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A responsabilidade da pessoa jurídica por infrações às práticas de compliance

Não há dúvidas de que a existência de um programa de compliance efetivo demonstra uma preocupação da empresa com orientações anticorrupção e uma atuação no dever de vigilância da legalidade.

24/4/2023

Muito se tem discutido no mercado a respeito da responsabilidade criminal às pessoas jurídicas em decorrência da prática de atos contra a administração pública e à ordem econômica, pela execução de atos que violem práticas anticorrupção e programa de compliance, e que acarretam sanções de diversas naturezas, até aquelas que possam provocar a paralisação da atividade econômica.

Incialmente, vamos entender o conceito de Compliance: Define-se por Compliance a política interna adotada por corporações que visem cumprir, obedecer, estar de acordo, seguir as leis, normas e procedimentos internos que tem como foco a conformidade em relação a todos os diplomas legislativos (anticorrupção, ambiental, fiscal, concorrencial, licitações, trabalhista, etc.), além de parcerias éticas, seja com o setor público ou privado e seus fornecedores que, de alguma forma, regulamentem a atividade, sobretudo para prevenir eventual persecução criminal.

A empresa deve, portanto, avaliar não somente os próprios riscos, mas também os riscos daqueles com quem mantém algum tipo de relação, tais como seus fornecedores, colaboradores, parceiros, investidores, sendo fundamental que o programa trate, na seara penal, de uma política anticorrupção (da proibição de oferecimento ou pagamento de vantagens indevidas a funcionários públicos, por exemplo), assim como os procedimentos que deverão ser observados por seus prepostos ou representante legais no processo de apuração e punição de condutas que contrariem as regras de compliance.

O mercado costuma estabelecer 7 pilares que sustentam um programa de compliance de forma eficiente: 1) Conhecimento sobre a organização; 2) Comprometimento da alta direção; 3) Autonomia da instância responsável; 4) Análise de perfil e riscos; 5) Estruturação de regras e instrumentos; 6) Comunicação interna e externa; e 7) Monitoramento contínuo.

Considerando o setor e a atividade desenvolvida pela Pessoa Jurídica, balizado por nossos dispositivos legais, que traduzem a tendência das melhores práticas de governança corporativa dos mercados globais, haverá a necessidade de intensificar o Compliance em determinadas áreas, como ambiental, concorrência, aqui estão inseridas as infrações à ordem econômica, licitações e anticorrupção, trabalhista e proteção de dados, por exemplo, tonando-se relevante observar a consequência das infrações cometidas, que muitas vezes extrapolarão a esfera financeira (multas).

No ordenamento jurídico brasileiro diversas leis estabelecem penalidades às empresas decorrentes da infração às disposições legais que possam impor sanções criminais e administrativas capazes de prejudicar e restringir atividade econômica da empresa.

Embora haja uma forte pressão e tendência dos organismos internacionais em criminalizar condutas e aplicar penalidades de natureza criminal às Pessoas Jurídicas, independente da efetiva condenação do agente do delito (pessoa física), no âmbito da legislação brasileira atual somente na esfera ambiental, em razão do texto da lei 9.605/98, que decorre da previsão constitucional, será imputada à Pessoa Jurídica a prática de crimes, recaindo-lhe penas restritivas de direito em substituição às penas privativas de liberdade.

A possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica foi recepcionada pela Constituição Federal no § 3º do art. 225, e diz respeito a responsabilidade penal por crimes ambientais, na forma prevista.

Para os crimes inseridos na Lei anticorrupção (lei 12.846/13) será imputada a responsabilidade civil e administrativa de forma objetiva, com espécies de sanções judiciais, ou seja, decorrentes de sentença condenatória. Contudo, embora o seu artigo 19 preveja claramente que, em caso de condenação por atos de corrupção, a pessoa jurídica se sujeitará à pena restritiva de direito, não ficou estabelecida qual o máximo e o mínimo desta sanção judicial, diferente do que dispõe a pena específica para os crimes ambientais, o que causa certa insegurança jurídica.

Todavia, importante destacar que este mesmo artigo de Lei trouxe como sanção de cunho administrativo, porém muito nociva à Pessoa Jurídica dada à sua natureza restritiva, a suspensão ou interdição parcial de suas atividades e até mesmo sua dissolução compulsória, bem como a publicação extraordinária da condenação.

Essa “morte” da Pessoa Jurídica, que resulta da dissolução compulsória, é uma pena bastante severa, pois não apenas causa dano irreparável aos seus acionistas, como também atinge terceiros (fornecedores, trabalhadores, sociedade civil em geral) que nada contribuíram para a conduta ilícita praticada pela empresa. Outrossim, a competência para decretar a sua dissolução compulsória é exclusiva do Poder Judiciário, sendo, por tais motivos, esta sanção muito debatida na doutrina.

Quando tratar-se de infrações à ordem econômica (defesa concorrência, anticorrupção, licitação, tributário); trabalhista e LGPD, a legislação brasileira estabelece penalidades às pessoas jurídicas por execução de atos ilícitos ou descumprimento de disposições legais e que tem como efeito, além do prejuízo financeiro e pecuniário advindo das multas e advertências, a paralisação ou suspensão, ainda que parcial e temporária, da atividade econômica, conforme demonstrado de forma objetiva no quadro abaixo:

(Imagem: Divulgação)

Neste contexto, a adoção de programas de compliance atua positivamente ao favorecer a identificação de potenciais problemas e a rápida busca por soluções, promovendo efeitos positivos à organização que porventura venha a se envolver em prática delituosa, como a adesão ao programa de leniência, a celebração de termos de compromisso de cessação, a submissão de consultas ao Tribunal e a dosimetria das penalidades aplicadas.

Não há dúvidas, portanto, de que a existência de um programa de compliance efetivo demonstra uma preocupação da empresa com orientações anticorrupção e uma atuação no dever de vigilância da legalidade, atendendo a expectativa cada vez maior do mercado mundial e tornando-se uma estratégia para motivar os gestores a adotarem medidas de organização interna que garantam respeito à legalidade e a prevenção à responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Luana Pessoa Buzanelli Tanuri Meirelles
Sócia do MMC & Zarif Advogados.

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