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A nova lei de licitações e o dia da mentira

A necessidade traz o avanço. A experiência permite identificar problemas reais. Temos que parar de temer o novo. Deixar de adiar o encontro com soluções e inovações.

29/3/2023

Desde 2021 vivos sob duas leis de licitação diferentes. A antiga e a nova (lei 14.133/21), que por dois anos puderam ser empregadas, uma ou outra, por escolha da Administração. Foi uma cautela do legislador para dar prazo de adaptação ao novo regime. Essa convivência se encerra em 1º de abril de 2023. Neste dia, as normas da lei nova passam a ser obrigatórias para toda Administração Pública. Estamos próximos da vigência plena de um novo regime de contratações públicas. 

Esses dois anos eram mais do que suficientes para toda a Administração Pública se organizar para atender as novas regras  e capacitar seus servidores. Foi ainda uma oportunidade para testar a nova lei, lançando editas já regidos pelo novo regime. Pouco disso foi feito. Houve até recomendação de órgão de controle para que a lei já vigente não fosse aplicada.

Agora, tudo concorre para que o 1º de abril seja na prática o Dia da Mentira.

O Deputado Federal Alberto Mourão apresentou Projeto de Lei postergando a vigência plena e exclusiva para 31/12/24. Afirma que municípios de  pequeno e médio porte seguem despreparados para as mudanças. Teme-se que  e a interpretação da nova lei gere insegurança jurídica, trazendo questionamentos e disputas judiciais. Segundo o texto, mais tempo seria necessário para que os órgãos façam as adaptações em sistemas e rotinas necessárias. Além do PL, cogita-se da edição de uma Medida Provisória com o mesmo objetivo.

Ainda que as preocupações sejam razoáveis, a prorrogação somente é uma péssima alternativa. Sempre existirão conflitos de interpretação, hoje ou daqui a alguns anos. É inevitável que normas inovadoras, que mudam práticas adotadas há décadas, tragam perplexidades. Essas questões só serão resolvidas  se a lei for aplicada  e equívocos forem analisados  pelos Tribunais de Contas e pelo Poder Judiciário. Adiar não sana dúvidas, só  posterga seu deslinde.

Ausência de regulamentação ou de instrumentos necessários para melhor aplicar a lei não serão automaticamente supridos com novo prazo. Dois anos eram mais do que suficientes. Mas um ou dois, sem ação concreta, podem não ser.

Não é verdade que estejamos num deserto regulamentar e que os entes sub-nacionais não tenham parâmetros para aplicar a nova lei.

A versão inicial do site do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) entrou no ar em agosto de 2021. Estão disponíveis alguns modelos padronizados de edital, contrato e termo de referência, dentre outros. No PNCP também é possível encontrar editais de vários órgãos, inclusive por pequenos municípios, servindo de modelo e prova que o biênio de adaptação era suficiente. No Município de São Paulo, por exemplo, desde 1º de fevereiro de 2023 os novos editais devem observar o regime da Lei nova.

Injusto também afirmar que o Governo federal foi inerte. A Portaria 720 de 15/03/23 da Secretaria de Gestão e Inovação do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos estabeleceu um regime de transição fixando que a opção do regime antigo é possível para os processos de contratação autuados e que forem instruídos com essa opção até 31/3/23, estabelecendo limite de um ano para publicação do edital. O mesmo ocorre no Estado de São Paulo com o decreto Estadual 67.570/, com destaque para a limitação da publicação do edital até 29/12/2023.

O prazo de dois anos para adaptação foi generoso. Adiando-se simplesmente a vigência, o problema será empurrado para frente, pois a mesma discussão voltará numa eventual nova data. A procrastinação é uma armadilha na qual  não podemos cair.

Ao invés de adiar a vigência plena da nova lei, postergando o problema e fingindo tirar as carências da frente não soluciona. Pior, contribui para manter as omissões e insuficiências.

Ao invés de recorrer à solução simplista e ineficiente de adiar uma vez mais a esperada lei nova, uma solução legislativa mais efetiva deveria conter três medidas: i) criar uma “sandbox regulatória”, fixando-se um prazo de seis meses ou um ano em que a lei 14.133/21 seja plenamente aplicada acompanhada de tolerância quanto a eventuais falhas ou inconsistências na sua aplicação baseada na aplicação do disposto nos arts. 22 e 23 da Lindb; ii) fixar um prazo peremptório para os entes subnacionais editarem todas as regulamentações necessárias, ao final do qual se terá por aplicáveis os regulamentos editados pela Administração federal até que os regulamentos estaduais e municipais sejam editados e completos; iii) conferir prazo para que os Tribunais de Contas editem diretrizes para aplicação da nova lei, em cumprimento ao disposto no art. 30 da LINDB.

São medidas que embora inovadoras, encontram base e precedentes no ordenamento jurídico nacional.

A nova lei de licitações visa a trazer mais eficiência e racionalidade para as contratações públicas. Permitirá melhor gestão dos recursos públicos. A necessidade de um novo regime é muito anterior à edição da lei 14.133/21. Após dois anos de sua publicação, o adiamento de sua vigência mandatória só atende aqueles que não querem mudança alguma, aferrados que estão ao regime ultrapassado.

A necessidade traz o avanço. A experiência permite identificar problemas reais. Temos que parar de temer o novo. Deixar de adiar o encontro com soluções e inovaçõesl.

Lucas Cherem de Camargo Rodrigues
Especializado em Direito Público pela Faculdade de Direito de Itu. Graduado em Direito pela USP. Advogado na área de Direito Administrativo no escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

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