Migalhas de Peso

Medidas governamentais em prol das mulheres marcam o 8 de março

Vale destacar que a convenção 190 da OIT considera a violência doméstica fator de risco para a saúde e segurança dos trabalhadores e das trabalhadoras.

14/3/2023

O Dia Internacional da Mulher foi marcado pelo lançamento de diversas e importantes medidas governamentais voltadas para as mulheres. Vejamos as principais.

Programa Mulher Viver sem Violência

O decreto 11.431 institui o Programa Mulher Viver sem Violência, que integra a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e será coordenado pelo Ministério das Mulheres.

Dentre as diretrizes do Programa, estão a integração dos serviços oferecidos às mulheres em situação de violência, a transversalidade de gênero, raça e etnia nas políticas públicas e o atendimento humanizado e integral às mulheres.

Pelo Programa, serão destinados 372 milhões de reais para a implementação de 40 unidades da Casa da Mulher Brasileira e a doação de 270 viaturas para a Patrulha Maria da Penha, em todos os Estados.

Exigência de contratação de mínimo de mão de obra de mulheres vítimas de violência doméstica em contratações públicas

O decreto 11.430 regulamenta a Lei de Licitações e Contratos Administrativos (lei 14.133/21) e obriga a contratação de um mínimo de 8% de mão de obra constituída de mulheres vítimas de violência.

Além disso, prevê o desenvolvimento pelo licitante de ações de equidade entre mulheres e homens no ambiente de trabalho como critério de desempate nas licitações.

A administração e a empresa contratada assegurarão o sigilo da condição de vítima de violência doméstica e não poderá dar tratamento discriminatório à mulher contratada.

Regulamentação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual

O decreto 11.432 regulamenta a lei 14.214/21, que instituiu o Programa de proteção e Promoção da Saúde Menstrual.

O Programa objetiva combater a denominada precariedade menstrual, identificada como a falta de acesso a produtos de higiene e outros itens necessários no período de menstruação ou a falta de recursos para a compra desses itens. Além disso, o Programa pretende garantir os cuidados básicos de saúde e desenvolver os meios para a inclusão das pessoas que menstruam, em ações e programas de proteção à saúde e à dignidade menstrual.

O Decreto prevê também a formação de agentes públicos quanto ao tema da dignidade menstrual.

Diretrizes para composição dos conselhos e comissões vinculados à Secretaria-Geral da Presidência a serem seguidas pelas organizações da sociedade civil e órgãos governamentais

A portaria 147, de 6 de março de 2023, determina que os conselhos e comissões que funcionam no âmbito da Secretaria-Geral da Presidência devem observar em sua composição a paridade de gênero, quando não houver maioria de representantes mulheres e o percentual de no mínimo 20% de seus membros de pessoas autodeclaradas pretas e pardas.

As organizações da sociedade civil poderão indicar a mesma pessoa para sua representação em até duas comissões ou conselhos, que poderão ter até dois mandatos consecutivos ou três alternados.

Bolsa Atleta

Será editado também decreto para modificar a Bolsa Atleta, com o objetivo de assegurar licença-maternidade e proteção à gestante às mulheres atletas. A norma vai prever licença-maternidade para integrantes do Programa, garantindo o recebimento regular das parcelas do programa até que a beneficiária possa iniciar ou retomar a atividade esportiva.

Dia Nacional Marielle Franco

O Poder Executivo enviou a mensagem 89 ao Congresso Nacional, com o texto de projeto de lei que institui o Dia Nacional Marielle Franco de enfrentamento à violência política e de gênero. O dia será lembrado em 14 de março, data em que a vereadora do Rio de Janeiro foi assassinada.

A violência política de gênero é conceituada como “a agressão física, psicológica, econômica, simbólica ou sexual contra a mulher, com a finalidade de impedir ou restringir o acesso e exercício de funções públicas e/ou induzi-la a tomar decisões contrárias à sua vontade”.1

Projeto de lei de igualdade salarial e remuneratória entre mulheres e homens

O Poder Executivo apresentou também projeto de lei para promover a igualdade salarial entre homens e mulheres que trabalham na mesma função, prevendo medidas para que empresas tenham mais transparência em relação à remuneração de seus empregados, aplicação de sanções administrativas e mecanismos para ampliar a fiscalização.

A proposta altera o art. 461 e 659 da Consolidação das Leis do Trabalho, que passarão a ter a seguinte redação:

Art. 461. (...)

§ 6º Na hipótese de discriminação comprovada por motivo de gênero, raça ou etnia, além do pagamento das diferenças salariais devidas, o juízo determinará o pagamento de multa cujo valor equivalerá ao décuplo do maior salário pago pelo empregador, elevado em cem por cento em caso de reincidência.

§ 7º Presume-se comprovada a discriminação, na hipótese de identificação de desigualdade salarial injustificada entre mulheres e homens, verificada em relatório de transparência salarial e remuneratória elaborado pelo empregador.

§ 8º Na hipótese prevista no § 6º, o pagamento das diferenças salariais e da multa não afasta a possibilidade de indenização por danos morais à empregada, consideradas as especificidades do caso concreto.

Art. 659. (...)

XI - conceder medida liminar, até decisão final do processo, em reclamações trabalhistas que visem à imediata equiparação salarial e remuneratória entre mulheres e homens, uma vez comprovada a discriminação nos termos do disposto no art. 461 desta Consolidação das Leis do Trabalho.

Ficará determinada a publicação de relatórios de transparência salarial e remuneratória pelas pessoas jurídicas de direito privado com vinte ou mais empregados.

Nas hipóteses em que for identificada desigualdade na análise comparativa entre o conjunto de mulheres e o conjunto de homens indicados no relatório de transparência salarial e remuneratória, a empresa apresentará e implementará plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes das trabalhadoras e dos trabalhadores nos locais de trabalho.

A projeto visa combater os números de desigualdade salarial entre homens e mulheres: as mulheres ganham, em média, 22% menos que os homens no Brasil, em dados de 2022.2

O PL ainda tratará da discriminação salarial por etnia ou raça. A hora trabalhada de uma pessoa preta vale 40% menos do que a de uma pessoa branca, segundo dados do IBGE de 2022.3

A proposta já tem sido alvo de críticas por parte do empresariado. Alguns estudiosos4 consideram que a desigualdade de gênero não será resolvida apenas por intermédio de leis, o que nos parece até óbvio. O PL, contudo, inova e pode ser ponto de partida para outras políticas públicas, que devem combater a desigualdade de gênero, que é estrutural no Brasil.

Outros consideram que o Brasil já possui instrumentos para combater a discriminação de gênero e que poderia utilizá-los sem legislação nova e sem punições. Se o Brasil já possui legislação sobre o tema, que não é efetiva ou cumprida pelas empresas, nova legislação é sim necessária, inclusive com multas elevadas para as empresas que a descumprirem.

No dia 8 de março, o Presidente da República também deu início ao processo de ratificação de duas importantes convenções da Organização Internacional do Trabalho.

O Presidente assinou Mensagem que será enviada ao Congresso Nacional de ratificação da convenção 156 da Organização Internacional do Trabalho, sobre igualdade de oportunidade para trabalhadores homens e mulheres com responsabilidade salariais, e Mensagem de ratificação da convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho, sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho.

O processo de ratificação de um tratado internacional no Brasil tem início com o envio do tratado ou convenção pelo presidente da República ao Congresso Nacional, acompanhado de Mensagem Presidencial. Em seguida, ocorrerá votação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, separadamente. Se aprovada na Câmara e no Senado, o presidente do Senado finalizará o procedimento de ratificação interna mediante um decreto legislativo. Concluída a ratificação pelo Congresso Nacional, cabe ao presidente da República fazer a ratificação internacional e a posterior promulgação do tratado.

A convenção 156 estabelece que os países signatários possuam políticas de efetiva igualdade de oportunidade e de tratamento para homens e mulheres trabalhadores. Ou seja, que garantam políticas que criem condições a pessoas com encargos de família, empregadas ou que queiram empregar-se, de exercer o direito de trabalhar sem estar sujeitas à discriminação e sem conflito entre seu emprego e seus encargos de família.

A Convenção prevê, ainda, que sejam tomadas todas as medidas compatíveis com as condições e as possibilidades nacionais, inclusive medidas de orientação e de treinamento profissionais, para dar condições aos trabalhadores com encargos de família de se integrarem e permanecerem integrados na força de trabalho, assim como nela reingressar após ausência imposta por esses encargos.

Conforme dados do Observatório do Plano Nacional de Educação, somente 37% das crianças de 0 a 3 anos de idade estavam matriculados em creches no ano de 2019,5 impossibilitando as mulheres de competirem por vagas no mercado de trabalho em pé de igualdade com os homens, uma vez que no Brasil o peso do trabalho doméstico gratuito e de cuidados com crianças e idosos ainda é suportado majoritariamente pelas mulheres.

A expectativa é de que a ratificação da convenção 156 traga um olhar para se pensar e implementar políticas públicas que atenuem os encargos familiares, gerando maior igualdade e oportunidade entre homens e mulheres.

A convenção 190, por sua vez, amplia os conceitos de assédio sexual e moral no trabalho, além de não criar diferença jurídica entre violência e assédio.

Define “violência e assédio” no mundo do trabalho como o conjunto de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou ameaças, ocorridas uma única vez ou de forma repetitiva quem visem, causem ou sejam susceptíveis de causar dano físico, psicológico, sexual ou econômico, incluída a violência e o assédio com base no gênero.

O preâmbulo da norma relata o histórico de lutas e afirmações em diversas normas, convenções e instrumentos internacionais que ao longo do último século já asseveram o direito dos trabalhadores e trabalhadoras a um ambiente de trabalho livre de discriminações seja por raça, crença ou sexo, sendo a violência e o assédio ameaças à igualdade de oportunidade para as mulheres, prática incompatível com o trabalho decente.

A Convenção trata também do assédio no teletrabalho: vale para chamadas de vídeos, e-mails, mensagens por aparelhos, aplicativos, desde que relacionados ao trabalho. E estabelece que os Estados exijam das empresas medidas para prevenir comportamentos e práticas de violência e assédio, com consequências para quem as cometer. As empresas também devem realizar campanhas de conscientização e capacitação de trabalhadores e trabalhadoras.

Vale destacar, ainda, que a convenção 190 da OIT considera a violência doméstica fator de risco para a saúde e segurança dos trabalhadores e das trabalhadoras. A norma chama a atenção de governos e atores sociais, em especial as organizações de empregadores e trabalhadores, para que reconheçam o tema e tomem medidas de enfrentamento quanto à violência doméstica.

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1 https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/mais-mulheres-na-politica/violencia-politica

2 https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2023/03/08/diferenca-salarial-entre-homens-e-mulheres-vai-a-22-aponta-ibge.htm

3 https://oglobo.globo.com/economia/esg/noticia/2023/02/empresas-criam-programas-para-reduzir-diferenca-salarial-racial-e-de-genero.ghtml

4 https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/03/10/lei-de-igualdade-salarial-e-vista-com-ressalvas-por-especialistas.ghtml

5 https://www.observatoriodopne.org.br/meta/educacao-infantil

Luciana Lucena Baptista Barretto
Sócios da LBS Advogados - Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.

Antonio Fernando Megale Lopes
Sócio do escritório Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.

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