Introdução
Em sua edição de 5 de novembro de 2022, o jornal “Folha de São Paulo” trouxe um editorial sob o título “Aperfeiçoar a PGR”, no qual sugeria uma modificação legal para tornar obrigatória a nomeação do Procurador-Geral da República dentre os componentes da lista tríplice organizada pela Associação Nacional dos Procuradores da República.
Hoje, 11 de março, na seção “Tendências e Debates” a questão é esta: “Lula deve adotar a lista tríplice na escolha do Procurador-Geral da República?” e, como sempre, são publicados entendimentos opostos (Sim e Não).1
Sistema constitucional vigente
Segundo a CF, a lista tríplice é exigida apenas para os Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, com nomeação pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato2 de dois anos, permitida uma recondução. A respectiva Lei Orgânica disciplina como é composta a lista tríplice. Eles podem ser destituídos pela maioria absoluta do Poder Legislativo, na forma de sua lei complementar (Lei Orgânica).
O MP da União compreende o MP Federal; o MP do Trabalho; o MP Militar e o MP do Distrito Federal e Territórios – e, com exceção deste último – os demais têm por Chefe o Procurador-Geral da República.
Diz a CF que “O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução”.
No que tange à destituição do Procurador-Geral da República, a iniciativa cabe ao Presidente da República, mas depende de autorização da maioria absoluta do Senado Federal.
Um olhar para o futuro
Cientistas do Direito, estudiosos da Teoria Geral do Estado e filósofos afirmam que o Estado de Direito está em constante transformação, para acompanhar a evolução da sociedade, cada vez mais rápida e profunda.
“Contudo, escreve Jacque Chevallier, apesar do Estado de Direito se encontrar assim investido de um poder simbólico, de uma força de evocação e de um alcance jurídico novo, ele é, à semelhança de todo mito, fadado ao que é inacabado e incompleto: não penas ele se apresenta como uma noção imprecisa e de geometria variável (J. M. Pontier fala da ‘irremediável imperfeição do Estado de Direito -Revue de la Recherche Juridique, 2008), como também brechas reaparecem sem cessar na normatividade; essas acomodações com a realidade são em verdade inevitáveis, a se supor que o reinado sem restrição das normas teria por efeito matar a dinâmica social e política, e, pois, ceifar os próprios fundamentos do Estado de Direito”.3
Nada diferente ocorre que a própria democracia.
Nem é preciso dizer que a grande maioria do povo brasileiro quer a democracia e quer fortalecê-la: os recentes episódios do dia 08/01 evidenciam esse pendor, dramaticamente. Mas, nossa democracia não somente resistiu ao oito de janeiro como aos anos anteriores, nos quais sofreu terríveis ameaças.
Porém, é hora de avançar – de completar a autonomia do Ministério Público, pois também é verdadeiro axioma dizer que a Instituição é fundamental ao Estado de Direito Democrático.
Esse avanço diz respeito exatamente aos sistemas de escolha, nomeação e destituição dos Procuradores-Gerais.
Em primeiro lugar, os Chefes das Instituições do Ministério Público (da União, dos Estados e do Distrito Federal e Territórios) devam ser nomeados por ato do Colégio de Procuradores (ou do Órgão Especial do Colégio de Procuradores, onde houver), perante o qual toma posse no cargo e entra em exercício, sendo que a nomeação deve recair no mais votado, em lista uninominal, elaborada pelo voto secreto e não obrigatório de todos os membros da respectiva instituição, para investidura a termo certo (“mandato”) de três anos, vedada a recondução imediata, pois essa possibilidade não tem gerado bons resultados.
Por outro lado, a destituição do Procurador-Geral pode decorrer de ato interno e de ato externo, sempre tendo por motivo, dentre outros, conduta incompatível (por ação ou omissão), grave omissão dos deveres do seu cargo e por conduta incompatível.
Internamente, a iniciativa cabe a dois terços do Colégio de Procuradores e aprovação por maioria absoluta. A destituição será imediata.
Externamente, pode tem por iniciativa dois terços do Senado Federal ou dois terços da Assembleia Legislativa, conforme o caso, e aprovação por maioria absoluta. Aprovada a destituição, será ela incontinentemente enviada ao Colégio de Procuradores competente, que a oficializará de imediato.
Esse sistema de checks and balances permite que se outorgue ao Chefe da Instituição o poder de ajuizamento de ações civis em caso de improbidade administrativa praticada por agentes políticos – sua ação temerária, com abuso de poder, ou sua omissão pelo não ajuizamento injustificado da ação, ou, ainda, dado o despacho infundado de arquivamento de investigação injustificado ou determinado por motivos políticos, serão motivos para sua destituição. Em caso de arquivamento sempre haverá remessa necessária ao Colégio de Procuradores.4
Não se trata de retirar atribuição de Promotor de Justiça, mas de dar ao cargo de PGJ a relevância que merece, dentro de um sistema que permita o controle sobre suas atitudes. O Chefe da Instituição precisa de uma caneta de peso, para não ser, permitam-me o, um mero burocrata qualificado.5
Com muito respeito aos que pensam de modo contrário, acho que esse é o caminho do futuro para fortalecimento do nosso Estado de Direito Democrático.
Afinal, quis inspectorem timet?
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1 Pelo “sim” escreve Ubiratan Gazeta, que é Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, que tem organizado a lista tríplice. Pelo “não” escreve Dora Cavalcanti, Advogada, diretora do Innocence Project Brasil e conselheira do IDDD.
2 A CF não usa o termo “mandato” no seu sentido técnico-jurídico – na verdade, aqui se trata de investidura a termo certo, da qual o agente político somente pode ser exonerado mediante procedimento próprio. Não é demissível ad nutum.
3 Jacques Chevallier é Professor da Universidade Pantheón-Assas (Paris II), onde dirige o Centre d’Études et de Richerches de Sciencer Administratives et Politiques (CERSA-CNRS). A citação está na sua obra “L’État de droit”, traduzida por Antonio Araldo Ferraz Dal Pozzo e Augusto Neves Dal Pozzo – Editora Fórum, pág. 124.
4 Nessas mesmas hipóteses, se protagonizadas por um Promotor Substituto não terá, para ele, consequências mais severas, o que é um absurdo segundo os ideais republicanos.
5 Examino esse tema com maior profundidade na obra “Revisitando Uma História Sem Fim: O Ministério Público em Tempos de Crise”, da Editora Contracorrente.