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O sigilo entre cliente e advogado

A recente Operação Furacão, da Polícia Federal, foi saudada pela mídia e opinião pública como ato singular de quebra de impunidade. A detenção de personagens graduados da sociedade, entre os quais integrantes do próprio Poder Judiciário, destoou do padrão histórico brasileiro de só responsabilizar penalmente delinqüentes de pequena monta. Daí o aplauso.

27/4/2007


O sigilo entre cliente e advogado

Reginaldo Oscar de Castro*

A recente Operação Furacão, da Polícia Federal, foi saudada pela mídia e opinião pública como ato singular de quebra de impunidade. A detenção de personagens graduados da sociedade, entre os quais integrantes do próprio Poder Judiciário, destoou do padrão histórico brasileiro de só responsabilizar penalmente delinqüentes de pequena monta. Daí o aplauso.

Sem deixar de considerar o que há de conceitualmente positivo nisso, convém ressaltar que, ao atropelar princípios fundamentais consagrados na Constituição Federal, a Operação mais preocupa que entusiasma. O combate ao crime só é legítimo quando observados os limites da Constituição e das leis.

Se as afrontar, equipara-se ao que quer combater – e estabelece algo absolutamente incompatível com o Estado democrático de Direito: o estado policial. Na Alemanha nazista, a Gestapo deixou lembranças dolorosas desse desvio de conduta.

Na referida Operação Furacão, como foi amplamente divulgado, a Polícia Federal, em nome do sigilo das investigações – injustificável, uma vez efetuadas as prisões -, criou obstáculos ao contato direto e pessoal dos advogados com seus clientes. Mais: sob o mesmo argumento, quis sonegar-lhes também os motivos da detenção e o acesso aos autos do inquérito policial.

Pior ainda: violou o sigilo - este, sim, sagrado e inegociável - que deve presidir as relações do advogado com o cliente. Não se trata apenas de prerrogativa da advocacia. É fundamento constitucional. O artigo 133 da Constituição, ao tempo em que considera o advogado “indispensável à administração da justiça”, considera-o também “inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Um desses “atos” cuja inviolabilidade a Constituição determina é o que se traduz nos colóquios entre advogado e cliente. Ora, ao promover invasão noturna e colocar grampos – telefônicos e “ambientais” - em escritórios de advocacia, para ter acesso às conversas privadas entre cliente e advogado, a Polícia Federal viola a Constituição, viola princípio que é pedra angular do Estado democrático de Direito.

Ressalte-se que não se trata de um direito do advogado, mas do cliente, do cidadão. O advogado não é beneficiário do sigilo. Torna-se detentor de uma informação que não tem, do ponto de vista ético e legal, o direito de usar. Para ele, é um encargo.

Não se pense que tal fundamento – o direito ao sigilo - surgiu aleatoriamente ou que tenha aceitação localizada. É princípio antigo e universal. O Direito é ciência sedimentada ao longo de milênios, nutrida em fontes diversas do conhecimento e lastreada em sólidos fundamentos da ética e da moral.

Não é algo que se possa simplesmente atropelar em nome da eficácia operacional da polícia. Seria o reconhecimento de que o Estado democrático de Direito é incompatível com a manutenção da ordem pública e social. E isso seria simplesmente trágico.

O jurista canadense Raymond Doray lembra que, na França, o dever de confidência do advogado para com o cliente remonta ao século XV (bem antes, portanto, do descobrimento do Brasil), embutido nas Ordenações do Reino.

Na Inglaterra, foram os tribunais que, no mesmo período, o consagraram. No Canadá, a Corte Suprema estabeleceu que esse direito compreende dois aspectos: de um lado, a obrigação do advogado de não revelar, sob nenhuma hipótese, a terceiros as confidências que recebeu do cliente; e, de outro, de não instá-lo a revelá-las perante o tribunal, ainda que considere que possam em tese beneficiá-lo.

O zelo por esse fundamento é tal naquele país que não precisa ser postulado. Os tribunais, de ofício, o asseguram, rejeitando liminarmente todo elemento de prova obtido em condições que violem direitos e liberdades fundamentais, entre os quais o sigilo entre cliente e advogado.

A confidência é do cliente e somente a ele cabe vazá-la. Aqui, como acima mencionei, o sigilo é norma constitucional. Cabe, portanto, ao Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, manifestar-se a respeito da violação do princípio pela Polícia Federal ou por quem quer que venha a incidir nessa prática.

Não o fazendo, o STF abdica de seu papel e enfraquece-se como instituição. Pior: permite que o estado policial e a mentalidade autoritária se fortaleçam. A repercussão da Operação Furacão exige que essas distorções não passem <_st13a_personname w:st="on" productid="em branco. Caso">em branco. Caso contrário, tendem a se repetir.

De outra parte, a volúpia do sigilo não pode se sobrepor à lei. O sigilo das investigações cessa quando se materializa a detenção. O detido e seu advogado têm o direito elementar de saber o porquê da detenção – e, a partir daí, já não se pode alegar vazamento. O sigilo se dá entre o advogado e o cliente – não entre estes e o processo.

A ânsia popular por Justiça – louvável e necessária – não pode derivar para ações sumárias que ignorem o devido processo legal. Se tal prática se cristaliza, já não perguntaremos no futuro quem nos defenderá dos bandidos, mas quem nos defenderá da polícia. Com a palavra o Judiciário, guardião da lei e da cidadania.

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* Advogado e ex-presidente nacional da OAB








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