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O golpe da falsa carta de crédito contemplada

O consórcio é uma modalidade de compra segura e transparente, regulamentada e fiscalizada pelo Banco Central do Brasil, porém a venda de falsa cota contemplada, baseada em falsas promessas, não é consórcio, é crime de estelionato.

5/4/2023

A cada dia que passa nos deparamos cada vez mais com anúncios de venda de cotas contempladas, com propostas que chamam atenção dos consumidores, pois, além de oferecerem parcelas baixas com juros baixos, o investimento inicial para aquisição imediata de determinado bem costuma ser razoável em vários casos.

Vale mencionar que a venda de cota contemplada é uma prática legal de acordo com as normas do Banco Central, na medida que apenas consiste na transferência de um contrato de consórcio, o que também é permitido pelo ordenamento jurídico brasileiro para grande maioria dos contratos.

Não obstante, apar da possibilidade legal, essa modalidade de contrato tem sido utilizada indevidamente por estelionatários na aplicação de golpes, o que tem causado excessivo transtorno para os consumidores e administradoras de consórcios.

O golpe pode ser aplicado de diferentes formas, onde os estelionatários atraem consumidores por meio da oferta de bens com valores tentadores e os convencem a efetuar os pagamentos adiantados sem possuírem a cota de consórcio ou oferecem ao consumidor cotas contempladas, quando em verdade estão vendendo cotas ainda não contempladas.

No presente artigo, cabe tratar da última modalidade de golpe citada, devido ao seu aumento exponencial nos últimos anos e dos efeitos jurídicos peculiares que podem atingir as administradoras do consórcio, na medida que dentre esses estelionatários, muitos são legítimos representantes de administradoras de consórcios e apenas com o intuito de ganhar comissões oferecem aos consumidores cartas de crédito comtempladas, quando, em verdade, o que estão vendendo é apenas uma cota não contemplada do consócio.

Na maioria dos casos, para chamar a atenção do consumidor, os anúncios feitos pelos golpistas são de ofertas dos próprios bens que os consumidores buscam adquirir, tais como: veículos, caminhões, imóveis etc., sempre dando ênfase a propostas facilitadas, nas quais deixa-se claro que o bem será entregue imediatamente após a transferência.

Somente após a transferência, por vezes, o consumidor tem acesso ao contrato e toma ciência de que, em verdade, estava firmando um contrato de consórcio.

O ponto a ser destacado, concentra-se no vício de vontade, pois o consumidor é induzido ao erro e, na maioria dos casos, quando percebe que foi enganado já contratou a cota do consórcio e investiu todas suas economias em algo, distante dos seus verdadeiros planos.

Não obstante, as administradoras dos consórcios insistem em sustentar a validade desses contratos e afirmam que os valores só serão restituídos quando o grupo se encerrar, momento em que todas as taxas e despesas serão descontadas do valor e, apenas o que restou, será efetivamente devolvido ao consumidor, o que pode levar até 20 (vinte) anos ou mais para acontecer, a depender do tempo de duração do consórcio.

Ocorre que, apesar das advertências e do contrato assinado possuir conteúdo diverso do que foi prometido pelo “vendedor”, as promessas feitas são capazes de viciar o contrato, justamente por contrariar toda sistemática atual do direito civil e consumerista, a qual construída em pilares pautados pela boa-fé objetiva e eticidade nas relações, de modo que não resta outra alternativa a administradora que não reconhecer a invalidade do negócio jurídico celebrado e restituir os valores que lhe foram adiantados imediatamente.

O fundamento jurídico para a invalidação do contrato é o erro substancial na vontade e pode ser encontrado expressamente no CC/02, nos seguintes artigos:

“Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

 Art. 139. O erro é substancial quando:

 I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;

 Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante.”

Além disso, a boa-fé tem uma função limitadora do exercício de direito subjetivo e mitigadora do rigor formal, pois proíbe a prática de condutas contraditórias que importem em quebra da confiança legitimamente depositada no parceiro contratual.

Se não bastasse, o Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90), possuí disposições expressas voltadas a proteção da boa-fé objetiva, as quais são notadamente voltadas a tutela do dever de transparência e lealdade contratual, rotulando como publicidade enganosa ou abusiva aquelascapazes de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza e características dos contratos celebrados, bem como  as que, ainda que por omissão, deixem de informar sobre dados essenciais do produto ou serviço, o que, também é definido como crime (Art. 37, §§ 1º e 3º e Art. 67, ambos do CDC).

Dessa forma, vale mencionar que trata-se de erro substancial pelo simples motivo de contemplação prometida ser fator primordial para a celebração do contrato, tendo em vista que, caso o consumidor fosse informado de maneira clara e transparente o real objeto do contrato (cota não contemplada), não haveria contratação.

Por óbvio, o contrato celebrado com base nas promessas falsas, além de constituir verdadeiro crime de estelionato, por si só, caracteriza crime contra o consumidor, o que também retira qualquer possibilidade de crença ou validade ao que foi pactuado.

Amparados nesses fundamentos, os tribunais superiores têm reconhecido a nulidade desses contratos, notadamente por reconhecerem a culpa da administradora do consórcio pelo distrato da pactuação revisada, entendendo o STJ que é devida a restituição de valores de imediato, justamente por não serem enquadrados como meros desistente vinculados ao grupo de consórcio, pois somente nestes casos cumpriria a devolução dos valores em trinta dias a contar do prazo previsto contratualmente para o encerramento do plano, conforme preceitua a lei 11.795/08, ou seja, a hipótese legal deve ser adotada apenas quando o contrato não se basear em falsas promessas de contemplação (Ag Resp 1948545 – SP).

Assim, mister concluir que o consórcio é uma modalidade de compra segura e transparente, regulamentada e fiscalizada pelo Banco Central do Brasil, porém a venda de falsa cota contemplada, baseada em falsas promessas, não é consórcio, é crime de estelionato, de modo que a única alternativa para as administradoras de consórcios é a devolução imediata dos valores desembolsados pelo consumidor, pois não existem fundamentos jurídicos para se sustentar a validade desses contratos.

O que fazer para não ser vítima?

Para não cair no golpe da falsa carta de crédito contemplada você deve adotar as seguintes medidas:

  1. Desconfie de propostas de venda de carta contemplada por meio de aplicativos de mensagens e ligações telefônicas. Os consórcios geralmente não entram em contato com você a venda de cartas contempladas. 
  2. Jamais transfira recursos para terceiros, pessoas físicas ou empresas com CNPJ- Pessoa Jurídica para compra de cartas contempladas, sem antes entrar em contato com a operadora do consórcio.
  3. Entre em contato direto com a instituição envolvida na negociação, pelos canais oficiais, para checar a veracidade da proposta e anote o número do protocolo;
  4. Confira se a empresa ou o vendedor tem cadastro no Banco Central para atuar em nome de instituições financeiras;

O que fazer se foi vítima?

Enumeramos uma série passo a serem tomados caso você tenha sido vítima do golpe da carta contemplada, que devem ser tomadas na seguinte ordem:

  1. Registre ocorrência policial na delegacia policial da sua cidade;
  2. Registre reclamação no Procon, no site de proteção do consumidor do governo federal e no BACEN;
  3. Escolha um advogado especialista no assunto para que lhe passe orientações precisas e rápidas de como evitar o prejuízo causado e recuperar os valores investidos;

David Vinicius do Nascimento Maranhão Peixoto
Especialista em Ciências Criminais e Fraudes Bancárias. Advogado Sócio do Escritório Nascimento & Peixoto Advogados Associados.

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