A Comissão Parlamentar de Inquérito, instalada em 27 de outubro de 2021 pela Câmara Municipal de São Paulo, sob a presidência do vereador Camilo Cristófaro (Avante) e vice-presidência do vereador Adilson Amadeu (União) por meio do Processo RDP 43/21, que se destinou à investigação da comercialização de produtos importados sem recolhimento de impostos, bem como a comercialização de produtos falsificados, teve o seu relatório final apresentado em 22 de março de 2023.
Ciente da gravidade dos crimes que envolvem a pirataria e do massificado e “livre” comércio desses produtos irregulares na cidade de São Paulo, a Câmara Municipal Paulista identificou a necessidade de fazer um verdadeiro raio-x de tal cenário para apresentação de uma série de sugestões de medidas a serem implementadas, buscando confrontar essa atividade criminosa que, infelizmente, ainda chega a ser vista por muitos como inofensiva.
O trabalho da CPI, ao longo de 1 ano e 5 meses de atividades, segundo seu relatório final, foi responsável pela realização de 48 reuniões, 7 diligências, 45 oitivas (com 6 conduções coercitivas), 216 requerimentos aprovados e 374 ofícios expedidos.
O documento de relatoria do vereador Isac Félix (PL) e sub-relatoria do vereador Rodrigo Goulart (PSD), apresenta detalhadamente todas as atividades executadas pela CPI, culminando com a apresentação da sugestão de uma série de medidas a serem implementadas pela Prefeitura de São Paulo, além de encaminhar os fatos apurados para as esferas Federais, também com a indicação possíveis providências a serem implementadas.
Diante da constatação de que hoje uma parcela relevante dos comerciantes populares também atua em ambiente virtual, o trabalho desempenhado pela CPI além de analisar o combate de produtos piratas nas regiões de comércio popular de São Paulo, famosas pela “livre” comercialização de produtos contrafeitos, também estendeu o seu raio-x para o ambiente virtual.
Ao longo do trabalho da CPI algumas reuniões foram dedicadas à oitiva dos representantes dos principais marketplaces em atividade no Brasil, buscando entender quais medidas estão sendo executadas para combater a comercialização dos produtos irregulares em ambiente virtual, em prol do afastamento do suposto “manto do anonimato”. O que, inequivocamente, demonstrou o interesse das atividades da CPI de São Paulo extrapolar fronteiras, servindo de marco para que outras cidades e Estados, além da própria União, também se engajem, cada vez mais, em prol do necessário combate à pirataria no ambiente virtual.
Um dos pontos de destaque da CPI foram as tentativas de oitiva do casal Hwu Su Chiu Law e Law Kin Chong, proprietários de pelo menos 27 shoppings localizados na cidade de São Paulo, famosos pela comercialização em larga escala de produtos piratas. Após inúmeras intimações para oitiva do casal, e até mesmo o deferimento de algumas conduções coercitivas, os mesmos, sob o manto dos 3 habeas corpus preventivos impetrados, se prevaleceram do direito constitucional de não produzir prova contra si mesmo, permanecendo em silencio. Ainda assim, quando indagados quanto a sua participação na comercialização de produtos falsificados, o advogado do casal pontuou que o modelo de negócio dos seus clientes consistiria apenas e tão somente na locação de imóveis, razão pela qual não teriam qualquer responsabilidade sobre as atividades comerciais praticadas por seus respectivos inquilinos.
Após o brilhante trabalho desempenhado ao longo dos 499 dias da CPI a conclusão apresentada em seu relatório final, de redação do vereador Isac Félix, atesta que “a pirataria está ancorada em práticas ilegais e clandestinas que ultrapassam os limites do município de São Paulo e, consequentemente, das fronteiras pátrias. A organização do esquema de pirataria está enraizado em uma estrutura hierárquica e empresarial voltada para a prática de infrações penais, contando com estrutura, poder e domínio territorial que vão além da cidade de São Paulo” (sic.).
Além disso, o relatório final ressalta a necessidade da presença efetiva da organização estatal para efetivamente fazer frente ao ilícito em referência, concluindo o documento com a sugestão de medidas a serem implementadas pela Prefeitura de São Paulo, tais como: a formulação de um Plano Municipal de Combate à Pirataria; a criação de órgão público de inteligência, articulação e formulação de políticas de combate à pirataria, além da criação de órgãos específicos nas subprefeituras onde há a maior incidência de comercialização de produtos falsificados; a realização de campanhas educativas para a população; a ampliação das operações de fiscalização, com o treinamento de capacitação dos agentes de fiscalização; a interação com os demais órgãos competentes no âmbito Estadual e Federal e a intervenção da municipalidade no Circuito das Compras localizado no Brás.
Não é de hoje que a temática do combate à pirataria vem ganhando cada vez mais relevância no cenário nacional, hoje é notório que o comércio de produtos falsificados é uma das maiores, se não for a maior, fonte de custeio do crime organizado, razão pela qual medidas como a implementada pela Câmara Municipal de São Paulo são de extrema necessidade.
No entanto, como sabiamente pontuado no relatório final apresentado, os crimes decorrentes da comercialização de produtos piratas hoje não estão limitados apenas aos grandes centros de compras, como é o caso da cidade de São Paulo. Razão pela qual o Estado precisa passar a olhar para esse problema de uma forma nacional, rompendo as fronteiras estaduais.
Iniciativas como a dos vereadores da Cidade de São Paulo são de extrema valia, no entanto, é necessário que atitudes como essa se repliquem para os demais Estados da Federação e tenha um alcance nacional.
O desenvolvimento de políticas públicas de combate direto à pirataria é necessário e urgente, porém, junto com tais políticas é necessário também a implementação de campanhas educativas que atinjam toda a população, assim como a elaboração de legislação específica de alcance nacional (com processo de tramitação mais célere), responsável pela implementação de tipos penais mais severos para a prática desses ilícitos.
É inegável que o comércio de produtos piratas pode ser enquadrado, na maioria das vezes, como concurso formal de crimes, art. 70 do Código Penal, em decorrência da prática de crimes contra as marcas, artigos 189, inciso I; 190, inciso I da Lei de Propriedade Industrial (LPI) n.º 9.279/96 e crime de concorrência desleal, artigo 195, inciso III da LPI, além da prática dos crimes de estelionato, fraude no comércio, e crime contra as relações de consumo, tipificados, respectivamente, nos artigos 171 , 175 , 180 do Código Penal e artigo 66 da lei 8.078/90.
No entanto, o que verificamos na prática é que muitas vezes tais delitos são tipificados “apenas” como crime contra as marcas, sendo ignorado a ocorrência do concurso formal com os demais tipos penais facilmente identificados, fazendo com que a tramitação do procedimento criminal correspondente se proceda mediante queixa, e passe a possuir uma pena máxima de até 1 ano de detenção, segundo o artigo 189, inciso I, e detenção de até 3 meses nos termos do artigo 190, inciso I, ambos da LPI, penalidades essas que, na prática, não têm o poder de ser um óbice para a prática do ilícito, e tampouco garante a justa proteção à propriedade intelectual dos titulares de marcas.
Além da necessidade de tipos penais mais severos, da aplicabilidade da lei penal de forma mais ampla e eficiente, e da necessidade de regulamentação de procedimentos céleres para viabilizar o trabalho mais efetivo dos agentes que atuam diretamente no combate à pirataria, é inegável a necessidade de leis mais rigorosas no que tange a concessão de licenças para o exercício das atividades de comércio nos inúmeros municípios existentes no Brasil. A fiscalização e o combate à pirataria precisam ser feitos de forma escalonada, atuando em conjunto desde a municipalidade até o governo federal.
Hoje, o poder executivo da cidade de São Paulo através da lei 14.167/06, devidamente regulamentada pelo decreto 52.432/2011, possui poder para efetuar a cassação de auto de licença de funcionamento de lojistas e permissão de uso de ambulantes que comercializem produtos irregulares no Município de São Paulo. No entanto, essa legislação se limita apenas e tão somente à cidade de São Paulo, além de enfrentar algumas dificuldades para o seu cumprimento decorrente da necessidade de uma nova regulamentação que traga maior efetividade e facilidade para a execução das penalidades administrativas.
A necessidade imediata de uma atuação mais contundente contra os atos de comércio de produtos ilegais é reforçada com os últimos números compartilhados pelo Anuário da Associação Brasileira de Combate à Falsificação segundo o qual restou apurado que o Brasil perdeu R$345 bilhões em 2022 em decorrência da pirataria.
Esse número reflete exatamente o valor que a economia brasileira deixou de somar aos seus cofres públicos e que foi, quase na sua totalidade, utilizado para custear o crime organizado.
Constatada a gravidade dos atos decorrentes da comercialização de produtos piratas, a relação direta com o crime organizado e o prejuízo exorbitante gerado aos cofres públicos nacionais, não resta a menor dúvida que a iniciativa da Câmara Municipal de São Paulo, decorrente da instauração da CPI da Pirataria, precisa ser compartilhada com os demais Estados da Federação para que, de forma conjunta, fomentem a criação de políticas públicas que viabilizem o combate direto à pirataria e, consequentemente, ao crime organizado.
No entanto, não se deve ignorar que além da atuação direta do poder público, seja com a criação de políticas efetivas ou de legislação específica mais gravosa, é necessário que a iniciativa privada também se engaje cada vez mais no combate à ilegalidade decorrente da comercialização de produtos piratas.
Os representantes de marcas também são protagonistas no combate à pirataria, visto que, além de serem parte diretamente interessada nessa batalha, quando unem esforços às Autoridades, a partir de seus programas de brand protection, podem contribuir muito com as investigações, auxiliando da identificação e desmantelamento de redes de organizações criminosas, além de prestar suporte para essas mesmas Autoridades que muitas vezes são obrigadas a atuar de forma limitada em decorrência de orçamentos escassos.
Por fim, a atuação das entidades e associações também possui um papel institucional primordial no combate à pirataria com a apuração de dados e pesquisas, além da função educacional, levando informação para quem não está no front desse combate, buscando assim esclarecer possíveis dúvidas da sociedade e indicar as mazelas que a “simples” compra de um produto pirata pode trazer para a sociedade.
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LEI Nº 14.167, DE 6 DE JUNHO DE 2006. Disponível em: [http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-14167-de-6-de-junho-de-2006 ] Acesso em: 09/04/2023
DECRETO Nº 52.432, DE 21 DE JUNHO DE 2011. Disponível em: [http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-52432-de-21-de-junho-de-2011] Acesso em 09/04/2023
Relatório final da CPI da Pirataria. Disponível em: [https://www.saopaulo.sp.leg.br/wp-content/uploads/2023/03/relatorio-cpi-pirataria-relator-ver-isac-felix-1.pdf] Acesso em: 09/04/2023
Lei 9.279/96. Disponível em: [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm] Acesso em: 09/04/2023
GALVÃO, Cesar. Brasil perdeu R$ 345 bilhões em 2022 por causa da pirataria. Disponível em: [https://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2023/04/03/exclusivo-brasil-perdeu-r-345-bilhoes-em-2022-por-causa-da-pirataria.ghtml] Acesso em: 09/04/2023
Código Penal. Disponível em: [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm] Acesso em: 09/04/2023
Código do Consumidor. Disponível em: [http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm] Acesso em: 09/04/2023