Migalhas de Peso

O STJ e a retroatividade da lei mais benéfica em punições administrativas

Em recente julgamento, o STJ decidiu, por unanimidade, um tema de grande importância na relação entre o particular e a Administração Pública.

24/4/2023

Em recente julgamento, o STJ decidiu, por unanimidade, um tema de grande importância na relação entre o particular e a Administração Pública. Na ocasião, o órgão entendeu que o advento de uma lei mais benéfica ao processado deve retroagir em seu favor, ou, nas palavras do Tribunal, o “dispositivo constitucional (que prevê a retroatividade da lei penal) [é] princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o qual a lei mais benéfica retroage no caso de sanções menos graves, como a administrativa”.

O caso concreto envolve a ANTT - Agência Nacional de Transportes Terrestres e uma transportadora e trata da possibilidade da aplicação da Resolução ANTT 5.847/19, que seria uma norma mais benéfica, uma vez que reduz a multa decorrente de infração administrativa por excesso de peso em estradas, quando comparada à Resolução ANTT 4.799/15, vigente ao tempo das infrações.

Antes do STJ, o caso foi examinado pelo TRF da 2ª região, que reduziu o valor da sanção para aplicar a nova resolução, justamente afirmando que a norma penal mais benéfica retroage para beneficiar o infrator, mesmo nos casos em que a sanção aplicada tenha natureza administrativa.

Neste último recurso, a conclusão foi confirmada com a observação de “ser possível extrair do art. 5º, XL, da Constituição da República princípio implícito do Direito Sancionatório, qual seja: a lei mais benéfica retroage”. Mais do que a utilização do dispositivo constitucional, que trata de direito penal, a decisão ainda desenvolve o raciocínio de que se a Constituição manda retroagir em casos de punições mais severas, como as criminais, mais sentido faz retroagir a norma mais favorável em casos menos graves, como os administrativos.

O caso não é importante apenas para a ANTT, já que se traz uma compreensão de como funciona a extensão do poder punitivo da Administração Pública em geral. A própria decisão já apontou outras situações em que o mesmo entendimento foi adotado, como casos relacionados à SUNAB - Superintendência Nacional do Abastecimento e da Administração Pública do Rio de Janeiro. Neste último caso, a aplicação de lei posterior anistiou faltas de servidores que, sem esta anistia, seriam alcançados pela pena de demissão anteriormente aplicada.

Por esta mesma linha de raciocínio, não é difícil ampliar o mesmo entendimento para os demais setores regulados e tampouco para as demais esferas sancionadoras do poder público. Provavelmente, apesar de o tema não ter sido trazido nesse julgado em particular, a mesma ideia do direito penal, que inspirou a decisão, no sentido de ser vedada a combinação de normas antigas com normas atuais (criando uma terceira lei) também seja aplicada. 

Marcelo Ribeiro
Marcelo Ribeiro é sócio da prática de Compliance, Investigações e Penal Empresarial do Lefosse Advogados.

Eduardo Carvalhaes
sócio da prática de Direito Público e Regulação do Lefosse Advogados.

José Carlos Berardo
sócio da prática de Concorrencial e Antitruste do Lefosse Advogados.

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