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Greenwashing e a auto-regulamentação publicitária

A prática de greenwashing pode trazer danos irreversíveis às empresas que não estiverem atentas as melhores práticas, ferindo gravemente seu bem maior que é a sua reputação.

25/4/2023

São muitas as formas de apresentação das empresas que se dizem “verdes” ou “sustentáveis”. Alguns exemplos: amigos do meio ambiente, amigo da natureza, amigos do planeta, carbon-free, eco-friendly, 100% reciclável, e por aí vai.

Diversas delas, de fato, investem em seu sistema produtivo, buscando transformar o discurso em prática, diminuindo suas ações que contribuem para a destruição do planeta.

No entanto, existem outras que estão preocupadas tão somente em comunicar uma postura verde, parecendo bacana para o consumidor, mas sem que possuam uma prática verdadeiramente sustentável. Greenwashing (do inglês, "lavagem verde") consiste exatamente neste tipo de comunicação falsa, que também pode ser exagerada ou ilusória sobre práticas sustentáveis.

A maior parte dos países vem se movimentando, fortemente, com a elaboração de normas internacionais, que resultam em direcionamento para a elaboração de leis/normas internas sobre a preservação do planeta, em suas mais variadas formas. Os exemplos mais claros (e mais relevantes) resultam dos encontros das partes (COPs), sob os auspícios da Organização das Nações Unidas (ONU), que, desde a realização da ECO92 (Rio de Janeiro), já tiveram 15 (quinze) e 27 (vinte e sete) encontros, para o avanço das discussões envolvendo a conservação da biodiversidade (Convenção sobre Diversidade Biológica) e o combate as mudanças climáticas (Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a mudança do clima).

A despeito da relevância dos tratados mencionados, eles não costumam tratar dos limites da publicidade e comunicação das empresas, com relação as ações voltadas (ou não) para um planeta mais limpo e sustentável. O que é certo é que o consumidor, cada dia mais, vem observando e valorizando (através do seu poder de compra) as empresas que tem práticas mais sustentáveis – assim, as ações voltadas para um meio ambiente mais equilibrado passaram a ser, seguramente, um componente bastante poderoso para a formação de reputação.

Em sentido contrário, aquelas empresas que buscam enganar o consumidor, com um discurso sustentável e desconectado com a prática, tendem a sofrer uma repulsa, com consequências bastante prejudiciais. 

Mas, o que é ser sustentável? Nem sempre o conceito permite uma interpretação razoável, o que pode gerar confusão para o empresário bem intencionado, que deseja se adequar as melhores práticas, mas não possui um norte claro sobre o que fazer e de que forma, para que possa comunicar suas ações e projetos, sem ser acusado da prática de greenwashing.

Tanto no Brasil, como em diversos outros países1, associações voltadas para a comunicação, publicidade e marketing decidiram estabelecer critérios de autorregulamentação, ou seja, desenvolveram normas entre as próprias empresas, a fim de aumentar o nível das boas práticas, além de evitar (quando possível) o Poder Judiciário e sua já conhecida demora para resolução de conflitos.

Com este propósito nasceu o CONAR2 (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) que tem funcionado com sucesso, definindo, através de suas deliberações e decisões, um bom caminho para a publicidade ética no Brasil.

A base para as decisões do CONAR é o seu Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária3 que tem por objetivo a regulamentação das normas éticas aplicáveis à publicidade e propaganda, assim entendidas como atividades destinadas a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos ou ideias.

O Código possui 05 (cinco) capítulos que compreendem princípios gerais, responsabilidades, infrações e penalidades. Além disso, possui diversos anexos voltados para as categorias especiais de anúncios, como por exemplo: bebidas alcóolicas, empregos e oportunidades, imóveis, alimentos, produtos farmacêuticos, turismo, defensivos agrícolas, armas de fogo, lojas de varejo, médicos, dentistas, veterinários e diversos outros segmentos.

Observando um sensível aumento na utilização de anúncios publicitários voltados a enaltecer as ações empresariais ligadas ao meio ambiente, o CONAR decidiu incluir um novo anexo em seu Código, voltado especificamente para tratar de “apelos de sustentabilidade” (Anexo “U”).

Através deste anexo, o CONAR, como premissa, encorajou toda publicidade a orientar, desenvolver e estimular a sociedade objetivando um futuro sustentável, definindo ainda 03 (três) regras gerais. São elas: a) que “Publicidade da Responsabilidade Socioambiental e da Sustentabilidade” constitui toda a publicidade que comunica práticas responsáveis e sustentáveis de empresas, suas marcas, produtos e serviços; b) que “Publicidade para a Responsabilidade Socioambiental e para a Sustentabilidade” constitui toda publicidade que orienta e incentiva a sociedade, a partir de exemplos de práticas responsáveis e sustentáveis de instituições, empresas, suas marcas, produtos e serviços e c) que “Publicidade de Marketing relacionado a Causas” é aquela que comunica a legítima associação de instituições, empresas e/ou marcas, produtos e serviços com causas socioambientais, de iniciativa pública ou particular, e realizada com o propósito de produzir resultados relevantes, perceptíveis e comprováveis, tanto para o Anunciante como também para a causa socioambiental apoiada.

O anexo “U” definiu, ainda, que a publicidade deverá refletir a responsabilidade do anunciante para com o meio ambiente e a sustentabilidade e levará em conta os seguintes princípios: a) Concretude (evitando-se conceitos vagos que ensejem acepções equivocadas ou mais abrangentes do que as condutas apregoadas); b) Veracidade (informações e alegações veiculadas deverão ser verdadeiras, passíveis de verificação e de comprovação); c) Exatidão e Clareza (informações veiculadas deverão ser exatas e precisas, expressas de forma clara e em linguagem compreensível, não ensejando interpretações equivocadas ou falsas conclusões); d) Comprovação e Fontes (os responsáveis pelo anúncio deverão dispor de dados comprobatórios e de fontes externas que endossem); e) Pertinência (as informações socioambientais tenham relação lógica com a área de atuação das empresas, e/ou com suas marcas, produtos e serviços, em seu setor de negócios e mercado); f) Relevância (os benefícios socioambientais comunicados deverão ser significativos em termos do impacto global que as empresas, suas marcas, produtos e serviços exercem sobre a sociedade e o meio ambiente); 7. Absoluto (a publicidade não comunicará promessas ou vantagens absolutas ou de superioridade imbatível); g) Marketing Relacionado a Causas (o anúncio não poderá aludir a causas, movimentos, indicadores de desempenho nem se apropriar do prestígio e credibilidade de instituição).

Com base nestas premissas, o Conar, desde 2011, julgou mais de 50 (cinquenta) casos4, que representam relevantes precedentes, no sentido de encorajar as empresas a utilizarem os princípios aqui apontados, a fim de que o consumidor, em última análise, não seja ludibriado pela publicidade ilusória e evasiva.

Outra fonte que pode ser considerada bastante rica no direcionamento da publicidade voltada a sustentabilidade é o “Guia Global sobre Claims de Sustentabilidade em Marketing e Comunicação” de autoria da WFA – World Federation of Advertisers e que foi traduzida pela ABA – Associação Brasileira de Anunciantes5.

O Guia foi estruturado em torno de 6 (seis) princípios, para auxiliar os atores envolvidos na produção publicitária “a evitar as principais armadilhas que podem levar a claims de sustentabilidade enganosos (também conhecidos pelos termos “misleading green claims” ou “greenwashing”)”6, além de também funcionar como um norte para as organizações nacionais de autorregulação publicitária.

Os princípios previstos no Guia da WFA/ABA (bastante semelhantes aos já previstos no Código de Autorregulamentação Publicitaria do CONAR) são os seguintes: 1. Os claims não devem ser suscetíveis de induzir em erro, e seus embasamentos devem ser claros; 2. Os anunciantes devem, para todos os seus claims, possuir evidências robustas que possam ser consideradas objetivas e passíveis de comprovação; 3. As ações em marketing e comunicação não devem omitir informações relevantes. Quando o tempo ou espaço forem limitados, os anunciantes e profissionais de marketing devem usar meios alternativos para disponibilizar informações qualificadas prontamente acessíveis ao público e indicar onde elas podem ser acessadas; 4. Os claims de sustentabilidade genéricos devem ter seu fundamento no ciclo de vida completo de seu produto ou negócio, a menos que o anúncio afirme de maneira distinta e deixe claros os limites do ciclo de vida; 5. Os produtos comparados/confrontados em publicidade comparativa deverão atender às mesmas necessidades ou se destinar ao mesmo objetivo. A base para comparações deve ser clara e permitir que o público tome uma decisão informada e consciente sobre os produtos comparados; 6. Os anunciantes e profissionais de marketing devem incluir todas as informações relacionadas ao impacto ambiental dos produtos anunciados que sejam exigidas por lei, órgãos reguladores ou códigos dos quais são signatários.

A autorregulamentação é um caminho que tem funcionado, no sentido de estabelecer premissas e diretrizes para o setor empresarial buscar um aprimoramento de suas ações publicitárias e, que podem contribuir para o consumidor fazer a sua escolha, baseada na verdade.

Os casos de greenwashing começam a surgir de forma frequente, não apenas no âmbito da autorregulamentação, mas também no Judiciário. Uma das maiores redes varejistas do mundo vem sofrendo ações coletivas7 pela prática de publicidade enganosa relacionada as suas ações sustentáveis, o que vem repercutindo e servindo de alerta para outras empresas que buscam se aproveitar do mesmo repertório.

No Brasil, há uma prática peculiar de “greenwashing”, em que empresas, dos mais variados segmentos (inclusive serviços), utilizam claims associados a determinados biomas (principalmente o amazônico), tão somente para auferir benefícios marqueteiros (no sentido pejorativo do termo), quando não possuem nenhuma prática concreta de relacionamento com a floresta.

O Marco Legal da Biodiversidade Brasileira em vigor8 não prevê nenhuma sanção para publicidade enganosa (que fica a cargo da autorregulamentação do CONAR ou do Ministério Público), no entanto define que toda e qualquer utilização de conhecimento tradicional associado (inclusive na forma publicitária) de titularidade dos povos e comunidades tradicionais requer autorização (consentimento) prévia dos seus provedores, sob pena de multas que podem chegar a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais)9.

Conclusão

É fato que o consumidor passou a valorizar bastante os produtos e serviços oriundos de empresas que respeitam o meio ambiente e possuem prática concretas, neste sentido. O inverso é verdadeiro, no sentido de que determinada marca pode cair em descrédito, por pregar um discurso ambiental que se mostra enganoso.

Os exemplos trazidos aqui, envolvendo autorregulamentação publicitária, tem demonstrado êxito, seja como fonte de direcionamento para os atores do segmento publicitário (através dos princípios mencionados), como pelos precedentes, envolvendo a condenação dos anúncios que não guardam coerência com o discurso sustentável em certas situações concretas.

A despeito da autorregulamentação, é importante dizer que o Ministério Público e a população possuem instrumentos processuais, como a ação civil pública, que podem ser utilizados também em situações envolvendo publicidade enganosa, voltada para as práticas de sustentabilidade.

A prática de greenwashing pode trazer danos irreversíveis às empresas que não estiverem atentas as melhores práticas, ferindo gravemente seu bem maior que é a sua reputação.

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1 Exemplificativamente: Comunidade Européia, Austrália, Índia, Nova Zelândia e Estados Unidos.

2 1978.

3 http://www.conar.org.br/

4 As decisões podem ser acessadas no banco de dados disponível pelo próprio CONAR (www.conar.org.br), com o elemento “sustentabilidade” no campo de pesquisas, destacando-se as seguintes representações: 265/21, 163/22, 263/16, 138/21, 269/16 e 330/09. 

5 Disponibilizado em 09/08/2022

6 https://twosides.org.br/wp-content/uploads/sites/15/2023/02/Guia-Global-sobre-Claims-de-Sustentabilidade-em-Marketing-e-Comunicacao-impressao-ok.pdf pg. 05

7 https://www.business-humanrights.org/en/latest-news/usa-hm-faces-greenwashing-class-action-lawsuit-over-alleged-misleading-false-marketing-of-sustainable-clothing-line/ 

8 Lei 13.123/15 e decreto 8.772/16

9 Artigo 83 e seguintes do Decreto 8.772/16

Luiz Ricardo Marinello
Mestre em Direito pela PUC/SP; Professor na INSPER em Contratos de PI; Professor em Especialização de PI na ESA/SP; Coordenador de Comitê na ABPI; Diretor da ASPI; sócio de Marinello Advogados;

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