Migalhas de Peso

O que é transição ecológica?

Estamos percebendo que as sociedades em geral estão vivendo sem garantia jurídica. E o homem se esquece que o direito é condição do amor ao próximo, também esquecido ou recusado ou rejeitado.

21/3/2023

Buscando um significado claro

1. Em voga essa expressão, usada para dar ideia de que é imprescindível a ocorrência de uma atitude coerente, consciente, imediata e ampla, para que ocorra algo para se preservar a vida, o planeta, enfim.

2. Mas o substantivo transição, segundo o Dicionário UNESP do Português Contemporâneo tem o significado passagem ou mudança. E põe, como usual é, usar-se para ser utilizado por um período temporal: tempo de transição.

2.1. Em outras fontes como o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, simplesmente, “Transição, do lat., Transitione”. Transição não tem o significado de transigir (v. intransitivo, terminar uma controvérsia com uma transação).

3. O uso que está sendo feito do substantivo, seguido pelo qualificativo, pode ser questionado. Trata-se de governança de uma mudança num tempo de transição ecológica, como questionado na Encíclica “Laudato Si”, sobretudo.

Por quê?

Os melhores autores limitam-se ao explicitar que essa transição significa que, quando a oferta quotidiana mundial de petróleo tenha atingido o pico, “porque não se poder aumentar a quantidade de petróleo extraído, enquanto a demanda quotidiana mundial vai superá-la, o aumento do petróleo será muito pesado, o que se pode supor uma recessão mundial, com graves efeitos desestabilizantes” (Leonardo Sawtati, Academia Alfonsiana, Roma).

O excelente artigo de Leonardo tece contundentes comentários acerca da imprescindibilidade de uma boa governança para uma “transformação que busque atingir os diversos âmbitos da vida e da economia” (ibid.).

Um hiato: Prefiro ambiente ao substantivo ecologia, ambos da mesma espécie

4. A sisudez do falecido Papa Bento XVI muito o levou em vida a desagradar ao populismo não diplomático que estendeu no seu pontificado.

É bom trazer neste breve escrito algumas de suas manifestações a respeito do ambiente que prefiro à ecologia.

4.1. Demonstrando que, sem educação verdadeira, não se poderá pensar em educar as novas gerações para preservar o ambiente.

Seguem:

4.1.1. De um pronunciamento de 23/2/08: “A educação não é somente obra ou trabalho dos educadores: é uma relação entre pessoas, na qual, com o passar dos anos, entra em jogo a liberdade e a responsabilidade daqueles que são educados” (BENEDETTO XVI. Pensieri di Fede per una Vita Felice: Riflessioni, massime, esortazioni per la meditazione quotidiana. Milão: Arnoldo Mondadori Editore S.p.A, 2012).

4.1.2. E, dias depois (1/3/08), completa: “A educação constitui um dos pontos principais da questão antropológica contemporânea”.

4.1.3. Ainda no mesmo ano e mês (7/2/08): “Não basta mais uma formação profissional sem formação do coração. E o coração não pode ser formado sem ao menos o desafio da presença de Deus”. Porque a educação não é e não pode ser jamais considerada como puramente utilitária. Visa, sobretudo, formar a pessoa humana e preparar ele ou ela a viver a vida em sua plenitude. Em poucas palavras: visa educar à sabedoria (17/9/10).

5. Sempre Bento XVI, apontando para a verdadeira educação, disse: “Às novas gerações é confiado o futuro do planeta no qual são evidentes os sinais de um desenvolvimento que não sempre soube tutelar os delicados equilíbrios da natureza. E antes que seja tarde é preciso adotar escolhas corajosas, que sejam capazes de recriar uma forte aliança entre o homem e a terra”.

5.1. Para não fastidiar: “A degradação da natureza é estreitamente conexa à cultura que modela a convivência humana (8/12/09), porque “não é difícil constatar que a degradação ambiental é comumente o resultado de projetos políticos com visões equivocadas ou a perseguição de míopes interesses econômicos (ibid.).

Encerro: se você quer cultivar a paz, cultive a criação (8/12/09)” (ibid.).

6. A pesquisa a que temos nos dedicado em publicações sérias e de amplitude global nos levou ao ensaio escrito por 6 cientistas de diversas instituições e de diferentes países. E o tema foi, se há direitos que preservam a saúde dos solos. E eles concluem: “É essencial que aquilo que temos aqui seja protegido e preservado. Drenar solos ricos em carbono, fazer colheitas de carbono de turfeiras, ou destruir a biodiversidade do solo a fim de convertê-los em maior maximização de renda em plantações para que estas possam gerar lucro em curto-prazo, são autodestrutivas para a sociedade. Além disso, as atividades que visam mitigar a mudança climática precisam reconhecer o papel dos solos nos ciclos biogeoquímicos globais. Plantar árvores em pastagens naturais e turfeiras, por exemplo, pode ser uma desvantagem indesejável para a biodiversidade e as grandes quantidades de carbono no solo. Ação real é urgentemente necessária para prevenir que vastas quantidades de solo fértil desapareçam no fundo dos oceanos” (Science, vol. 379, 6627, 6/1/23, p. 34).

6.1. Prosseguindo, e os animais? E a sua sobrevivência? E a sua extinção? Os animais, seguindo o que Martha Nussbaum, eminente filósofa e professora de Direito, acrescentou à sua seleta bibliografia este título: Justice for animals: our collective responsability (Nova Iorque: Simon & Schuster, 2023).

Do seu comentarista Dale Jamieson (Science, idem, p. 35): “A ideia central é que uma injustiça possa vir a ocorrer quando o ‘esforço qualitativo’ de um animal é inibido pelo ‘erro’ [humano] através de uma ação ou da negligência de uma ação. Nussbaum argumenta em favor da superioridade de sua teoria, em comparação com a de outros, e vai até o ponto de discutir o dano de morte, conflitos trágicos, nossa responsabilidade para com os animais em uma variedade de maneiras, conflitos de dever, e o papel da lei em se atingir justiça pelos animais”.

E o degelo Ártico e Antártico, que necessita para que não ocorra com a mesma intensidade?

7. Novamente, encontramos dois artigos de pesquisa nesta mesma edição da Science (p. 29 e 78). Vamos dar continuação à contribuição que os autores deram a tão delicado tema:

a) Dois professores que conviveram nas áreas glaciais (Islândia e Canadá) escreveram: “Agindo agora será reduzida a perda dos glaciais – muitos dos maiores glaciais do mundo ainda não desapareceram, mas com uma pronta ação poderá se fazer a diferença”.

Para este tema os autores fizeram minuciosa pesquisa histórica na Islândia e partir de 1890 e concluíram que pelo menos dois quilômetros desapareceram.

Enfáticos, sustentam que o Acordo de Paris tem pouco contribuído para isso e mais ainda que “a temperatura fique estabilizada em qualquer nível os glaciais continuarão perdendo massa”.

Seguindo também as previsões, seja na Islândia seja na Antártida, os níveis dos mares aumentarão e acontecerá um alarmante declínio da biodiversidade.

Em suma, para os autores, esta década é crítica para se tornar uma verdadeira catástrofe se atitudes sérias a respeito à questão climática não forem tomadas.

b) Os glaciais e suas mudanças neste século: ainda da Science (ibid., p. 78/83): a contribuição de treze cientistas de seis nações produziram uma impressionante demonstração das mudanças das regiões glaciais do mundo inteiro: “Alasca, periferia do Ártico e do Subártico, o norte e o sul do Ártico, Islândia, Ásia sudeste, Canadá e Estados Unidos oeste, sul da Ásia leste, Escandinávia, norte da Ásia, Europa Central, Nova Zelândia, Cáucaso e Oriente Médio”.

É incontestável o que está acontecendo e que ficou provado cientificamente, através de comparações com projeções prévias, inclusive o que não é comum como a importância das glaciais marítimas.

Os autores sumarizam e projetam: “Nossas projeções revelam uma relação linear forte entre o aumento de temperatura global e perda de massa glacial. Esta relação demonstra, a nível regional e global, que para cada aumento de temperatura há consequências significativas para o degelo glacial e, deste modo, o aumento do nível dos mares, mudando a hidrologia, ecologias e perigos naturais. Baseado nos relatórios da COP26, a temperatura global está estimada em aumentar 2,7ºC por ano, o que resultará em um célere aumento do derretimento glacial e do nível dos oceanos” (ibid., p. 83).

Para concluir...

Estamos percebendo que as sociedades em geral estão vivendo sem garantia jurídica. E o homem se esquece que o direito é condição do amor ao próximo, também esquecido ou recusado ou rejeitado.

Cinicamente foram construídas diversas organizações internacionais que não trazem a menor contribuição à humanidade.

A finalidade dessas organizações, se atuassem verdadeiramente e sem outros fins, seria a arte da esperança.

Encerro as cortinas com a Encíclica de Bento XVI: “Deus é caridade: o amor – caridade será sempre necessário também nas sociedades mais justas”, e “Não há ordenamento jurídico justo que possa tornar supérfluo servir com amor” (28).

Jayme Vita Roso
Advogado.

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