Migalhas de Peso

A regressividade na tributação da renda e o reajuste das faixas de isenção do IRPF

A solução apresentada pelo Poder Executivo no tocante ao ajuste das faixas de incidência pode se mostrar uma medida eficaz e adequada na tentativa de correção das distorções da tributação da renda, pois aliviaria o problema da carga tributária sobre as pessoas de baixa renda, fazendo com que cada indivíduo contribua na medida da sua capacidade.

4/4/2023

Sociedades que apresentam acentuada desigualdade social exercem a justiça fiscal quando tributam com base na capacidade contributiva, de modo que quem tem mais paga mais e que tem menos paga menos. A partir dessa premissa a Constituição Federal (CF) previu a criação do Imposto de Renda por parte da União Federal que visa a tributação do acréscimo patrimonial.

A base de cálculo deste tributo reflete o princípio da capacidade contributiva, sobretudo no que tange ao Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). Isso, pois o imposto incidirá sobre o rendimento bruto mensal após realizadas as deduções legalmente permitidas com gastos que são tidos como essenciais por parte do legislador, tais como pensão alimentícia, despesas relacionadas à saúde e encargos por dependentes.

O art. 145, §1º, da CF, determina que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte [...] respeitados os direitos individuais [...]”. Com isso, visa-se assegurar a justiça fiscal, em respeito à equidade aristotélica de que os desiguais devem ser tratados na medida de sua desigualdade, assegurando não só o mínimo existencial, mas também uma vida digna ao contribuinte. Portanto, se o fato tributável representar um meio de subsistência, ele não poderá ser tributado pelo Estado.

No tocante ao IRPF, esse princípio se manifesta tanto nas deduções, como nas faixas de isenção, que viabilizam a tributação de forma progressiva. De janeiro de 1989 até a presente data foram várias as faixas de tributação do IRPF1 que, com o passar o tempo, passaram a refletir melhor a capacidade contributiva, ampliando-se as faixas e melhor dividindo as alíquotas.

Em relação às deduções, a Receita Federal esclarece que podem ser de duas espécies, quais sejam deduções legais e incentivadas. As primeiras englobam despesas com dependentes, saúde, educação, previdência social e pensão alimentícia, enquanto as segundas correspondem a outras deduções que visam incentivar projetos previamente aprovados pelo Poder Público.2 Ambas possuem a finalidade de reduzir a base de cálculo e, consequentemente, o valor do tributo a ser pago.

Não obstante, todo esse panorama principiológico que visa o resguardo da dignidade da pessoa humana, talvez por uma falha do desenho constitucional aliada à morosidade do legislativo, a capacidade contributiva não se materializa plenamente na prática da tributação pelo IRPF. Isso, pois o salário-mínimo é frequentemente majorado, embora as faixas de isenção, que por força do art. 7º, inciso IV, da CF não podem ser a ele indexadas, permanecem inalteradas ou não são aumentadas na mesma proporção.

O problema se agrava ao constatar que a população passa a perder seu poder de compra devido aos altos níveis acumulados de inflação que não são repassados para as faixas de isenção e dedução, fazendo com que a tributação se torne ainda mais pesada sobre os contribuintes que auferem baixa renda que não detêm capacidade contributiva efetiva.

Assim, se verifica uma distorção causada pela ausência de reajuste das faixas de isenção e das despesas dedutíveis no tocante ao IRPF frente ao aumento anual do salário mínimo e da inflação, o que impacta diretamente na materialização da justiça fiscal pelo respeito à dignidade humana.

Desta forma, ainda que o IRPF não seja calculado sobre o salário bruto, muitos cidadãos de baixa renda3 estão sendo inseridos na faixa de incidência do imposto pela falta desse reajuste. Dessa forma, embora o tributo seja progressivo, há uma regressividade latente ocasionada pelo descuido do legislador em atualizar as faixas de incidência, valores de dedução e até mesmo criar mecanismos adicionais para materializar os ditames constitucionais.

Com relação às faixas de isenção, atualmente, os contribuintes que auferem renda de até R$1.903,98 (mil novecentos e três reais e noventa e oito centavos), mensalmente, são isentos do pagamento do imposto.  O governo atual tem a proposta de gradativamente aumentar o valor da isenção, até chegar ao total de R$5.000 (cinco mil reais). Inicialmente a faixa de isenção passará para R$2.640,00 (dois mil seiscentos e quarenta reais), o que valerá para a declaração de 2024.

A correção proposta representa um aumento de 38,7% do valor atual. Entretanto, desde o último reajuste, ocorrido em 2015, através da lei 13.149, a inflação acumulada representa 55,19%. Assim, seguindo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), o valor de atualização deveria ser de R$2.954 (dois mil novecentos e cinquenta e quatro reais)4, para que seja recomposta toda inflação do período em que a tabela se encontra sem reajuste

Portanto, compreende-se que o sistema tributário brasileiro, através do princípio da capacidade contribuitiva e da igualdade como equidade, busca alcançar a justiça fiscal, o que, no IRPF, se materializa nas faixas de isenção e dedução. No entanto, o aumento descontrolado da inflação corroeu o poder de compra dos cidadãos, o que, somado à descasamento no reajuste das alíquotas, fez com que as pessoas de baixa renda arcassem com o peso do pagamento de impostos sem que revelassem capacidade contributiva para tanto.

A solução apresentada pelo Poder Executivo no tocante ao ajuste das faixas de incidência pode se mostrar uma medida eficaz e adequada na tentativa de correção das distorções da tributação da renda, pois aliviaria o problema da carga tributária sobre as pessoas de baixa renda, fazendo com que cada indivíduo contribua na medida da sua capacidade. Não obstante, não é suficiente para solucionar o problema da regressividade da tributação da renda, sobretudo em razão da necessidade de que sejam ajustadas também as deduções legais, não só as faixas de isenção, à realidade brasileira.

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1 DEBIT. Tabelas e cálculos do IRRF. Disponível em: https://debit.com.br/tabelas/tabelas-irrf.php. Acesso em: 24 de março de 2023.

2 Receita Federal. Imposto de Renda. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/dirpf

3 Conceito trazido pelo decreto 6.135/07: “entende-se como de baixa renda as famílias com renda familiar mensal per capita até meio salário-mínimo ou a família que possua renda mensal total de todos os integrantes de até três salários-mínimos.”

Nova faixa de isenção do IR anunciada por Lula ainda não recompõe toda a inflação. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/nova-faixa-de-isencao-do-ir-anunciada-por-lula-ainda-nao-recompoe-toda-inflacao/

Henrique Perlatto Moura
Advogado no escritório Ayres Ribeiro Advogados. Doutorando em Direito Tributário na UFMG. Mestre em Direito pela FDMC. Especialista em Direito Tributário pelo instituto IED e IBET.

Michelle Cristina Vitor Marçal
Colaboradora tributarista no escritório Ayres Ribeiro. Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

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