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O STF e o limite da multa de mora sobre os tributos

Se a jurisprudência caminha neste sentido, reconhecendo o efeito de confisco, no caso de multas isoladas, que, conforme o ministro Dias Toffoli suscitou, incidem sobre condutas com maior grau de reprovabilidade, com ainda mais razão as multas moratórias devem ser estabelecidas em percentual menos gravoso.

20/4/2023

O STF iniciou, em 14/4/23, em plenário virtual, o julgamento do RE 882.461, que trata da incidência de ISS em operação de industrialização, realizada com material fornecido pelo contratante, quando a operação configura etapa intermediária do ciclo produtivo. O recurso está cadastrado como Tema 816 da repercussão geral.

O que este artigo irá tratar é sobre uma questão acessória deste julgamento: a limitação percentual da multa moratória aplicada sobre o pagamento do tributo.

Até o momento da elaboração do presente artigo, apenas o ministro relator Dias Toffoli depositou o voto no plenário virtual.

Antes que surja a ideia sobre a separação dos poderes, tendo em vista a intervenção do Poder Judiciário nas aplicações de multas tributárias previstas em lei, é necessário esclarecer que há a regra do não confisco expressamente prevista na Constituição, e o STF, tem jurisprudência pacífica de que cabe ao Poder Judiciário, mediante provocação, intervir em casos de excessos que violem regras constitucionais, como o caso do não confisco, proporcionalidade e razoabilidade. Tal entendimento é ilustrado pelo voto do ex-ministro Celso de Mello, ao julgar a ADI 1075-MC: “encerra uma cláusula aberta, (...), reclamando que os tribunais (...) procedam à avaliação dos excessos eventualmente praticados pelo Estado, tendo em consideração as limitações que derivam do princípio da proporcionalidade”. Portanto, a análise, pelo Poder Judiciário, do caráter confiscatório das multas tributárias não viola a separação dos poderes.

Voltando ao tema central do artigo, o relator, em seu voto,  fortalece o sistema de precedentes, ao mencionar e aplicar o decidido no Tema 214 da repercussão geral.

Cabe lembrar que o STF, ao julgar o Tema 214, no RE 582.461/SP, decidiu que a multa tributária de caráter moratório em patamar de 20% sobre o débito tributário atende ao princípio da razoabilidade e não viola a regra do não confisco.

Conforme o STF, no citado julgamento, “a aplicação da multa moratória tem o objetivo de sancionar o contribuinte que não cumpre suas obrigações tributárias, prestigiando a conduta daqueles que pagam em dia seus tributos aos cofres públicos. Assim, para que a multa moratória cumpra sua função de desencorajar a elisão fiscal, de um lado não pode ser pífia, mas, de outro, não pode ter um importe que lhe confira característica confiscatória, inviabilizando inclusive o recolhimento de futuros tributos.” A tese fixada, na oportunidade, foi a seguinte: “não é confiscatória a multa moratória no patamar de 20%”

O STF também reconheceu a Repercussão Geral no RE 640.452/RO, que debate sobre a constitucionalidade, por desproporcionalidade e caráter confiscatório, de multa em valor variável entre 40% e 50% sobre o valor da operação realizada pelo contribuinte, por descumprimento de obrigação acessória, ou seja, multa isolada aplicada.

Recentemente, o STF derrubou a aplicação da multa isolada no caso de compensação não homologada, ao julgar o Tema 736 da repercussão geral.

É necessário explicar que as multas, em qualquer área do direito, têm caráter punitivo e visam desestimular determinada conduta.

No direito tributário, as multas podem ser moratórias (que é a discutida no Tema n° 816 da repercussão geral), multas de ofício (qualificadas e não qualificadas) e as multas isoladas.

A multa moratória e a multa de ofício incidem com o atraso no pagamento do tributo.

A multa de ofício incide quando a autoridade fazendária “verifica que o contribuinte deixou de pagar o tributo, mediante omissão ou fraude”. O patamar desta multa será julgado no Tema n° 1.195, em que se discute se a multa punitiva poderá ser aplicada em patamar superior a 100% do tributo devido. Já adianto que não é possível, tendo em vista que o STF, julgando a ADI 551/RJ, declarou a inconstitucionalidade de norma estadual que previa a aplicação de multa elevada, em caso de não recolhimento ou sonegação de tributo, por ofensa aos princípios do não confisco e da proporcionalidade.

O ministro Gilmar Mendes, naquela oportunidade, assim se manifestou: “fica evidente quando se coloca que as multas, em consequência do não recolhimento dos impostos e taxas estaduais, não poderão ser inferiores a duas vezes o seu valor, chegando a uma notória desproporção. Portanto, penso que se pode invocar o art. 150, inciso IV, da Constituição Federal e, obviamente, o princípio da proporcionalidade na acepção que este Tribunal tem lhe emprestado do devido processo legal ou sentido substancial ou substantivo.” Isso mostra que o limite de 100% de qualquer que seja o gênero da multa é uma tendência adotada pela corte.

A aplicação da multa tem por objetivo sancionar o contribuinte que não cumpre suas obrigações fiscais. Todavia, não pode ter um importe que seja desproporcional, confiscatória e não seja razoável.

As multas isoladas incidem com o descumprimento de obrigação acessória ou por outras infrações.

Retomando a análise da multa que o STF tem tratado no Tema 816 da repercussão geral, é notório que a corte tenta fazer uma escala de gravidade das multas, para estabelecer tetos de aplicação.

Conforme se extrai do voto do ministro Dias Toffoli: “as multas moratórias visam a combater comportamentos com menor grau de reprovabilidade do que aqueles censurados pelas multas não qualificadas; (ii) essas, por seu turno, sancionam comportamentos com menor gravidade do que aqueles reprovados com as multas qualificadas. Nessa toada, por questão de razoabilidade, proporcionalidade e justiça, a priori, as multas qualificadas em razão de sonegação, fraude ou conluio podem ser superiores às multas de ofício não qualificadas; e essas, por seu turno, podem ser superiores às multas moratórias.”

Além da escala de gravidade da incidência das multas, há a necessidade de uniformização dos percentuais de multas, já que há em unidades da federação multas extremamente elevadas e em outras unidades a mesma conduta incorre em uma sanção menos gravosa.

Entendendo que a mora em pagar tributos é uma conduta cuja reprovabilidade é menor, a multa de mora também deve ser menor.

Portanto, em harmonia com o Tema 214 do STF, o ministro Dias Toffoli entendeu que a multa de mora não tem caráter confiscatório e atende à razoabilidade e à proporcionalidade, quando fixada em até 20%. O ministro ainda definiu que as variações temporais devem ficar a cargo das leis.

Entendo que a fixação do percentual da multa moratória neste patamar segue uma linha jurisprudencial adotada pelo STF. Em algumas oportunidades, o STF vem reduzindo a fixação dos percentuais exorbitantes das multas isoladas, por reconhecimento da inconstitucionalidade, ao violarem os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e vedação ao confisco. Portanto, se a jurisprudência caminha neste sentido, reconhecendo o efeito de confisco, no caso de multas isoladas, que, conforme o ministro Dias Toffoli suscitou, incidem sobre condutas com maior grau de reprovabilidade, com ainda mais razão as multas moratórias devem ser estabelecidas em percentual menos gravoso.

Gustavo Leite
Advogado.

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