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Da tutela provisória da evidência requerida em caráter antecedente

Nem a literalidade de todo o livro dedicado às tutelas provisórias, tampouco a natureza do procedimento, seriam impeditivos para a concessão da tutela da evidência postulada em caráter antecedente.

20/4/2023

O presente ensaio visa destrinchar, fazendo parte de uma série de escritos do autor acerca do tema tutelas provisórias, pontos importantes da tutela provisória da evidência.

Muito se fala acerca das tutelas provisórias de urgência, assuntos amplamente debatidos pela doutrina se comparadas a modalidade de tutela provisória objeto desse estudo.

A tutela provisória da evidência é matéria nova trazida pelo Código de Processo Civil de 2015, atendendo aos anseios da jurisprudência, com o objetivo de deferir ao requerente, a antecipação de direito claro e notório, em que pese não ser necessária a demonstração de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

Essa espécie de provimento jurisdicional de cognição sumária será concedida quando ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa e; a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Pois bem. É sabido que a tutela provisória da evidência se faz muito mais rara e incomum na prática forense do que as tutelas cautelares e antecipadas, seja em razão de se tratar de uma novidade que os profissionais ainda não se habituaram e não se sentem seguros a requerer, bem como a ausência de detalhes quanto ao seu procedimento, ao revés do que ocorre quanto as outras modalidades.

Conforme aludido, as hipóteses taxativas do artigo 311 do Código de Processo Civil configuram aquelas autorizadoras a concessão da medida provisória.

Importante mencionar, o fato de a tutela da evidência não se consubstanciar em uma modalidade autônoma de tutela, mas sim, ser a evidência, materializada pelas hipóteses taxativas, um pressuposto fático apto a autorizar a concessão de uma tutela jurisdicional diferenciada.1

As hipóteses ora mencionadas, perfazem um alto grau de probabilidade do direito invocado, em determinado ponto que o torne evidente, fazendo jus a uma modalidade distinta de concessão do direito, trazendo celeridade ao processo, bem como a pronta satisfação do postulado.

O direito material da parte se mostra evidentemente cabível, sendo certo que o perigo de dano não se revela pressuposto à sua concessão.

De importante menção, o fato de que, em que pese a ausência de perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, o deferimento se dá em um juízo sumário e sem o caráter de definitividade, por ser concretizado ainda em fase embrionária dos autos, onde a instrução processual probatória sequer foi aprofundada.

Porém, em caso de concessão dessa medida, é forte a tendência de que seja confirmada em sentença, após toda a fase instrutória.

Em outros dizeres, essa modalidade de tutela provisória se dá ao passo em que o direito do requerente, taxado pela lei no rol do artigo 311 do Código de Processo Civil de 2015, se revela muito provável, sendo adequado a antecipação dos efeitos de decisão futura favorável.

Até mesmo se discute a possibilidade de ampliação do mencionado rol, posto que, a título ilustrativo, os requisitos liminares em ações possessórias também se revestem de evidência do direito, merecendo serem expandidos os benefícios da tutela da evidência a outras situações.

Tendo sido feitos tais esclarecimentos, paira a seguinte indagação: o requerimento da tutela da evidência deve ser sempre incidental?

Há corrente nesse sentido, a sustentar que como não há o elemento do perigo de dano, não há fato justificador a se permitir a modalidade antecedente de requisição da tutela da evidência.2

De outra borda, entendo pela franca possibilidade de requerimento e concessão da medida ora estudada na modalidade antecedente. Explico:

A tutela da evidência pode ser requerida de maneira antecedente ou incidental, até a prolação de eventual acórdão de tribunal de segundo grau, ao passo que há a possibilidade de pedido de tutela recursal, não sendo possível tal requerimento às cortes de vértice em razão das suas atribuições constitucionais.

A conjugação dos artigos 299, parágrafo único com o artigo 932, inciso II, somados ao 311, inciso I, por exemplo, permitiria a requisição da tutela recursal da evidência perante determinado tribunal de segundo grau.

Entendo, até mesmo, pela possibilidade de requerimento de tutela provisória em grau recursal na modalidade antecedente, o que ensejaria a confecção de artigo próprio tamanha a riqueza de detalhes.

Além disso, a concessão da medida pode ser deferida desde o requerimento antecedente, até mesmo sendo possível postular a sua concessão em momento processual próximo à sentença, consubstanciando-se em uma grande vantagem pois, caso concedida nesse ato processual, é hipótese de exceção ao efeito suspensivo em eventual recurso de apelação.

Porém, o principal argumento aqui oferecido com vistas a viabilizar tal tipo de requerimento, baseia-se na lógica da processualística civil brasileira, na integridade e na coerência do sistema.

Ora, é permitido o requerimento, de maneira antecedente, para a concessão das tutelas cautelares e antecipadas, com base na urgência, mas nunca se deixando de lado o requisito de maior importância para todo tipo de decisão de natureza provisória, qual seja a probabilidade do direito.

O Código de Processo Civil de 2015 apenas regulamentou esse tipo de requerimento no que tange as tutelas de urgência, mas não há um dispositivo sequer a proibir que o pedido, e concessão, seja realizado de maneira antecedente no que diz respeito a tutela da evidência.

Qual a razão de não se permitir o requerimento da tutela de evidência na modalidade antecedente? A ausência do fator urgência ou perigo de dano? Penso não ser plausível, com as escusas necessárias, tal argumento.

A evidência, que denota a altíssima probabilidade de existir o direito, é apta a autorizar que a parte a requeira antecedentemente.

O próprio artigo 300, do Código de Processo Civil de 2015 submete a concessão de medida provisória aos casos em que reste comprovada a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

Mais à frente, no artigo 311, do mesmo diploma processual, há a possibilidade de concessão da tutela da evidência apenas com base no primeiro requisito.

Ora, havendo essa possibilidade, nada impede que o seu requerimento se dê de maneira antecedente, até mesmo em razão de, em caso de deferimento do pleito, dificilmente haverá a sua revogação, principalmente quando fundamentada nos incisos II e III, daquele dispositivo, únicas hipóteses em que se revela viável a concessão da medida de maneira antecedente.

Havendo entendimento sedimentado em súmula vinculante ou em julgamento de casos repetitivos, além de prova documental irrefutável apta a instruir, dentre os demais, pedido reipersecutório relacionado a contrato de depósito, não há razão para eventual reforma da concessão da tutela da evidência, seja ela concedida em caráter antecedente ou incidental.

Ademais, nas hipóteses acima listadas, excetuando-se remotas hipóteses como a superação ou distinção do precedente ou súmula a serem observados, além da posterior comprovação da falsidade da prova colacionada por exemplo, é tendência ratificar a manutenção da tutela em decisão exauriente.

Aliás, esse entendimento vai ao encontro de uma mais célere e racional prestação jurisdicional, ao passo que antecipará direito evidente, além de, possivelmente, encurtar o caminho até a decisão final do mérito.

Aliás, nas hipóteses dos incisos II e III, do artigo 311, as quais o parágrafo único autoriza o juiz a decidir liminarmente, só entendo pela impossibilidade da aludida concessão em hipóteses notórias de irreversibilidade da medida.

Nem a literalidade de todo o livro dedicado às tutelas provisórias, tampouco a natureza do procedimento, seriam impeditivos para a concessão da tutela da evidência postulada em caráter antecedente.

Além disso, é um assunto pouco debatido pela doutrina e jurisprudência, merecendo uma melhor reflexão e construção, sempre na direção de se dar mais efetividade a prestação jurisdicional.

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1 FREDIE DIDIER JR., PAULA SARNO BRAGA e RAFAEL ALEXANDRIA DE OLIVEIRA, Curso de Direito Processual Civil, Vol. 2, 10ª ed., 2015, Editora JusPodivm, p. 617

2 LEONARDO GRECO, A tutela de urgência e a tutela da evidência no Código de Processo Civil, in Desvendando o Novo CPC, Livraria do Advogado, 2015, p. 130

Luís Eduardo de Resende Moraes Oliveira
Advogado e especialista em direito processual civil. Membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil.

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