desconto não inferior de 70% sobre o crédito novado, de modo a receberem o pagamento em quitação dos seus créditos de forma antecipada.
Diante desse cenário, vale conferir qual será a racionalidade de atuação dos credores na hipótese de ocorrer a assembleia de credores.
A decisão de cada jogador nesses casos dependerá diretamente do grau de informação que eles tenham sobre o jogo, para que possam tomar a decisão que seja a mais eficiente sob o seu ponto de vista. Cabe à legislação incentivar os jogadores para que eles tenham colaboração mútua e apoiem a melhor estratégia para todos4.
2 SGARD, Jérôme, Bankruptcy Laws: Part of a Global History, SciencePo Working papers Main, HAL, https://econpapers.repec.org/repec:hal:spmain:hal-00972713 Acesso em 25 abr 2023.
3 FORNARI, Homero J. N. A análise econômica do direito no processo de recuperação judicial. Belo Horizonte: Dialética, 2020, p. 198.
4 PIMENTA, Eduardo Goulart. Direito, economia e crise na empresa. 2. ed. Belo Horizonte: Expert, 2021, p. 116.
Belo Horizonte : Eduardo Goulart Pimenta, 2021., p. 84.