Há quase 30 anos, desde que foram instituídas no Brasil, as agências reguladoras independentes sofrem ataques, à direita e à esquerda, por oposicionistas e governistas.
Do lado direito do ringue, as agências são acusadas de interferir demais na atuação das empresas e nos mercados; do lado esquerdo são acusadas de serem um instrumento neoliberal capturado pelos interesses dos grandes grupos econômicos. Oposicionistas se queixam de que as agências são submissas ao governo de plantão, governistas se queixam de que as agências não permitem que o governo aja de acordo com os anseios dos que os elegeram.
Há, na maior parte das críticas, desconhecimento do que seja o modelo institucional das agências ou simples vontade dos que estão próximos ao governo do momento de implantar determinadas políticas públicas, sem qualquer restrição.
Agências reguladoras independentes não são de direita ou de esquerda. Não são elas que definem o papel do Estado na economia. Esse papel está estabelecido, primeiro, na Constituição e, obedecida essa norma maior, nas leis que criaram as agências e que disciplinam os setores econômicos por elas afetados ou regulados. Da mesma forma, não são as agências reguladoras que limitam as ações do governo. Essas limitações também decorrem da Constituição e das leis.
Três palavras são essenciais para se compreender o papel das agências reguladoras: estabilidade, previsibilidade e segurança. Setores mais complexos da economia, especialmente aqueles que dependem de investimentos muito altos e de longo prazo, precisam de regras estáveis, não podem ficar sujeitos a solavancos e mudanças bruscas. Ao mesmo tempo, sendo inevitáveis as modificações da realidade ao longo do tempo, deve haver um mínimo de previsibilidade em relação ao futuro, o que se consegue quando existe a confiança de que a atuação da agência se baseará em critérios técnicos que não serão modificados de uma hora pra outra. E, enfim, há que se assegurar, a todos os que são afetados pelas agências – investidores, empresas, consumidores –, a segurança (jurídica, técnica) de que as decisões das agências serão tomadas observando os marcos da Constituição e das leis, e que os interesses de longo prazo de toda a sociedade não serão comprometidos por interesses de curto prazo dos governos.
Não existe modelo perfeito. Mas as agências reguladoras são meios eficazes para conferir ao menos uma razoável estabilidade, previsibilidade e segurança graças a dois mecanismos: (i) um modo complexo de escolha dos seus dirigentes, que, ainda que indicados pelo Poder Executivo, precisam ser aprovados pelo Poder Legislativo, não podem ser demitidos sem motivo e têm mandato por tempo determinado (de preferência não coincidente entre os diversos dirigentes); (ii) uma garantia de que as decisões tomadas não poderão ser revistas por critérios meramente políticos.
Embora seja natural que os governos – ainda que cheios de boas intenções – fiquem incomodados com as restrições que decorrem desse modelo institucional, é sempre bom lembrar, antes de sugerir mudanças, que os governos acabam, quem um dia governa, outro dia é oposição. Como se diz, pau que bate em Chico, bate em Francisco. As regras valem para todos.
Sobre isso, é sempre bom lembrar a pergunta do filósofo Karl Popper:
«Como poderemos nós organizar as nossas instituições políticas de modo que os governantes maus ou incompetentes (que deveríamos tentar evitar, mas que, não obstante isso, nos podem tão facilmente caber em sorte) não possam causar demasiado dano?»
As agências reguladoras independentes, ainda que imperfeitas, certamente fazem parte da resposta.