Falência. No dicionário, carência, falta, falecimento. Negativa em sua definição, a palavra ainda guarda, em alguns contextos, um estigma social. A falência financeira, por exemplo, foi associada, historicamente, à falha, ao insucesso e até, mesmo, a preconceitos relacionados às dívidas. Não à toa, campanhas publicitárias de empresas de crédito, por exemplo, têm tentado retirar o caráter pejorativo do termo “endividado” ao chamar de “negativado” pessoas físicas que contraem dívidas.
No universo do Direito de Insolvência, a Justiça também vem se empenhando para desvincular a imagem negativa de empresários que estejam passando por processos de recuperação judicial. A lei 11.101/05 teve o objetivo de disciplinar a recuperação judicial e extrajudicial, assim como a falência do empresário. A proposta era substituir os arcaicos processos de falência e concordatas por procedimentos mais objetivos. No que se refere à recuperação judicial e extrajudicial a lei de 2005 realmente representou um avanço, no entanto, no tocante a falência, talvez.
Por conta da insuficiência de regras mais contundentes e da cultura nacional, que tendia a desvalorizar a figura do empresário que tivesse a falência de sua empresa decretada, o estigma sobre a figura do falido permaneceu. Um estigma cultural, já que não é segredo para ninguém que a atividade empresarial seja desenvolvida em um ambiente repleto de riscos e que nem sempre o insucesso esteja relacionado à fraude ou dolo do sócio contra as demais partes do mercado.
Além disso, muitos processos de recuperação judicial foram ajuizados sem que a empresa pudesse ser considerada viável economicamente para o desenvolvimento da atividade empresarial. Esse fato culminou na criação de um conglomerado de “empresas zumbis”, que tiveram recuperações judiciais convoladas em falência. Foram casos pontuais, mas que acabam por reforçar a imagem negativa do sócio falido.
Com a lei 14.112/20, as reformas promovidas na Lei de Recuperações e Falências começaram a vigorar, consolidando entendimentos jurisprudenciais que estavam sendo aplicados aos processos de insolvência e promovendo, ainda, a inserção de novas ferramentas. O objetivo foi oferecer mais celeridade, segurança jurídica e efetividade aos referidos processos. As alterações promoveram mudanças significativas no procedimento de falência, as quais impactam diretamente a conclusão do processo.
Dentre as diversas alterações relativas à falência, uma das mais importantes foi a equiparação do art. 75 no processo falimentar à mesma categoria do art. 47 na recuperação judicial, o que favorece a realocação eficiente dos recursos da massa falida e o retorno do empreendedor às atividades empresariais. O novo enunciado do art. 75 reflete a modernidade em relação ao processo falimentar, deixando para trás o antigo preceito de que a falência tem caráter punitivo, para excluir do mercado atividades inviáveis e o mau empresário.
O resultado é que a nova legislação atua como instrumento de preservação dos recursos produtivos, como satisfação do direito dos credores, como liquidação célere de empresas inviáveis para proteção do mercado e, também, para o reingresso do sócio falido à atividade econômica com o objetivo de fomentar o empreendedorismo. A falência passa, ainda, a ser entendida como um modo de tornar mais eficiente o exercício da atividade econômica, permitindo que outras empresas usufruam dos bens que foram alienados no processo falimentar, contribuindo para a preservação da função social do negócio.
Outro ponto importante é que a legislação de 2020 disciplinou o chamado Fresh Start. Importado da legislação americana, esse recurso estimula o empresário falido a retornar rapidamente ao mercado empresarial, conservando aqui a ideia de que o indivíduo é um agente econômico e desempenha um papel essencial na produtividade do mercado. No modelo, o devedor se torna isento de suas obrigações desde que não tenha ocorrido nenhuma situação adversa à norma, como algum tipo de ato com intuito de fraudar os credores.
Após dois anos de vigência da nova Lei podemos dizer que iniciamos, efetivamente, a colheita dos frutos positivos dessa mudança. Todas elas contribuem para o rápido recomeço do empresário, permitindo uma nova visão sobre aqueles que não tiveram êxito na empreitada empresarial e tiveram a falência de suas empresas decretadas. São medidas que procuram desassociar, assim, do empresário a imagem do responsável exclusivo pelo insucesso da atividade empresarial que, muitas vezes, se dá em razão de circunstâncias alheias ao seu controle.