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A doutrina Chenery no controle externo da administração pública no Brasil

Discute-se no país a aplicabilidade da Doutrina Chenery, de origem norte-americana, avaliando a possibilidade de sua transposição ao ordenamento jurídico brasileiro.

12/4/2023

Um passo atrás

Antes que possamos adentrar a tal análise, mister que se projetem alguns rápidos conceitos constitucionais. Diz a Constituição Federal, em seu Título IV (art. 44 e ss), que os Poderes Públicos no Brasil estão divididos em: Legislativo, Executivo e Judiciário.

Contudo, não se pode sofismar acerca da flagrante diferença entre essa divisão – ou separação constitucional – entre Poderes e a necessária distinção de função dos Poderes.

Ora, a separação entre os Poderes revela-se como o limite de competência (no sentido de capacidade) de cada Poder, dentro de seu campo de autoridade.

Esquematizando como calouro de Direito:

- O Poder Legislativo, legisla;

- O Poder Judiciário, julga

- O Poder executivo administra.

Por sua vez, a distinção de função dos Poderes prende-se à exteriorização dessa competência/autoridade, consubstanciada na especialização de tarefas atribuídas a cada um desses Poderes, seja através de órgão/departamento específico, ou não.

Com essa diferenciação em mente, parece-nos claro que o ato administrativo – na sua concepção clássica daquele praticado por agente público, regido pelo Direito Público e produzindo efeitos jurídicos de interesse público – nada mais é do que o desempenho da função do Poder Público, em sua obrigação de desempenhar o papel a ele atribuído, em razão de sua competência.

Isso entendido, é inequívoco que o ato administrativo está absolutamente sujeito ao controle externo, Judiciário e Legislativo, naquilo que diz respeito, em essência, aos princípios de legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, contidos no artigo 37 de nossa Constituição Federal.

A grande intersecção que aqui se pretende investigar é a possibilidade de adotar-se a Doutrina norte-americana, conhecida como Chenery no âmbito do controle externo do ato administrativo.

E o que é a Doutrina Chenery

A Doutrina Chenery surge a partir do julgamento de dois casos pela Suprema Corte Americana, em 1943 e em 1947, ambos envolvendo a aquisição de ações da empresa Chenery Corp, anuladas por ato administrativo da SEC – Securities and Exchenge Comission.

Singelamente, assim poderíamos descrever os dois julgamentos:

“A priori”, a Suprema Corte Americana julgou de forma contrária à SEC, determinando a reavaliação da decisão que anulava a referida aquisição de ações, por considerar que as razões lançadas na decisão proferida eram impossíveis de serem objetivamente aquilatadas.

De fato, a SEC reviu a decisão, mantendo a anulação da operação, desta feita por fundamentação objetiva de afronta ao regulamento. Assim, em 1947, a Suprema Corte Americana decidiu favoravelmente à SEC, entendendo que a decisão proferida se encontrava dentro do âmbito da função do órgão governamental, surgindo do conjunto de decisões a Doutrina Chenery.

Vale dizer, a referida doutrina conclui que, no desempenho de suas funções, o órgão administrativo está capacitado, tanto técnica como faticamente, a tomar a melhor decisão, não podendo o Judiciário revê-la, a menos que eivada de ilegalidades.

Isto porque o ato administrativo decorre da decisão tomada não só em conformidade com os princípios legais e normas, mas também ambientada no tempo e no espaço em que os fatos acontecem, por agentes que desempenham tarefas decorrentes de suas funções especializadas, tendendo, portanto, a tecnicamente se demonstrarem como capazes de melhor implementar a solução, quando considerado o todo correspondente ao interesse público.

No Brasil, podemos citar acórdão do Superior Tribunal de Justiça, fundamentado na Doutrina Chenery, traduzida em brilhante conclusão pela relatoria Ministra Laurita Vaz:

“No entanto, conforme leciona Richard A. Posner, o Judiciário esbarra na dificuldade de concluir se um ato administrativo cuja motivação alegadamente política seria concretizada, ou não, caso o órgão público tivesse se valido tão somente de metodologia técnica. De qualquer forma, essa discussão seria inócua, pois, segundo a doutrina Chenery – a qual reconheceu o caráter político da atuação da Administração Pública dos Estados Unidos da América –, as cortes judiciais estão impedidas de adotarem fundamentos diversos daqueles que o Poder Executivo abraçaria, notadamente nas questões técnicas e complexas, em que os tribunais não têm a expertise para concluir se os critérios adotados pela Administração são corretos. (...)

Portanto, as escolhas políticas dos órgãos governamentais, desde que não sejam revestidas de ilegalidade, não podem ser invalidadas pelo Poder Judiciário.” – gn1

Aqui concretamente aplicada pelo Direito Comparado, também podemos encontrar no arcabouço legal brasileiro alicerces que fundamentam a aplicação da referida doutrina.

Em avaliação das recentes alterações introduzidas pela lei 13.655, de 25 de abril de 2018 no decreto-lei 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro), encontramos:

“Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.

Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.” – gn

Ora, ao expressamente determinar a avaliação das consequências práticas e da realidade do gestor quando da prática do ato administrativo discutido, nada mais faz a legislação brasileira do que determinar que a especialidade da função exercida somente poderá ser anulada em face de absoluta ilegalidade.

Parece-nos, assim, que a efetiva transposição da doutrina de Chenery ao ordenamento jurídico brasileiro para além da aplicação pela via do Direito Comparado, é amparada por efetiva disposição constitucional, que reconhece a separação entre os Poderes e, via de consequência, a distinção de suas funções, bem como pelas diretrizes óbvias emanadas pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

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1 AgInt no AgInt na SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA 2.240 – SP (2017/0011208-5)

Ana Paula Balhes Caodaglio
Founder na Caodaglio & Reis Advogados e Conselheira da ABLP - Associação Brasileira de Resíduos Sólidos e Limpeza Pública, Master of Laws (LL.M) em Direito Empresarial (CEU-LAW SCHOLLS).

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