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Dermocosméticos e dermomakes: cosmético ou medicamento?

Embora o marco regulatório dos cosméticos definido pela Anvisa tenha sido recentemente atualizado, até o momento não observamos um movimento no curto prazo para a definição de regras mais claras ou específicas aplicáveis aos dermocosméticos.

21/3/2023

Nos últimos dias, o lançamento de um novo produto de maquiagem gerou uma onda de comentários sobre os chamados “dermocosméticos” ou “dermomakes”. A grande repercussão nas mídias sociais levantou um debate conhecido, mas que ainda é fonte de dúvidas frequentes do setor de cosméticos no Brasil.

O termo dermocosmético é utilizado para identificar produtos de natureza cosmética, tais como cremes e maquiagens, com ação em camadas mais profundas da pele e, por vezes, compostos por ativos farmacológicos. Ou seja, um conceito que esbarra nas definições de cosméticos e medicamentos. Mas seria este um produto regulado de forma especial pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), autoridade responsável por normatizar, controlar e fiscalizar produtos de interesse para a saúde?

Embora muito utilizado para fins comerciais, o termo dermocosmético ainda não foi regulamentado de forma específica pela Anvisa. Por isso mesmo, a depender de suas características, esses produtos podem ficar sujeitos à regulamentação de cosméticos, ou às regras definidas para medicamentos.

Enquanto cosméticos são produtos para uso externo, destinados à proteção ou ao embelezamento das diferentes partes do corpo, como pele, unha e cabelos, os medicamentos são produtos farmacêuticos com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico. Ou seja, o ponto de partida para diferenciar um cosmético de um medicamento é identificar sua finalidade.

Um produto anunciado para promover ação hidratante, tonificante ou adstringente para a pele enquadra-se claramente no conceito de cosmético. Mas vale lembrar que as normas em vigor não permitem a alegação de que produtos cosméticos possuem ações terapêuticas.  Desta forma, um produto com o objetivo de cicatrizar feridas ou tratar verrugas, hiperpigmentação ou melasmas, estaria mais próximo do conceito de medicamento.

Mas não é apenas a finalidade que vai determinar a correta classificação de um produto. As substâncias e suas respectivas concentrações utilizadas na formulação de um produto também influenciam na sua classificação.

As fórmulas de cosméticos, por exemplo, admitem a inclusão de ingredientes especificados pela denominação conhecida como INCI (International Nomenclature of Cosmetic Ingredients ou Nomenclatura Internacional de Ingredientes Cosméticos), que padroniza a nomenclatura de ingredientes em produtos cosméticos.

A Anvisa também estabelece restrições quanto à composição ou concentração máxima de certas substâncias na formulação de cosméticos. Como exemplo, cosméticos contento ácido salicílico apenas admitem concentração máxima de 2% ou 3% em produtos capilares com enxágue.

Importante destacar que produtos cosméticos com substâncias medicamentosas, ainda que em doses infraterapêuticas (ou seja, não suficientes para tratar, prevenir ou aliviar sintomas) serão enquadrados como medicamentos, de acordo com a legislação brasileira.

Entende-se por substância medicamentosa o insumo farmacêutico ativo com propriedades farmacológicas, ou seja, aplicada para diagnóstico, alívio ou tratamento, ou para alteração e exploração de sistemas fisiológicos ou estados patológicos em benefício da pessoa que a utiliza. Em regra, os insumos farmacêuticos passíveis de serem utilizados em medicamentos sintéticos devem seguir as exigências de qualidade, autenticidade e pureza previstos na Farmacopeia Brasileira.

Neste contexto, é interessante observar que a Anvisa reconhece o potencial de dúvidas sobre o enquadramento regulatório de certos produtos, incluindo medicamentos e cosméticos. Para endereçar questões controvertidas, a Agência instituiu o Comitê de Enquadramento de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária (COMEPE) para avaliar os chamados “produtos fronteira”. Em uma de tais análises, a COMEP definiu que um produto esfoliante, ainda que comercializado em outros países do mundo como cosmético, se caracterizaria como “peeling químico” em razão da alta concentração de ácido salicílico, de modo que não poderia ser enquadrado como um cosmético no Brasil, mas sim como um medicamento. 

O enquadramento regulatório de um produto irá definir o seu processo de regularização junto à Anvisa, que é condição para sua comercialização regular no Brasil. Em regra, a complexidade do processo de regularização de um produto depende do risco que seu uso pode acarretar à população.

Produtos com maior potencial de risco, como é o caso de medicamentos, em regra, devem ser registrados. Nesse processo, a Anvisa realiza uma minuciosa avaliação técnica, que inclui dados robustos sobre (i) estudos clínicos realizados e comprovação de segurança, eficácia e qualidade, (ii) o desenvolvimento da formulação, (iii) a quantidade de cada componente da fórmula e suas respectivas funções, e (iv) especificações sobre o controle de qualidade do produto. Também existem controles mais rígidos para verificação do cumprimento das boas práticas pelos locais de fabricação, sendo obrigatório, por exemplo, que o fabricante possua Certificado de Boas Práticas de Fabricação (CBPF) válido emitido pela Anvisa. Vale pontuar que existem alguns grupos específicos de medicamentos (como medicamentos dinamizados e produtos tradicionais fitoterápicos) que, excepcionalmente, devido ao menor risco sanitário, são sujeitos à notificação ao invés do registro.

O processo de regularização dos cosméticos, por sua vez, é mais simplificado quando comparado com o dos medicamentos. Para tal finalidade, os produtos podem ser divididos em cosméticos de grau 1 ou de grau 2.

Enquanto cosméticos de grau 1 são produtos com propriedades básicas ou elementares, os cosméticos de grau 2 possuem indicações específicas que exigem comprovação de segurança e/ou eficácia. A regularização da maioria dos produtos cosméticos, seja de grau 1 ou 2, depende apenas de prévia comunicação à Anvisa, com o objetivo de informar a intenção de comercialização do produto. Apenas em alguns casos, cosméticos de grau 2 exigem prévio registro e análise técnica do produto pela Anvisa, como é o caso dos bronzeadores, protetores solares, produtos de alisamento ou ondulação de cabelos e repelentes.

Além de questões associadas ao enquadramento regulatório e à regularização sanitária, frequentemente há questionamentos sobre os limites da publicidade de produtos cosméticos e, em especial, de dermocosméticos que geralmente anunciam benefícios como ferramenta de marketing. Enquanto a propaganda de medicamentos está sujeita a requisitos definidos pela Anvisa, não há norma específica que regulamente a propaganda de cosméticos, que deve seguir os princípios gerais do Código de Defesa do Consumidor. Importante ressaltar que quaisquer alegações atribuídas aos produtos cosméticos e dermocosméticos devem ser passíveis de comprovação, sob pena de caracterização de propaganda enganosa e infração sanitária.

Embora o marco regulatório dos cosméticos definido pela Anvisa tenha sido recentemente atualizado, até o momento não observamos um movimento no curto prazo para a definição de regras mais claras ou específicas aplicáveis aos dermocosméticos. Deste modo, os elementos que balizam o enquadramento desses produtos explorados neste artigo são ferramentas importantes para o seu adequado tratamento regulatório.

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2023. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS.

Nicole Recchi Aun
Associada da área de Life Sciences & Helthcare de Pinheiro Neto Advogados

Anna Luiza Bertin Henrique
Associada da área de Life Sciences & Helthcare de Pinheiro Neto Advogados.

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