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Direito de regresso da Previdência Social nos casos de violência doméstica e familiar contra mulher

O direito de regresso da Previdência Social precede à lei 13.846 de 2019, porque a legislação civil já previa o dever do infrator de reparar o dano causado. Nesse sentido tem decidido a jurisprudência majoritária.

29/3/2023

No mês comemorativo do Dia da Mulher trago a reflexão o Direito de Regresso da Previdência Social contra agressores de mulheres no âmbito residencial e familiar.

Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania1, no Brasil até a primeira semana de julho de 2022 foram registradas mais 31.398 denúncias e 169.676 violações envolvendo violência contra as mulheres.

A justificativa de um maior número de violações é que uma denúncia pode conter mais de uma violação.

Desde 2019 o artigo 120, inciso II da lei 8.213/912 prevê que a Previdência Social ajuizará ação regressiva contra os responsáveis pelos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei 11.340/06, lei Maria da Penha.

O inciso II foi inserido no artigo 120 da lei 8.213/91 em junho 2019 pela lei 13.846, portanto cerca de 13 anos após a lei Maria da Penha de 2006.

Às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar seguradas da previdenciária e aos seus dependentes são devidas as prestações para cobrir os sinistros de doença, invalidez e morte, mediante a concessão/pagamentos dos benefícios previdenciários de auxílios por incapacidade temporária ou permanente e pensão por morte.

A partir do momento em que o INSS paga tais prestações à segurada e aos seus dependentes, cabe ação regressiva contra o agressor.3

Por sua vez o artigo 121 da lei 8.213/91 prevê taxativamente que o pagamento de benefícios previdenciários em decorrência dos casos desse tipo de violência não exclui a responsabilidade civil do agressor que também responderá civilmente.

O ponto que merece ser discutido é a partir de quando a Previdência detém o direito de regresso, se somente a partir da vigência da lei 13.849 de 2019, ou se o direito de regresso da Previdência Social é anterior à tal regramento porque lastreado no Código Civil.

Acerca do tema há duas correntes.

A primeira defende que a Previdência Social somente poderia exigir valores posteriores à vigência da lei 13.846 de 2019, com base no princípio da reserva legal.

A segunda defende que tal direito precede a inserção do inciso II no artigo 120 em 2019 porque o Código Civil em seus artigos 186 e 927 já previa que aquele que violar direito e causar dano a outrem comete ato ilícito e quem por ato ilícito, causar dano a outrem é obrigado a repará-lo.

A jurisprudência dominante tem adotado a segunda corrente.

Nesse sentido há precedentes que condenam o infrator a ressarcir a previdência social por fatos ocorridos antes da vigência da lei l 13.846 de 2019, ou seja, antes da inserção do inciso II ao artigo 120 na lei 8.213/91.

A primeira ação foi ajuizada em agosto de 2012 na Justiça Federal de Brasília. Nos autos desta ação, em 2013 a 3° Vara da Justiça Federal determinou que o agressor que confessou o assassinato de sua esposa devolvesse os valores à União, relativos à pensão por morte concedida ao filho da vítima.

Em 2017, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça enfrentou o tema, nos autos do Recurso Especial REsp 1.431.150/RS, de Relatoria do Ministro Humberto Martins, e, por maioria, negou provimento ao recurso interposto pelo agressor .

Em 2019 o Tribunal Regional da 3ª Região4 em ação proposta para reaver valores relativos a pensão por morte concedida em 2008 julgou provida a apelação do INSS e condenou o infrator que cometeu homicídio a ressarcir os valores pagos pela Previdência Social, sob o fundamento de que o rol descrito no artigo 120 da lei 8.213/91 não é taxativo e que "ação regressiva" no direito brasileiro, não é utilizada somente para casos em que o INSS pleiteia ressarcimento por benefícios decorrentes de violação às normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, ante os artigos 186 e 927 do Código Civil.

Ao final, a conclusão é no sentido de que os recursos previdenciários são de toda a sociedade que verte contribuições para suportarem os benefícios previdenciários.

Logo, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher é dever da Previdência Social dar imediata cobertura aos sinistros de doença invalidez e morte as seguradas e seus dependentes.

Ato contínuo, é dever da Previdência Social promover ações de regresso contra os infratores, fim de recompor os cofres previdenciários dos prejuízos por eles causados. Tal medida tem como objetivo manter o equilíbrio do sistema.

O direito de regresso da Previdência Social precede à lei 13.846 de 2019, porque a legislação civil já previa o dever do infrator de reparar o dano causado. Nesse sentido tem decidido a jurisprudência majoritária.

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Brasil tem mais de 31 mil denúncias de violência doméstica ou familiar contra as mulheres até julho de 2022 — Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (www.gov.br)

2 “Art. 120.  A Previdência Social ajuizará ação regressiva contra os responsáveis nos casos de:

...

II - Violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.

(Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)”

3 PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. AÇÃO REGRESSIVA. ASSASSINATO DE SEGURADA PELO EX-MARIDO. RESSARCIMENTO AO INSS PELOS VALORES PAGOS A TÍTULO DE PENSÃO POR MORTE AOS BENEFICIÁRIOS. REPARAÇÃO CIVIL POR ATO ILÍCITO QUE CAUSAR DANO A OUTREM. POSSIBILIDADE.

1. Não há violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida.

2. A controvérsia posta no recurso especial resume-se em definir se a autarquia previdenciária efetivamente faz jus ao ressarcimento de benefícios previdenciários cuja origem é diversa daquela prevista nos arts. 120 e 121 da Lei n. 8.213/91, qual seja, acidente de trabalho. O caso concreto versa sobre assassinato de segurada do INSS pelo ex-marido. Logo, não se verifica que a pretensão recursal encontra óbice na Súmula 7/STJ.

3. Os artigos de lei apontados como violados são considerados impertinentes quando não possuem comandos legais suficientes para afastar a tese adotada no acórdão regional.

4. No caso dos autos, o benefício é devido pela autarquia previdenciária aos filhos da vítima em razão da comprovada relação de dependência e das contribuições previdenciárias recolhidas pela segurada. Logo, o INSS possui legitimidade e interesse para postular o ressarcimento de despesas decorrentes da concessão de benefício previdenciário aos dependentes de segurado, vítima de assassinato.

5. O agente que praticou o ato ilícito do qual resultou a morte do segurado deve ressarcir as despesas com o pagamento do benefício previdenciário, mesmo que não se trate de acidente de trabalho, nos termos dos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/91, c/c os arts. 186 e 927 do Código Civil. Recurso especial improvido.

APELAÇÃO. AÇÃO REGRESSIVA. INSS. HOMICÍDIO CONTRA SEGURADA PELO EX-COMPANHEIRO. PENSÃO POR MORTE AO DEPENDENTE. RESSARCIMENTO DEVIDO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. RECURSO PROVIDO. 

1. Em razão do crime de homicídio cometido pela parte ré, a parte autora pleiteia o ressarcimento das despesas com o pagamento da pensão por morte ao dependente da segurada. 

2. A ação regressiva proposta pelo INSS encontra previsão no artigo 120 da Lei n. 8.213/91, o qual prevê a possibilidade de ação de ressarcimento de benefícios previdenciários contra os responsáveis nos casos de "negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva" (inciso I) e, por inclusão da Lei n. 13.846/2019, "violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006" (inciso II). 

3. No caso vertente, a data de início do benefício ocorreu em 18/11/2008, razão pela qual, pelo princípio do tempus regit actum, demonstra-se inviável a aplicação do artigo 120, inciso II, da Lei n. 8.213/91. Sem prejuízo, observa-se que o rol previsto no artigo 120 da Lei n. 8.213/91 não se apresenta como rol taxativo, mormente porquanto a nomenclatura "ação regressiva", no direito brasileiro, não é utilizada somente para casos em que o INSS pleiteia ressarcimento por benefícios decorrentes de violação às normas de saúde, higiene e segurança do trabalho. 

4. O fundamento legal que serve de amparo para a ação regressiva pela entidade autárquica, no caso em apreço, consiste na previsão do artigo 934 c.c. artigos 186 e 927, ambos do Código Civil. A jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça e do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região tem entendimento sobre a possibilidade de ação regressiva proposta pelo INSS em face de autor de homicídio para ressarcimento de benefícios previdenciários pagos. Precedentes. 

5. Comprovada a culpa do réu pelo falecimento da segurada (ex-companheira do réu) e comprovada a dependência econômica do filho desta, com a concessão do respectivo benefício, é de rigor a condenação da parte ré ao ressarcimento dos valores despendidos pela parte autora para pagamento do benefício de pensão por morte, devidamente corrigidos com juros e correção monetária. 

....

8. Apelação provida.

50030350420184036119

Marta Stolze Lyrio
Sócia do Stolze Lyrio Advocacia. Formada pela UNIFACS em 2003. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Membro das Comissões de Direito Previdenciário da OAB/BA e OAB/SP, triênio 2022 - 2024. Diretora Adjunta da Associação Brasileira dos Advogados – Salvador/BA.

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