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Regulamentação do trust no Brasil

Um contrato de fidúcia que estabelece um regime de administração de bens de terceiros, inspirado no direito inglês, que possibilitará aos brasileiros mais uma forma de planejamento sucessório.

22/3/2023

Na Câmera dos Deputados está em tramitação o PL 4.758/20 que propõe a introdução do contrato de fidúcia no sistema jurídico brasileiro. O contrato de fidúcia nada mais é do que um regime de administração de bens de terceiros. Inspirado no Trust do direito inglês e americano, pode trazer ao Brasil uma ferramenta de investimento muito utilizado mundo afora.

A operação a ser regida pelo contrato de fidúcia consiste na entrega de um bem ou um valor (a propriedade fiduciária) a uma pessoa ou empresa (o fiduciário) para que seja administrado – em troca de remuneração – em favor do depositante (o fiduciante) ou de outra pessoa por ele indicada (o beneficiário).

No exterior o Trust, no qual o contrato de fidúcia é inspirado, é bastante flexível e pode ser customizado de acordo com o objetivo de cada instituidor e são utilizadas por diferentes razões, entre elas: a necessidade de um planejamento sucessório mais robusto, que viabilize a transmissão gradativa do patrimônio aos beneficiários; dar mais flexibilidade ao planejamento; proteger os beneficiários e a família de situações de incapacidade do instituidor/settlor, dentre outros.

O principal ponto do projeto brasileiro é estabelecer a separação entre os patrimônios do fiduciante e do fiduciário, que não pode utilizá-lo em proveito próprio. Tal separação gera uma proteção do patrimônio, similar ao patrimônio de afetação, atualmente restrito a negócios específicos como incorporação imobiliária e operações de crédito do agronegócio, e evita que problemas judiciais enfrentados pelo fiduciário (como penhora, recuperação de empresas e falência) atinjam os bens do fiduciante.

O contrato deverá conter os direitos e deveres das partes e dos beneficiários, que podem ser pessoas físicas ou jurídicas. Também deverá indicar quais os bens objeto da fidúcia, o objetivo do regime, a extensão dos poderes do fiduciário e as formas de prestação de contas.

A propriedade e a titularidade fiduciária serão formalizadas em cartório (de imóveis ou de títulos, conforme o tipo de bem).

O fiduciário poderá ser qualquer pessoa física ou jurídica, a menos que a atividade envolva captação de recursos do público, quando a atividade será privativa das instituições financeiras. Além disso, ele responderá pelos prejuízos que causar por negligência ou administração temerária.

O projeto ainda traz a figura do Protetor ao Conselho de Protetores, que poderá ter dupla função, consultiva e fiscalizatória. Sua principal função é assegurar o cumprimento, pelo fiduciário, de suas obrigações de administração e cumprimento das orientações de distribuição de ativos, conforme disposto no ato constitutivo da fidúcia;

Extinta a fidúcia (seja por acordo entre as partes, decurso do prazo ou por decisão do Protetor ou Conselho de Protetores), os bens e direitos revertem de pleno direito ao patrimônio do fiduciante ou seus sucessores, salvo se o ato de constituição houver disposto, para a hipótese, a consolidação da propriedade no patrimônio do beneficiário ou de terceiros.

Destaca-se que o projeto em análise não prevê como será o tratamento tributário dos recursos envolvendo o Trust, razão pela qual ainda não se sabe até que ponto sua adoção será de fato vantajosa às partes. Independente disso, trata-se de um movimento importante na inovação do nosso ordenamento jurídico brasileiro.

Talita Evangelista Silvestre
Mestranda em Direito dos Negócios pela Fundação Getúlio Vargas; Pós-Graduada Lato Sensu ("LLM") em Direito Societário no Insper. Pós-Graduada Lato Sensu em Direito Empresarial na Escola De Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Graduada pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Líder da área societária e do núcleo de reorganizações e planejamentos sucessórios da Dessimoni & Blanco Advogados.

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