O processo de envelhecimento biológico do(a) trabalhador ou trabalhadora o(a) sentencia ao desengajamento laboral forçado, quase sempre, muito antes de sua expectativa de aposentadoria, provocando uma ruptura do sujeito com a vida ativa. É como se a pessoa tivesse um prazo de validade profissional, definidor da aptidão para o trabalho, a despeito de suas competências, entregas e experiencias profissionais. Naturalmente, esse comportamento, tão presente em nossa sociedade, tem outros gatilhos. Quanto maior o tempo de serviço, maior tende a ser o ônus dessa ruptura (em razão dos direitos rescisórios).
Entre colegas de mesmo nível hierárquico, esse desatamento tem relação com outros fatores, dentre os quais enfatizo a hipercompetição estruturalizada nos espaços organizacionais e a precarização do emprego formal, condições deletérias que, obviamente, não alcançam todas as organizações.
O envelhecimento é usualmente associado ao declínio das faculdades mentais (intelectuais) e da capacidade física, outrossim, à desatualização, improdutividade, absenteísmo, fragilidade, perda de autonomia, incapacidade, esquecimento, enfermidade, desvalor, final de carreira, morte biológica e profissional. Esse imaginário depreciativo se converte em práticas excludentes e potencialmente destrutivas.
Somos intensamente turbinadas por imagens negativas relacionadas à idade, de modo que,
Quando nos aproximamos da velhice, essas crenças negativas que estavam aparentemente silentes e pareciam ser irrelevantes tornam-se expressas em situações nas quais esses estereótipos têm o risco de serem confirmados e nos ameaçam. (DÓREA, posição 309, 2020)
Os estereótipos negativos são disseminados e interiorizados em nós de modo silencioso, forjando pensamentos e condutas que impedem a ressignificação positiva do “envelhecer”, retirando-lhe a dignidade. Esta é a razão pela qual, “Enquanto for possível, as pessoas que envelhecem preferem definir-se à distância dessa identidade estigmatizada e desvalorizada, na qual não querem se reconhecer.” (CARADEC, posição 421, 2016)
O preconceito baseado na idade cronológica é conhecido por diferentes denominações: etarismo, idadismo, velhismo, ageísmo, idosismo. Na verdade, o conceito compreende não somente a atitude preconceituosa, mas o comportamento em si, como por exemplo a criação de estereótipos, negativos ou positivos, dirigidos a uma pessoa ou grupo.
O problema é que em muitas realidades organizacionais (e fora destas), predominam os estereótipos negativos e o estranhamento dos corpos que envelhecem, transformando um sujeito humanamente complexo em outro, forçosa e simbolicamente reduzido (generalizado), definido por um único parâmetro. “Trata-se de uma dimensão que coloca em questão os limites entre a cultura e a biologia.” (SOARES, posição 563, 2020)
A ruptura do vínculo de trabalho (empregatício ou não) desencadeia notada vulnerabilidade emocional, gatilho que dá start à busca por um novo lugar, pela aceitação, pelo respaldo, pela ancoragem afetiva, pela recolocação e reconexão entre os pares; iniciativas marcadas por uma luta que mira o reconhecimento e a reaproximação do ‘mercado de trabalho’ e o mais impactante, pelo resgate de seu valor profissional, fazendo brotar uma incontrolável necessidade de embasamento e validação social. Nesse contexto conturbado, o passado torna-se o único ponto de apoio quando o presente não é acolhedor, criando uma tensão entre quem se é e quem se foi, sem acessar a trajetória de desenvolvimento do indivíduo.
O tema abordado nestas linhas se torna cada vez mais premente em razão do envelhecimento da população e da elevação da expectativa média de vida de brasileiros e brasileiras. (SOARES, 2020)
A maneira como o mundo do trabalho lida com o envelhecimento o desnaturaliza, desumaniza e simplifica, empobrecendo narrativas, interditando oportunidades, semeando insegurança e incerteza.
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CARADEC, Vincent. Da terceira idade à idade avançada: a conquista da velhice. In: GOLDENBERG, Mirian. Velho é lindo! Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
DÓREA, Egidio Lima. Idadismo: um mal universal pouco percebido. São Leopoldo, RS: Ed. UNISINOS, 2020.
SOARES, Flávia Maria de Paula. Envelhescência: o trabalho psíquico na velhice. Curitiba: Appris, 2020.