Desde que as constituições iniciaram a argumentação sobre as várias vertentes da igualdade, ocorreram mudanças em relação ao paradigma idealizado e ao tipo de enfrentamento adaptado em cada caso concreto. Nesse diapasão, com a multiplicidade de demandas sociais, iniciou-se a descortinação da igualdade material, trazendo a proximidade com a realidade humana e sua contextualização. Por conseguinte, foi notório o questionamento sobre o que seria hipossuficiente, diferente, questionável e não aceito como padrão social. Ou seja, havia uma problemática no tocante aos valores intrínsecos a serem protegidos por políticas públicas e discriminações positivas.
Assim, inferiu-se que existem algumas contingências aparentes na sociedade como a vulnerabilidade da mulher, da criança, do idoso, do deficiente, do consumidor em relação ao vendedor, do trabalhador de modo geral, entre outros. Destarte, o legislador permitiu a criação de normativas que pudessem coadunar com proteções para se igualar, materialmente, pessoas com notória abstinência de valores agregados, enraizados na contemporaneidade. Ou seja, pode-se exemplificar que foram preestabelecidas as cotas raciais, com o intuito que preencher todo um passado aristocrata escravizador que colocou negros em cativeiro para trabalhar nas lavouras cafeicultoras. Desse modo, o que se tentou fazer foi trazer, humanamente, um resgate cultural, econômico e racial, diante da discriminação ainda premente e dissimulada da população. Consequentemente, por 10 anos, afrodescendentes poderão adentrar em escolas, faculdades e instituições públicas, contando com seu próprio mérito e com seu esforço educativo.
Em outra perspectiva, pode-se descrever a situação das mulheres no Brasil, que no antigo Código Civil, tornavam-se relativamente incapaz perante a sociedade, quando se casavam, sendo destinadas a serem domésticas, sem direito a opinião. Nesse viés, aos poucos, foram adquirindo respeito pelos seus atos e tentando a igualdade material a todo o custo, permitindo-se até “o sufrágio” para eleger, na maioria das vezes, homem nas casas legislativas e no executivo. Explicando melhor, as mulheres têm uma trajetória de lutas sociais que contrastam com a sociedade patriarcal enraizada e hierarquizada no contexto brasileiro. Posteriormente, o poder legislativo criou a lei Maria da Penha 11.340/06, para tentar conter injustiças sociais, violências e feminicídios constantes. Todavia, apesar dos esforços, nota-se que há aumento de mortes das mulheres, diariamente, devido aos medos de exposição e a impunidade nos casos concretos.
Além disso, existem as políticas públicas voltadas para aos portadores de deficiência que combatem, diariamente, a problemática estrutural de preconceito e de falta de acesso em todos os termos, para o atingimento da igualdade material Constitucional. Nesse contexto, é importante destacar que existem Tratados Internacionais nos quais o Brasil faz parte como o Tratado de Marraqueche (decreto 9.522/18) para pessoas com baixa visão e a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em Nova York, em 30 de março de 2007 - marcos sociais sui generis. Diante disso, sabe-se que estes Tratados fazem parte do bloco de constitucionalidade que compõem as cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988, sendo imutáveis e intangíveis quanto ao retrocesso social. Portanto, os legisladores, de modo geral, tentaram diminuir a desigualdade de pessoas que vivem, diuturnamente, os desafios estruturais e culturais.
Em outra linha de pensamento, existem dois códigos criados para conter as desigualdades e distorções aparentes da sociedade: o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Consolidação das leis do Trabalho (CLT). Assim, infere-se que as legislações destacadas tentam igualar materialmente pessoas vulneráveis que necessitam de um maior auxílio para que se evite insegurança jurídica e injustiças sociais. Nessa linha, o que se pretende é que consumidores, por exemplo, possam obter seus direitos diante de uma compra de um produto com defeito, com restituição total. Além disso, no caso da Justiça do Trabalho, a pretensão é diminuir a diferença de atuação processualística, entre empresa e indivíduo nas demandas judiciais. Entretanto, a grande questão a ser abordada é quantos outros modelos de pessoas e injustiças sociais deveriam ser abrangidos pelas legislações brasileiras e internacionais?
Diante do exposto, a normatização da igualdade material no âmbito constitucional e infraconstitucional seria uma ideologia a ser atingida ou uma utopia da sociedade contemporânea? Para muitos, “o óbvio deve ser demonstrado, se possível matematicamente”, ou seja, as conquistas adquiridas surgiram das normas e aos poucos foram sendo assimiladas pela população. Entretanto, alguns criticam a quantidade de artigos sociais inseridos na Constituição Cidadã, diante do desafio orçamentário que o Brasil se encontra para cobri-los. Para finalizar, seguem as palavras de John Kennedy “Todos nós temos talentos diferentes, mas todos nós gostaríamos de ter iguais oportunidades para desenvolver os nossos talentos”