Cada vez mais presente em nosso cotidiano, o chamado marketplace pode ser definido como um local onde se faz comércio de bens e serviços. A palavra é uma junção dos termos ingleses market, que significa “mercado” e place, que significa “lugar”. O mercado pode acontecer em um espaço físico (real) ou em um espaço virtual.
Recentemente, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) chancelou a constitucionalidade do art. 18, inciso IX da lei 8.795/20 (“lei 8.795/20”) do Estado do Rio de Janeiro, que responsabiliza empresas de marketplace pelo não pagamento de ICMS por parte dos lojistas que comercializam produtos em suas plataformas de venda on-line.
A norma do Rio de Janeiro foi questionada por uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin 0040214-33.2020.8.19.0000), com o objetivo de anular a regra do art. 18, inciso IX, da lei 8.795/20, segundo a qual podem ser responsabilizados “nas operações com mercadorias não digitais o proprietário ou possuidor de site ou de plataforma eletrônica que realize a oferta, captação de clientes ou venda, em razão de contrato firmado com o comercializador, quando operacionalizar a transação financeira e o acompanhamento do pedido, sem que seja emitida nota fiscal obrigatória”.
Ou seja, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que a lei estadual poderia determinar a responsabilidade subsidiária das plataformas de marketplace ao pagamento do ICMS nas operações de venda dos seus parceiros, uma vez que segundo o posicionamento exposto, haveria interesse comum entre as partes, sendo desta forma, desnecessária a promulgação de lei complementar para instituir a referida responsabilidade.
Todavia, nos parece incorreta a interpretação dada aos dispositivos utilizados no julgamento, posto que, os estados não detêm discricionariedade para criar hipóteses de responsabilidade tributária não previstas no Código Tributário Nacional. Tal competência é reservada à lei complementar, conforme preceitua o art. 146, inciso III, alínea “b” da Constituição Federal (“CF”).
Além disso, não foram observados os pormenores da participação dos envolvidos nas vendas realizadas através dos marketplaces, sendo certo que o argumento estatal de que as plataformas estão vinculadas ao fato gerador, nada mais é do que um movimento desprendido da realidade da operação.
Isto porque, os marketplaces são apenas prestadores de serviço quando disponibilizam o espaço de divulgação e o suporte para os vendedores, não restando dúvidas de que as plataformas não praticam o fato de gerador do ICMS, tampouco participam das vendas.
Ainda que se alegue haver interesse das plataformas nas vendas e que elas intermediam as operações, tais argumentos não são suficientes para atrair a responsabilidade tributária, já que não há qualquer gerência sobre os vendedores e as respectivas saídas de mercadorias.
Ademais, deve-se descartar qualquer hipótese de o dispositivo em questão ter fundamento no art. 124, inciso I, do Código Tributário Nacional (“CTN”), que trata da responsabilidade solidária na hipótese de interesse comum na situação que constitua o fato gerador. Essa hipótese se restringe aos casos em que duas ou mais pessoas ocupem a condição de vendedor da mercadoria, o que não ocorre na operação de marketplace, em que a plataforma é mera intermediária.
Dito isto, poder-se-ia imaginar então no enquadramento da responsabilidade no art. 124, inciso II, do CTN, uma vez que este se restringiria aos casos em que a gestora do marketplace fosse responsável pela intermediação também do pagamento da operação.
Contudo, qualquer possibilidade de enquadramento nessa hipótese deve ser sumariamente rejeitada ante a constatação de que a Lei do Estado do Rio de Janeiro não institui os meios necessários para que se possa realizar retenção do ICMS.
Essa circunstância, por si só, demonstra que não pode haver atribuição de responsabilidade na forma do artigo 124, inciso II ou do art. 128 do CTN, pois não há possibilidade de a operadora de marketplace acessar a riqueza manifestada pela operação mercantil, dado que não se lhe garante qualquer possibilidade de retenção.
Além disso, não se conferem meios à operadora para discernir entre as diferentes situações que dão ensejo a diversas incidências do ICMS. Essas circunstâncias violam, também, a capacidade contributiva (CF/1988, art. 145, § 1º) e a competência constitucional para a instituição do ICMS sobre “operações de circulação de mercadoria” (CF/88, art. 155, inciso II), pois a aplicação da regra da Lei Estadual conduziria à exigência do ICMS de uma pessoa jurídica que sequer é contribuinte do imposto, não realiza operações de circulação de mercadorias e não possui condições fáticas ou normativas de efetuar a retenção do tributo.
Apesar de a referida norma ter sido validada do ponto de vista legal, no Rio de Janeiro, espera-se que os demais Estados da Federação não venham a seguir caminho semelhante. Afinal, para além de todo o aspecto técnico jurídico, para efeito de reflexão cabe uma analogia: se esse for o caminho pretendido pelos entes tributantes, será que os shopping centers também passarão a ser responsáveis tributários pelas vendas dos lojistas?