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A decisão absolutória em ação de improbidade administrativa e o trancamento da ação penal

Em 7 de março de 2023, no RHC 173.448, o STJ entendeu por trancar uma ação penal, em virtude de ausência de justa causa, face à absolvição na ação de improbidade administrativa pela ausência do elemento subjetivo do dolo.

14/4/2023

Em 7 de março de 2023, no RHC 173.448 o STJ entendeu por trancar uma ação penal, em virtude de ausência de justa causa, face à absolvição na ação de improbidade administrativa pela ausência do elemento subjetivo do dolo. No caso, o MP não teria se desimcubido de comprovar que determinada pessoa, na qualidade de terceiro (art. 3º da lei 8.429/99), teria agido dolosamente para induzir ou concorrer para a prática do ato de improbidade administrativa ou dele se beneficiado diretamente. Dessa forma, como a ação penal recaiu sobre o exato mesmo fato, o STJ entendeu pela ausência de justa causa, em razão de que a inexistência de dolo na esfera civil não pode ser ignorado na esfera penal, uma vez, ainda, que a tipicidade discutida não admite a modalidade culposa. In verbis:

"A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça cristalizou-se no sentido de que as esferas civil, penal e administrativa são independentes e autônomas entre si, de tal sorte que as decisões tomadas nos âmbitos administrativo ou cível não vinculam a seara criminal". (EDcl no AgRg no REsp n. 1.831.965/RJ, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 7/12/2020, DJe de 18/12/2020.). É pertinente, todavia, na esfera penal, considerar os argumentos contidos na decisão absolutória na via da improbidade administrativa como elementos de persuasão (REsp n. 1.847.488/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 20/4/2021, DJe de 26/4/2021).

(...)

Nessa linha de intelecção, não é possível que o dolo da conduta em si não esteja demonstrado no juízo cível e se revele no juízo penal, porquanto se trata do mesmo fato, na medida em que a ausência do requisito subjetivo provado interfere na caracterização da própria tipicidade do delito, mormente se se considera a doutrina finalista (que insere o elemento subjetivo no tipo), bem como que os fatos aduzidos na denúncia não admitem uma figura culposa, culminando-se, dessa forma em atipicidade, ensejadora do trancamento ora visado.” 

Ao analisar a discussão, vemos que muitos juristas estão criticando a decisão com a argumentação de que o STJ teria previsto uma vinculação da esfera penal à esfera civil, o que violaria a independência e autonomia das esferas civil, penal e administrativa. E isso teria “empoderado” a Ação de Improbidade Administrativa.  Entretanto, data maxima vênia, não entendo que esta análise seja a mais assertiva. Vejamos! 

Primeiramente, é imperioso observar que o RHC 173.448 não vinculou a ação penal à ação civil; apenas utilizou-a para a análise probatória da justa causa da ação penal. Assim, estamos a falar da análise de uma das condições da ação penal, e não da necessidade desta ação se submeter à ação civil.  

O art. 395, inc. III, do CPP estabelece que a denúncia ou queixa deve ser rejeitada quando faltar justa causa para o exercício da ação penal. Gustavo Badaró ensina que a justa causa tem por objetivo evitar denúncias absolutamente temerárias, desconectadas dos elementos concretos da investigação que tenham sido colhidos na fase pré-processual.  Ao contrário do processo civil, o inquérito na esfera penal direciona-se a fornecer os elementos probatórios necessários para embasar a denúncia, com vistas a evitar processos infundados. 

Dessa forma, a noção de justa causa evoluiu para exigir a presença de elementos de convicção que demonstrem a viabilidade da ação penal, de modo a esta ter de ter um suporte probatório mínimo.  Por isso, o STJ afirma que “Se, por um lado, o standard probatório exigido para a condenação é baseado em juízo de certeza que exclua qualquer dúvida razoável quanto à autoria delitiva, por outro lado, para o início de uma investigação, exige-se um juízo de mera possibilidade. A justa causa para o oferecimento da denúncia, a seu turno, situa-se entre esses dois standards e é baseada em um juízo de probabilidade de que o acusado seja o autor ou partícipe do delito.” 

Em razão da justa causa, exige-se, para o recebimento da denúncia, instauração e processamento da ação penal, a somatória de três componentes essenciais: (a) tipicidade: a subsunção da conduta fática a um tipo penal; (b) punibilidade: deve inexistir qualquer causa extintiva da punibilidade, o que implica que a conduta seja punível; e (c) viabilidade: que haja indícios de autoria. Estes três elementos precisam estar presentes na denúncia ofertada pelo Ministério Público. 

Por fim, a justa causa deve ser analisada quando do recebimento (ou não) da denúncia ou queixa-crime, por força do art. 395, inc. III, do Código de Processo Penal; sendo, pois, uma das condições da ação. Inclusive, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça aprovou a Súmula 648, cujo enunciado é: "A superveniência da sentença condenatória prejudica o pedido de trancamento da ação penal por falta de justa causa feito em habeas corpus".

Para o STF, não obstante a excepcionalidade do trancamento da ação penal por HC, a possibilidade recai quando há comprovação da (a) atipicidade da conduta; (b) ausência de indício mínimo de autoria ou existência de crime; ou (c) causa de extinção da punibilidade.  

Dessa forma, observa-se que, no HC ora em análise, o STJ não vinculou a ação penal à decisão na ação de improbidade administrativa. Entretanto, de forma acertada, utilizou-se desta como instrumento de análise da justa causa, especificamente os requisitos da tipicidade do crime, no que diz respeito ao elemento do dolo. No caso, se o tipo discutido na esfera penal exige o dolo e este não está devidamente comprovado na denúncia, além de que, na ação de improbidade administrativa, a Justiça brasileira entende pela sua inexistência em relação à determinada pessoa, qual a razão de fazer com que esta responda uma ação penal, carente destes elementos? Não é esta exatamente a finalidade da justa causa?

O órgão de acusação tem o dever de investigar para propor a ação, e não o inverso. E se não há elementos mínimos em relação aos requisitos indispensáveis à tipicidade penal, além da devida comprovação na esfera civil em sentido oposto, o trancamento da ação penal por ausência de justa causa é o caminho mais correto a ser adotado, por força do art. 395, inc. III, do CPP. E isto não decorre de uma “vinculação” entre as esferas, mas sim da ausência de uma das condições da ação que deve ser analisada, caso a caso, pelo juízo. 

Ricardo Duarte Jr.
Advogado. Doutor em Direito Público (FDUL). Mestre em Direito Público (UFRN). Especialista em Direito Administrativo (UFRN) e em Direito Constitucional (UnP). Conselheiro Estadual Suplente da OAB/RN

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