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Misoginia – Sexismo – Transfobia nas relações de emprego

É importante que os empregadores estejam cientes de que a prevenção e o combate à misoginia, ao sexismo e a transfobia não são apenas questões de responsabilidade social, mas também de conformidade legal.

27/3/2023

No último dia 8/3/23 (Dia Mundial das Mulheres) fato ocorrido no plenário da Câmara dos Deputados chamou atenção dos Brasileiros. Certo deputado federal subiu à tribuna para discursar sobre o Dia da Mulher colocando uma peruca loira ironizando a existência de mulheres transexuais.

Tal fato ensejou a elaboração deste artigo trazendo para a esfera do direito do trabalho a existência de misoginia, sexismo e transfobia nas relações de emprego.

O escopo deste artigo é discutir as formas de misoginia, sexismo e transfobia no ambiente de trabalho, as leis e regulamentos que protegem as mulheres (trans ou não) contra essas práticas e as medidas que os empregadores podem tomar para combater essa problemática.

Pois bem, quando a pessoa é tratada como um objeto, com repulsa ou discriminação, a coletividade e os poderes da união devem atuar, de maneira contundente a se evitar que o mesmo padrão seja repetido, até porque a violência não é praticada apenas em relação àquelas que sofrem na pele, mas em relação a toda e qualquer pessoa do sexo feminino ou transgênero.

A misoginia, sexismo e transfobia são problemas sociais e culturais que afetam profundamente a vida das mulheres em todo o mundo. Embora tenham sido objeto de debates e discussões em várias áreas, incluindo a política, a cultura e a religião, o local de trabalho é um ambiente onde esses problemas ainda são muito prevalentes.

A discriminação e o assédio sexista, misógino, transfóbico no ambiente de trabalho têm efeitos prejudiciais sobre a vida das mulheres, afetando sua autoestima, seu bem-estar emocional e, consequentemente, sua capacidade de realizar seu trabalho.

Antes de mais nada necessário descrever o que seria Misoginia, Sexismo e Transfobia.

A misoginia, sexismo e transfobia no ambiente de trabalho podem se manifestar de várias maneiras. Por exemplo, podem enfrentar discriminação no processo de contratação, exclusão de promoções, ser subestimada ou ignorada em reuniões importantes, ser alvo de piadas sexistas ou comentários ofensivos, receber menos pagamento do que seus colegas do sexo masculino, ser submetida a uma cultura de trabalho hostil, ser alvo de assédio sexual, não ser reconhecida como mulher, exclusão, marginalização, tratamento justo ou desigual e dispensas arbitrárias.

Essas formas de discriminação são ilegais e violam os direitos das mulheres no local de trabalho. Além disso, podem afetar negativamente a saúde mental e emocional das mulheres, além de prejudicar sua capacidade de realizar seu trabalho com eficiência e sucesso.

Proteções legais contra Misoginia, Sexismo e Transfobia no ambiente de trabalho

A proteção legal contra a misoginia, sexismo e transfobia no ambiente de trabalho é fornecida pela legislação antidiscriminatória. Em muitos países, as leis proíbem a discriminação com base no gênero no local de trabalho. Além disso, os empregadores são obrigados a fornecer um ambiente de trabalho livre de assédio e discriminação.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a lei de Proteção à Igualdade Salarial de 1963 proíbe a discriminação salarial com base no sexo, a lei dos Direitos Civis de 1964 proíbe a discriminação no emprego com base no sexo. A lei de Discriminação Sexual de 1975 também proíbe a discriminação com base no sexo no local de trabalho.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso I, proíbe qualquer forma de discriminação. Já a lei 9.029/95, proíbe a exigência de teste de gravidez, esterilização ou a adoção de qualquer prática discriminatória em razão do sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade.

Ainda, a transfobia foi equiparada ao crime de racismo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019.

Aqui se transcreve a fundamentação do voto4 da Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho DOUTORA CLAUDIA REGINA VIANNA MARQUES BARROZO, vejamos:

(...)

A identificação com determinado gênero (ou mesmo o direito a não se identificar com qualquer gênero, fugindo-se da ultrapassada lógica binária) é parte da intimidade de cada pessoa e, portanto, uma garantia fundamental a teor do art. 5, inciso X, da Constituição Federal.

É algo constitutivo do ser humano, é o ser humano em si. Não reconhecer isso é "coisificar", desumanizar o que temos de mais belo, que é nossa individualidade e nossa diversidade.

(...)

É objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (art. 3º, CRFB): "IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".

Com efeito, como podemos pensar em construir uma sociedade solidária, igualitária e com respeito à diversidade enquanto houver preconceito em face da comunidade LGBTQIAP+?

Este preconceito, é importante destacar, pode se dar de forma mais direta (como no caso dos autos) mas também por meio de piadas, trocadilhos e meios mais discretos, mas que revelam o mesmo desrespeito pela orientação/identificação sexual alheia.

(...)

Os empregadores têm um papel fundamental na prevenção e combate à misoginia, sexismo e transfobia no ambiente de trabalho. Uma das medidas que podem ser adotadas é a promoção da igualdade de gênero por meio de políticas internas, treinamentos e orientações sobre a importância do respeito às diferenças e igualdade de oportunidades, sem enfrentarem discriminação ou preconceito.

Outra medida importante é a criação de canais de denúncia para que os funcionários possam denunciar comportamentos discriminatórios ou assédio sexual de forma segura e confidencial. Os empregadores também devem implementar políticas claras de tolerância zero para qualquer forma de discriminação, assédio ou abuso, com sanções disciplinares apropriadas para violações dessas políticas.

É importante que os empregadores estejam cientes de que a prevenção e o combate à misoginia, ao sexismo e a transfobia não são apenas questões de responsabilidade social, mas também de conformidade legal. Empresas que violam as leis antidiscriminatórias podem estar sujeitas a multas, processos judiciais e danos à reputação.

Essencial trazer a visão do judiciário trabalhista sobre os temas abordados:

DANO MORAL. DISCRIMINAÇÃO À MULHER. A prova dos autos ampara a tese da autora de que seus superiores hierárquicos agiam de forma abusiva e preconceituosa, proferindo insultos machistas e deixando-a em isolamento. Tal conduta atenta contra princípios basilares da Constituição da República, notadamente o direito à igualdade, dignidade humana e valorização do trabalho humano, traduzindo injustificável discriminação, o que não pode ser tolerado em nome de uma sociedade livre, justa e igualitária. Sentença mantida. (TRT-4 -RO: 00003708420135040131, 1ª Turma, Data de Publicação: 20/10/2015)

RECURSO ORDINÁRIO. DANO MORAL. DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER. VIOLAÇÃO DA CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMNAÇÃO CONTRA A MULHER DA ONU E CONVENÇÃO 100 DA OIT. Pratica conduta discriminatória, contrária ao ordenamento jurídico nacional e violadora da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher da ONU e da Convenção nº 100 da OIT, o empregador que não admite a inclusão do cônjuge da trabalhadora mulher como beneficiário do plano de saúde dessa ao passo que o benefício é disponibilizado aos trabalhadores do sexo masculino, o que implica, ainda, em um padrão remuneratório geral superior a trabalho de igual valor em razão do sexo do trabalhador. Objetivamente caracterizada a discriminação em razão do sexo resta configurado o dano moral in re ipsa, passível de indenização. (TRT-1 - ROT: 01004919320195010002 RJ, Relator:CARINA RODRIGUES BICALHO, Data de Julgamento: 08/12/2021, Sétima Turma, Data de Publicação: 16/12/2021)

ASSOCIAÇÃO HOSPITALAR MOINHOS DE VENTO. DANO MORAL. DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO. TRATAMENTO HUMILHANTE. INOBSERVÂNCIA DE DIREITOS HUMANOS, NORMAS INTERNACIONAIS E DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA. 1. A normativa internacional e constitucional, acerca de direitos humanos e fundamentais, não chancela condutas que representem discriminação ou assédio e ofensa à honra e dignidade dos trabalhadores. Declaração Universal de Direitos Humanos (art. 23), Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (Organização dos Estados Americanos, 1948, arts. V, XIV e XVII), Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (arts. 17 e 26), Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (arts. 7º e 12), Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, arts. 5º, 6º e 11), Declaração Sociolaboral do Mercosul de 2015 (preâmbulo e arts. 2º e 4º). E, no mesmo sentido, reforçam a tese de proteção ampla dos direitos humanos e fundamentais dos trabalhadores, inclusive, sob o viés psicológico, as Convenções da OIT de n. 29 (trabalho forçado ou obrigatório), 100 (igualdade de remuneração por trabalho de igual valor) e 111 (discriminação em matéria de emprego e profissão). 2. No mesmo norte, a interpretação sistemática da Constituição da Republica e dos seus princípios e direitos fundamentais, notadamente, os valores sociais do trabalho, a dignidade da pessoa humana, a melhoria das condições sociais do trabalhador e a função social da propriedade (arts. 1º, III e IV, 7º, caput e 170, III e VIII), autoriza a proibição veemente de discriminação e assédio moral. 3. Conjunto probatório que aponta para prática de assédio moral e discriminação de gênero sofrida pela trabalhadora. 4. Indenização por dano moral devida.

ADICIONAL DE PERICULOSIDADE POR RAIO-X MÓVEL. A Portaria 595 do MTE, de 07/05/2015, não afasta a periculosidade da atividade desenvolvida pela autora por tratar-se de norma de hierarquia inferior à lei - em especial a Convenção 155 da OIT, evidenciando, ainda, disposição administrativa restritiva a normas de ordem pública que consagram o princípio da precaução em matéria de Direito Ambiental do Trabalho, concernente à operação de aparelhos de raios-X móvel, cujo agente nocivo é relacionado à radioatividade, matéria ainda em estudo no cenário científico contemporâneo. A Portaria nº 595/2015 contraria os termos da Convenção 155, pois não há domínio total da tecnologia dos aparelhos de raio-X móvel, havendo, portanto, risco ao trabalhador que fica exposto à condição. Ressalte-se que a Convenção 155 da OIT não foi enfrentada especificamente na decisão do TST no IRR 1325-18.2012.5.04.0013, que não procedeu ao controle de convencionalidade da norma administrativa em questão. Aplicação ao caso da Súmula 364, I, do TST e da Súmula 42 deste Tribunal Regional. Apelo da ré apenas provido parcialmente. (TRT-4 - ROT: 00206793920165040029, Data de Julgamento: 25/03/2020, 2ª Turma)

RECURSO ORDINÁRIO EM RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. Recurso ordinário da reclamada. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DISCRIMINAÇÃO POR GÊNERO. A prova oral produzida deixa patente que a reclamada dispensava tratamento diferenciado a seus empregados, conforme o gênero, na medida em que somente das empregadas eram exigidas as atividades de limpeza de banheiro e piso, não obstante, também, houvesse homens trabalhando no setor. Injustificável o tratamento diferenciado, baseado em claro preconceito de gênero -atitude reprovável que atenta contra a dignidade das trabalhadoras, não pelo fato de lhes atribuir o dever de limpar, mas por o fazer em razão de serem mulheres. Recurso parcialmente provido. (TRT-1 - RO: 01016497620165010201 RJ, Relator: BRUNO LOSADA ALBUQUERQUE LOPES, Data de Julgamento: 25/07/2017, Primeira Turma, Data de Publicação: 04/08/2017)

RECURSO ORDINÁRIO. DISCRIMINAÇÃO E TRANSFOBIA. DANO EXTRAPATRIMONIAL. CONFIGURAÇÃO. Demonstrado, nos autos, que a parte autora sofria discriminação e transfobia em seu local de trabalho, em decorrência de sua opção sexual, não resta dúvida quanto à configuração do dano extrapatrimonial, o qual deverá ser indenizado. (TRT-1 - ROT: 0100495612020501004, Relator: CLAUDIA REGINA VIANNA MARQUES BARROZO, Data de Julgamento: 12/07/2022, Sexta Turma, Data de Publicação: DEJT 2022-07-16)

Diante do cenário apresentado aspecto os empregadores devem promover uma cultura de respeito e igualdade de oportunidades, com políticas claras de tolerância zero para qualquer forma de discriminação ou assédio. Ao fazer isso, não apenas garantem a conformidade com as leis, mas também contribuem para a construção de um ambiente de trabalho mais justo e equitativo para todas as pessoas.

André Fróes de Aguilar
Sócio de Mainenti .Grossi.Fróes de Aguilar Sociedade de Advogados. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela PUC/SP; Extensão em Direito do Trabalho - Coimbra/PT

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