- Introdução
A problemática racial no mundo ocidental em torno da desigualdade histórica promovida pela segregação e pelo preconceito possui um arcabouço de sofrimentos psíquicos de longa e expressiva historicidade. Com o avanço da tecnologia marítima europeia os avanços continentais de exploração em busca de mão de obra escrava, de colonização e recursos mercantis centraram-se nos novos territórios descobertos no século XV, sendo estes a America e a África (CHIAVENATO, 1980).
Com a mão de obra escrava como força motriz do processo produtivo europeu nas colônias, o negro tornou-se objeto mercantil para os colonizadores. Também desprovidos de caráter humanizado entre os europeus, os indígenas igualmente experenciaram os horrores da tortura e da força de trabalho escravizada. A abolição da escravidão, ainda que etapa fundamental para o progresso dos direitos de indígenas e negros frente ao que era considerado como uma sociedade branca, não propôs ou sequer providenciou meios e maneiras para que tais populações pudessem efetivamente serem inseridas em políticas de reparações sociais, econômicas e de saúde.
Posterior a Segunda Guerra Mundial, contudo, pudemos observar, em meio a tanta barbárie, marcos na história do direito da pessoa humana, independentemente de qualquer fator relacionado à cor, credo ou gênero. No pós guerra, com a criação da ONU (Organização das Nações Unidas) há uma retomada de pensamentos fundados na razão e na progressão dos direitos humanos tão negligenciados nas duas guerras que precederam esse momento.
Sua importância no contexto mundial é evidenciada por Sarlet (2001, p.89) ao asseverar que a “Declaração Universal da ONU consagrou que todos os seres humanos são iguais em dignidade e direitos. Assim, constituiu o pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa humana a garantia de isonomia”. Historicamente observando, as situações que emergiram no século XIX sobre a revisão positivista possibilitaram que ao termo raça fosse agregado um novo significado, onde a reflexão principal é atrelada a multiplicidade da existência humana ao invés da usual análise biológica em redução de sua complexidade.
Em vista disso, emerge discussão sobre a principal problemática em torno do determinismo biológico que pousa na criação de uma ideologia pseudocientífica pautada na superioridade de uma raça em relação à outra, onde os principais marcadores desta teoria evidenciam padrões convencionados como “superiores” e “inferiores”.
A este ponto não nos pode escapar o óbvio de que a narrativa ordinária é criada e mantida pela normativa branco-europeia. Assim, no Brasil, colonizado por países majoritariamente com padrões físicos e étnico-culturais europeus, o não branco assumiu já de início uma posição de desigualdade social. Intrínseco à cultura brasileira, o racismo vai além das práticas violentamente visíveis na sociedade.
Como argumento norteador, a presente pesquisa partirá da tese do racismo estrutural, que é dito por Almeida (2019), como componente da organização política e econômica da sociedade de maneira indissolúvel. Desenvolve-se, assim, o conceito que expõe aonde a questão de desigualdade racial vai além dos comportamentos individuais, estando concretizado na construção política, histórica, econômica, jurídica e nas relações sociais que estruturam cada país. Juntamente com esse argumento pretende-se analisar o posicionamento da Constituição Federal Brasileira para o combate ou para a reafirmação do racismo no Brasil, através do Estatuto da Igualdade Racial (BRASIL, 1988), analisando, simultaneamente, as construções da sociedade brasileira, sobre o viés da Psicologia e do Direito.
Dessa maneira, juntamente com as abordagens sobre a meritocracia racial e os direitos fundamentais dos cidadãos no Brasil, o objetivo principal da pesquisa é revelar como o psicólogo pode ser efetivo na ação de enfrentamento ao racismo estrutural presente no Brasil, tendo como documentos norteadores a Constituição Federal e os escritos publicados pelo Conselho Federal de Psicologia. Ser psicólogo ou estudante de Psicologia nesse cenário vai além de uma atuação omissa, mas necessita-se de um posicionamento marcante e uma luta constante pela causa daqueles que estão em sofrimento por quaisquer que sejam os motivos.
Em razão da grande recorrência e nocividade desencadeada pela desigualdade racial presente na sociedade brasileira, o presente trabalho toma como tema o combate ao racismo e a promoção dos direitos fundamentais de minorias raciais e étnicas em nosso país. Diante da falta de visibilidade, muitas vezes atribuída ao assunto, vê-se a necessidade de apresentar e debater a respeito de tal temática. Realçando a apreensão da classe acadêmica acerca desta assimetria racial mencionada, vê-se que é necessário abordar com frequência o assunto, contudo, além disso, fazer com que ele se torne relevante para o meio universitário, tendo em vista que a falta de conhecimento da classe acadêmica, majoritariamente branca, acerca do assunto reconhece e propaga a desigualdade racial.
A vigente dissertação tem como tese principal o racismo estrutural, que está intrinsecamente conectado aos sistemas de convívio social presentes entre os sujeitos. Além das manifestações individuais de práticas racistas, a sociedade propaga e acentua a desigualdade racial em seu meio econômico, jurídico, institucional, entre outros. É certo que, a construção histórica da sociedade brasileira foi amparo para os desequilíbrios que o corpo social sofre hoje.
Porventura, não abordar determinado tema é colaborar para que a injustiça e a desarmonia permaneçam na estrutura da comunidade brasileira. É como profere a capa da obra de Robin Diangelo (2020), “Não basta não ser racista, sejamos antirracistas”. A discussão em torno deste tema vai além de entender que brancos e não-brancos possuem os mesmo direitos, mas tem como principal propósito combater a estrutura social que colabora para a desigualdade entre raças.
Sendo assim, nada mais justo que, propor para comunidade acadêmica de Psicologia e para os profissionais atuantes, de maneira acessível, reflexões acerca da luta contra o racismo estrutural. Assim, buscaremos apresentar aos leitores a construção do racismo em meio ao direito no Brasil, assim como expor a atuação do psicólogo no combate à desigualdade entre raças juntamente com a defesa dos direitos fundamentais estabelecidos a estas minorias.
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