“Ressignificar” é o verbo da geração pós-milênio. A cada dia, presenciamos a mudança de sentido de ideias e conceitos que foram secularmente estabelecidos, em um processo de sedimentação cultural desenvolvido nas mais diversas áreas do conhecimento humano. Novos tempos...
No meio jurídico, a ideia de “coisa julgada” não só é antiga, como também basilar, de todo o Direito. Tem como atributo fundamental a imutabilidade de seus efeitos, essencial para se alcançar a tão desejada “segurança jurídica”, sem a qual a “paz social” é apenas uma abstração inalcançável.
Mas o Novo Milênio nos convida a uma “revisão geral” de ideias e conceitos. As decisões de nossa Suprema Corte, que deveriam ser definitivas (é o que se espera de algo que se diz “supremo”), passaram a ser “relativizadas”. Eufemismos à parte, sejamos explícitos: o que se decide hoje pode não ser o mesmo que se decidirá amanhã.
Pergunta-se o que teria mudado no contexto fático-social sobre o qual a decisão judicial foi forjada, para justificar a sua mudança. E a resposta, quase sempre, aponta em direção das injunções políticas feitas para reparar as mazelas de leis mal produzidas e ações governamentais temerárias. Tudo muito distante da ideia de que a jurisdição é prestada diante do fato social controverso que lhe é apresentado (“da mihi factum, dabo tibi ius”).
Quando se lê uma notícia que quantifica o valor estratosférico das perdas econômicas que a Fazenda terá, caso a decisão de determinada ação que tramita no Supremo lhe for contrária, tem-se aí, de forma explícita, uma pressão social exercida sobre o Supremo e subliminarmente um convite para que ele “atue corretivamente”. Por que, afinal, a Fazenda corre o risco de perder a demanda? Isto é relegado a segundo plano e o clamor, agora, é pelo imediatismo da medida judicial. Esta é a essência do “ativismo”...
Agora, o que se lê é que a “coisa julgada” tributária, que somente poderia ser rescindida nos casos especificados em lei e mediante processo judicial adequado, poderá ser juridicamente preterida por uma “nova decisão”, cujo relevante motivo justifica a preterição, "à vol d'oiseau"...
E o “motivo” que foi apresentado é a “vantagem competitiva” (!) que teria aquelas empresas favorecidas por decisões — notem bem — que foram regularmente obtidas mediante a tramitação da ação em várias instâncias e na qual, via de regra, foram manejados todos os recursos e artifícios processuais cabíveis e imagináveis.
Em suma: a Suprema Corte pretere a “segurança jurídica”, razão precípua da atividade jurisdicional — e de sua existência (!) —, para “atuar corretivamente” nas desigualdades competitivas do mercado...é a Suprema Corte do Novo Milênio...!!!
E por último, mas não menos importante: ao explicar e defender as mudanças introduzidas na ideia e conceito de “coisa julgada”, o Relator, conhecido pelas autopromoções que costumeiramente faz no ambiente midiático, propôs uma imagem metafórica: aquele que não fez reservas ou provisões e contou com a força da “coisa julgada” de que detinha é um ...."apostador".
Nessa ordem de ideias, não precisamos ir muito longe para concluirmos que não só esta, mas qualquer decisão judicial que doravante transitar em julgado, não oferecerá “a mais mínima” segurança jurídica, porque, sabe-se lá por qual razão, poderá ser modificada, no rompante.
Seguindo a imagem metafórica proposta pelo ilustre Ministro da Suprema Corte, talvez esta mereça novas luzes em sua fachada e, quem sabe, o epíteto em luminoso piscante: “Cassino Supremo”...