A petição inicial é uma das principais peças contidas em um processo judicial. A partir dela, relata-se os fatos, os fundamentos e os pedidos.
A narrativa dos fatos é requisito essencial na petição inicial, e a falta de conclusão logica acarretara o indeferimento da petição.
O brocardo latino nihi factum dabo tibi ius, cuja tradução é “narra-me os fatos e te darei o direito”, tal máxima carrega um ensinamento arraigado na jurisprudência, com o apoio de doutrina nada escassa na prática jurídica e revela a importância do contar a história para buscar o direito perseguido.
Isso posto, verifica que a narrativa dos fatos possui fundamental importância para persuadir a leitor, assim, desponta a necessidade em dominar ferramentas de auxiliem na construção da narrativa da história.
O Storytelling é uma ferramenta utilizada na área da comunicação, que auxilia na construção de narrativas, e tem como objetivo criar uma conexão, por intermédio da arte de contar história, entre o comunicador e o seu público, e assim, persuadi-lo.
A arte de contar histórias, é uma forma de comunicação em que o narrador expõe um fato utilizando um enredo envolvente. Na advocacia essa ferramenta é bastante útil, especialmente na busca do reconhecimento de um direito em uma lide.
Neste contexto, a presente pesquisa, investiga a utilização do Storytelling como estratégia de persuasão na construção da narrativa dos fatos na petição inicial.
A importância de pesquisar o tema, circula na necessidade dos operadores do direito em dominar ferramentas que o auxiliem em sua escrita, sendo esta uma das principais forma de comunicação com o judiciário.
A metodologia de pesquisa aplicada foi a pesquisa bibliográfica a livros, dissertações de mestrado e artigos científicos.
O trabalho foi desenvolvido em três partes. A primeira, abordou a conceito de persuasão e a seu trajeto na comunicação. A segunda parte traz à baila o conceito, fundamentos e elementos que caracterizam o Storytelling. O último tópico, traz a aplicação do Storytelling na narrativa dos fatos na petição inicial e aplicação de ferramentas com objetivo em tornar a história narrada mais interessante, e assim, prender a atenção do leitor bem como convencê-lo da veracidade nos fatos narrados.
1. PERSUASÃO. QUESTÕES CONCEITUAIS.
A comunicação se estabelece, nas relações humanas, por meio de expressões verbais, escritas, visuais, bem como pelo tato, de maneira que sempre houve um caminho pelo qual o homem pôde se manifestar e receber informações. Ocorre que nem sempre isso foi o suficiente para que a vontade do orador fosse entendida de pronto pelo ouvinte. Destarte, é necessário o domínio dos meios de persuasão para fins de efetiva comunicação, bem como para fins de transmissão de vontades.
Para além da ideia inicial que se tem a respeito de persuasão, há a necessidade de esclarecimento quanto à sua semelhança com a ideia de linguagem, que se estrutura no âmbito da comunicação. Quanto a isto, de acordo com Perez (2022):
"Linguagem e persuasão são elementos que caminham lado a lado. Normalmente associamos a ideia de persuasão à ideia de convencimento. Quando alguém tenta nos persuadir, temos a impressão de que a intenção que essa pessoa assume é a de nos convencer sobre algo. Contudo, a persuasão extrapola o simples ato de convencer: o ato de persuadir está intimamente associado a um discurso ideológico, subjetivo e temporal, encontrado nos discursos políticos, religiosos, na propaganda e em outros tipos de textos que interferem diretamente em nossa vontade, ainda que de maneira discreta e gradual."
Quando se observa instrumentos de comunicação verbais e não verbais nas mais diversas mídias presentes na contemporaneidade, ainda que não seja o objetivo imediato de seu autor, o que se vê é a presença de elementos dispostos a trazer o ouvinte para a ideia principal que está sendo colocada. Por certo, há uma efetividade maior quando o receptor se conecta àquela mensagem, para fins de persuasão. De acordo com Pascal (1658, p. 184-185):
"A arte de persuadir tem uma relação necessária com a maneira pela qual os homens consentem naquilo que lhes é proposto e com as condições da coisa que se quer fazer crer. A maneira mais natural é a do entendimento, pois (...) persuadir consiste tanto em agradar quanto em convencer; de tal forma, os homens se governam mais pelo capricho do que pela razão. Assim, nunca pode ser posta em dúvida uma demonstração natural de persuasão em que foram observadas essas circunstâncias; e nunca poderão ter força as demonstrações em que faltem esses elementos."
O desenho feito pela persuasão no trajeto da comunicação é interessante: ele desperta a relação ambígua entre despertar afetos e o próprio convencimento em si. Aliás, não fosse a parte afetuosa da ideia de persuadir, talvez o convencimento não fosse ser possível de ser alcançando, haja vista que a própria ideia de persuadir é, em um segundo momento, agressiva.
A pessoa a ser persuadida está sendo vítima de recursos que violam a própria busca por significados. Essa busca é delegada a quem deseja persuadir, ainda que involuntariamente.
Inclusive, no âmbito da pedagogia, berço primeiro da educação, esse processo é visto na ensinagem. Nesse sentido, Freire (1996) assevera que “a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador o depositante”.
De acordo com Gouvêa (2017), é a persuasão, descrita por Aristóteles, como sendo dependente de três variáveis: logos, pathos e ethos. “O logos refere-se ao modo lógico no qual o orador se expressa pelo discurso. O pathos é relativo à forma com a qual o orador invoca as emoções do seu público. E o ethos é a maneira com a qual o orador se apresenta como figura competente”.
Por fim, na métrica aristotélica, ver-se-á como a persuasão abraça as bases do processo narrativo, em que encontra o caminho para construir e sedimentar conhecimentos e informações.
2. STORYTELLING. QUESTÕES CONCEITUAIS E FUNDAMENTOS CARACTERIZADORES
É fundamental para o presente trabalho, antes de se explicar a aplicação do storytelling aos fatos narrados na petição inicial de um processo, estabelecer acepções conceituais acerca do instrumento comunicativo em debate, invocando suas bases e balizas, com a intenção de iluminar o contexto de aplicação ao objetivo proposto.
Nesse ínterim, calha dizer que a humanidade sempre se valeu de histórias como um dos meios de transferência de informações e conhecimentos. Concomitante a isso, o ser humano percebeu que tais narrativas poderiam ser organizadas e estruturadas para expressar conceitos mais profundos (MCSILL, 2017).
Assim, é natural, por fazer parte da essência do ser humano, contar histórias, porquanto essas carregam uma carga moral sobressalente, capaz de transformar, construir e ressignificar a existência do ouvinte (AMORIM, COSTA, REBOUÇAS, 2021).
Em uma tradução literal, a palavra storytelling, que deita suas raízes etimológicas na língua inglesa, significa o ato de contar histórias. Contudo, apenas a compreensão literal é completamente limitada e insuficiente para entender a abrangência e riqueza do instrumento comunicativo em estudo (AMORIM, COSTA, REBOUÇAS, 2021).
Para uma compreensão mais precisa e abrangente, um ponto de partida importante é fragmentar a expressão storytelling, ao passo que o vocábulo encontra sua formação na união de dois termos, quais sejam: story e telling, que podem receber acepções individuais e autônomas (PALACIOS; TERENZZO, 2016).
No contexto da comunicação, para Palacios e Terenzzo (2016), a palavra Story pode se referir ao conteúdo mental da história, que será formado a partir das experiências, lembranças, memórias, bem como de todo o imaginário que o indivíduo tem de determinada história.
Por sua vez, o termo telling busca se referir a uma das possíveis versões da narrativa ou história sob a posse de um narrador em específico, travestida de uma forma escolhida deliberadamente e de forma intencional, que pode ser um livro, um roteiro, dentre tantos outros meios passíveis de conter o conteúdo (PALACIOS; TERENZZO, 2016).
Na linha do exposto, o story corresponde ao conteúdo narrativo de uma história, a sua substância, expressa, assim, o seu viés material, ao passo que o telling busca apor a essa mensagem um molde, uma forma, um modo de se expor a narrativa, representando o viés formal.
Ao fazer uma interessante analogia entre o storytelling e uma fogueira, Palacios e Terenzzo (2016) explicam que o story é como o fogo, o qual não pode ser, por si, domado, assim como o conteúdo narrativo que se encontra desorganizado, mas existente, na mente do narrador. Já o telling se assemelha à lenha dessa fogueira, porquanto ela possibilitar a manipulação do fogo, por meio do controle da sua intensidade e localização, viabilizando a organização, provida de intencionalidade, das chamas vivas das histórias.
Portanto, à luz dos dois termos que compõem a expressão em estudo, o storytelling, em uma análise primeva, pode ser apresentado como uma narrativa composta por uma história, ficcional ou não, encontrada primeiramente na mente do narrador, o qual elege um meio formal, caracterizado por ser deliberado e assertivo, para exprimir ao mundo exterior esse conteúdo narrativo (PALACIOS; TERENZZO, 2016).
Avançando para inserções conceituais que se voltam diretamente para a expressão storytelling, Xavier (2015) elenca três concepções acerca do tema, quais sejam: definição pragmática; definição pictórica; e definição poética. Cada uma delas exposta doravante.
Pela definição pragmática, se entende que storytelling é um modo técnico, mas também artístico, de se organizar, por meio do encadeamento estruturado, cenas de uma história, de modo que ela há de capturar a atenção da audiência, por meio do envolvimento, para que, ao cabo, provoque nas pessoas uma compreensão acerca da mensagem central (XAVIER, 2015).
De outro prisma, a definição pictórica se vale da imagem de um quebra-cabeças, para constatar que o storytelling é o ato de se moldar, juntar e organizar as peças de um quebra-cabeças, com o fito de construir uma peça única – um quadro – marcante e memorável (XAVIER, 2015).
Por fim, do ponto de vista da definição poética, o storytelling pode ser entendido como o processo de empilhamento de tijolos narrativos, objetivando a construção de estruturas imagéticas que são alimentadas por significados (XAVIER, 2015).
É válida a pontuação, com o objetivo de aclarar o entendimento das definições alhures, de que todas essas acepções partem da premissa de que o storytelling não se limita a uma técnica ou ferramenta tão somente, mas transcende para o campo da arte, posto que, na visão de Xavier (2015), não se poderia apartar tais conteúdos narrativos – histórias – do teor e zelo artístico.
Partindo de uma premissa diversa, fundamentalmente técnica, há o conceito expressado por Núñez (apud XAVIER, 2015), para quem o storytelling é um instrumento de comunicação, a ser utilizado por um narrador de uma história, que, a partir de um aparato ferramental, objetiva estruturar essa comunicação, alocando os acontecimentos de uma história em sequência, de modo que eles possam tangenciar os sentidos e as emoções da audiência.
Núñez (apud XAVIER, 2015) ainda faz uma relevante observação em complementação, ao ensinar, em síntese, que tal ferramenta, por sua própria natureza, ao ser utilizada pelo expositor da narrativa, busca expressar uma verdade, a qual tencionará indicar um sentido para a vida das pessoas que têm contato com a história.
2.1 Fundamentos Caracterizadores do Storytelling
Superadas as questões conceituais do tema em comento, cumpre, agora, lançar fundamentos, ou seja, pontos de identificação, os quais valem como marcas distintivas do storytelling de outras técnicas de utilização de narrativas eventualmente existentes.
Nessa ordem de ideias, para que se haja caracterizado o storytelling, Palacios e Terenzzo (2016) estabelecem cinco elementos que podem nortear a identificação da técnica. São eles: protagonismo, tensão, ensinamento, significado e verdade humana.
Dessa forma, para que reste, na aplicação prática, configurado o devido uso da técnica do storytelling, faz-se necessário a verificação da ocorrência dos cinco elementos fundamentais acima especificados, os quais serão devidamente explicados adiante.
O primeiro fundamento característico do storytelling, qual seja o protagonismo, expõe o fato de que toda história, seja ficcional ou não, possui ao menos um personagem, realidade que não pode ser desconsiderada pelo narrador. Deste modo, a narrativa há de conter um núcleo de personagens, ao passo que um deles deve se sobressair, visto que o protagonista será o responsável por conduzir o receptor da história (PALACIOS; TERENZZO, 2016).
Já a tensão é o atrito entre as intempéries que obstaculiza a jornada do personagem, e o seu objetivo, que é o que o compele na história. Nesse sentido, a narrativa precisa, necessariamente, de atitudes do protagonista. Noutra sorte, a história reclama infortúnios para esse personagem, a fim que a narrativa tenha longevidade (PALACIOS; TERENZZO, 2016).
O terceiro elemento, que é o ensinamento, perfaz-se no conteúdo moral da narrativa.
Tal elemento está umbilicalmente ligado a própria essência das histórias, visto que essas narrativas encontram sua razão de ser na característica de explicitar uma verdade a ser aceita e vivida pelo receptor, a qual transforma a sua vida, de maneira que, para que encontre validade e coerência dentro da própria história, essa verdade transformadora - ou ensinamento - precisa ser vivenciada pelo protagonista (PALACIOS; TERENZZO, 2016).
O significado, quarto fundamento do storytelling, reflete a ideia de que toda história objetiva trazer apaziguamento ao caos, tanto encontrado no mundo, quanto o contido na mente do humano. Assim, a história deve prover sentido lógico às vicissitudes da realidade posta (PALACIOS; TERENZZO, 2016).
Em arremate, a verdade humana, significa uma espécie peculiar de verdade, que é a verdade incontestável, compreensão que tem, como pano de fundo, a premissa de que há uma similaridade entre todos os humanos, que podem perceber e sentir, em graus distintos, o conteúdo moral invocado na história (PALACIOS; TERENZZO, 2016).
Diante de todo o exposto, resta evidenciado que, para que haja o storytelling, faz-se necessário que a narrativa observe os elementos fundamentais expostos e explicados alhures.
3. O STORYTELLING APLICADO À NARRATIVA DOS FATOS NA PETIÇÃO INICIAL
Aplicado a ferramenta do storytelling à temática proposta, denota-se que o início de qualquer ação judicial ocorre com a narrativa dos fatos, de maneira que no direito penal é a denúncia ou a queixa-crime que inicia a ação. Já, no direito do trabalho, é a reclamação trabalhista. Por seu turno, no direito civil a petição inicial inaugura o processo. A última será o objeto central desse estudo, o que não impede a utilização do storytelling nas demais.
Os requisitos para a elaboração da petição inicial estão elencados no artigo 319 e seguintes do Código de Processo Civil, merecendo destaque a primeira parte do inciso III, “o fato e os fundamentos jurídicos do pedido”.
No tópico dos fatos deverá constar toda a história que culminou na necessidade de buscar a tutela jurisdicional, de forma cronológica, concisa, clara e que seja interessante para o leitor. A história narrada nos fatos, em apertada síntese, deverá mostrar qual o direito tutelado, se este foi ou está na iminência de ser violado e como a vida do Autor foi afetada por essa violação.
Contextualizando, Palacios e Terenzzo (2016) identificaram aqueles cinco fundamentos que podem servir para tornar mais robusta a petição inicial: protagonismo; tensão; ensinamento; significado; e verdade humana.
Vale lembrar que toda história possui personagens e, na narrativa dos fatos, não será diferente. Teremos Autor e Réu, além de outras possíveis personagens.
Para Palacios e Terenzzo (2016, p. 101) “desses, um vai se destacar e será o veículo capaz de pegar quem estiver atento pelas mãos e conduzir pela narrativa, até mergulhar completamente naquele universo”.
É muito importante que o protagonismo na petição inicial seja exercido pelo Autor, até porque não faria sentido ser diferente. O Réu, por sua vez, será o antagonista, o personagem que causa a dor do protagonista, que age em desacordo com a legislação, o violador do direito.
O segundo fundamento é a Tensão, caracterizada pela dor do Protagonista-Autor e pelos desafios que enfrentará na busca por seu objetivo. A dor é, em tese, causada pelo Réu, e os desafios poderão vir por eventual obscuridade da legislação, pela divergência jurisprudencial, pela dificuldade interpretativa ou pela morosidade do judiciário, por exemplo.
O Ensinamento, terceiro fundamento, definido por Palacios e Terenzzo (2016, p. 103) como “algo que ele [o protagonista] precisa aprender para ser bem-sucedido e conseguir atingir seu objetivo”, virá na parte dos fundamentos jurídicos da petição inicial, e, diferente da abordagem clássica, deverá ser transmitido pelo Protagonista-Autor de maneira clara e explícita, a fim de que o leitor se convença do direito pleiteado.
O quarto fundamento é o Significado e, de acordo com Palacios e Terenzzo (2016, p. 104), “a função da narrativa é ordenar o caos do mundo e das mentes para que ele faça sentido”. Para os autores, toda história possui uma disputa e “uma narrativa só é capaz de comprovar uma hipótese como ‘o bem sempre vence’ se mostrar o lado negro vencendo algumas batalhas”.
Aplicando o fundamento do Significado à petição inicial, observa-se que o Réu, o lado teoricamente mau, está momentaneamente vencendo a guerra, uma vez que sua violação ao ordenamento jurídico gerou uma consequência dolorosa ao Protagonista-Autor no mundo dos fatos, que busca pela condenação de seu algoz, no âmbito jurídico, para fins de evidenciação posterior na realidade fática.
No âmbito do aspecto da Verdade Humana, quinto fundamento que pode ser identificado, é de se destacar que Palacios e Terenzzo (2016) esclarecem que é imprescindível que a emoção do autor-escritor seja sincera, elucidando, ainda, que “o autor precisa ser capaz de sentir empatia e entender o ponto delas [as personagens]”.
É necessário diferenciar o Protagonista-Autor do Autor-Escritor.
O Protagonista-Autor é o cliente que toma os serviços de um advogado. Sendo retratado na petição inicial como o Autor, é o protagonista; já o Autor-Escritor é o advogado contratado, ou seja, quem irá redigir a peça inaugural e contar a história, é o escritor.
Assim, a referência à empatia do autor alude ao advogado, que deverá ter a capacidade de se ver no lugar do cliente, Protagonista-Autor, compreendendo as suas atitudes, para então conseguir traduzi-las com verdade para o leitor (judiciário).
3.1 A Jornada do Herói na Construção da Narrativa dos Fatos
Vale relembrar que, de acordo com Palacios e Terenzzo (2016), o storytelling pode ser apresentado como uma narrativa composta por uma história, ficcional ou não, ou seja, ele é uma metodologia, uma forma de contar a história. Já a Jornada do Herói é um arco narrativo, está ligado à estrutura da história, como ela é organizada cronologicamente, em que momentos existirão pontos de tensão, por exemplo.
A jornada do herói foi apresentada por Joseph Campbell, no livro “O Herói de Mil Faces”, originalmente dividida em 3 (três) atos: a partida, a iniciação e o retorno, que se subdividiam em 17 (dezessete) estágios.
Posteriormente, Christopher Vogler, no livro “A Jornada do Escritor”, adaptou a jornada do herói reduzindo-a para 12 (doze) estágios, que serão apresentados neste trabalho.
Para Vogler (2006, p. 44) a jornada do herói é flexível e pode ser adaptada de acordo com cada história. Ele destaca que:
A Jornada do Herói é uma armação, um esqueleto, que deve ser preenchido com os detalhes e surpresas de cada história individual. A estrutura não deve chamar a atenção, nem deve ser seguida com rigidez demais. A ordem dos estágios que citamos aqui é apenas uma das variações possíveis. Alguns podem ser eliminados, outros podem ser acrescentados. Podem ser embaralhados. Nada disso faz com que percam seu poder.
A petição inicial narrará os fatos ocorridos até o momento da propositura da ação judicial, e nem sempre conseguirá abordar todas as estações da jornada do herói, uma vez que essa jornada só terá fim quando o Protagonista-Autor conseguir a reparação pelos danos causados pelo Antagonista-Réu.
As estações da jornada do herói, apresentadas por Vogler (2006, p. 39) (quais sejam, mundo comum, chamado à aventura, recusa do chamado, encontro com o mentor, travessia do primeiro linear, testes, aliados, inimigos, aproximação da caverna oculta, provação, recompensa, caminho de volta, ressureição e retorno com o elixir) serão abordadas a seguir relacionando-as com a narrativa dos fatos na petição inicial.
Mundo Comum pode ser compreendida em como era a vida do Autor antes das intempéries causadas pelo Réu. Por exemplo, em se tratando de um erro médico, o escritor-advogado poderá expor como era a vida do Protagonista-Autor antes das limitações ou privações causadas por tal equívoco.
Já no Chamado à Aventura, a aventura não será algo agradável como em um conto de fadas. Pelo contrário, possivelmente, será dolorosa. O chamado ocorre quando o Protagonista-Autor ingressa na esfera de convivência do Réu. Na hipótese do erro médico, o chamado ocorrerá quando o Protagonista-Autor buscar atendimento com o médico-Réu. Em outro exemplo, em se tratando de multa tributária, o chamado ocorrerá quando se iniciar a relação com o fisco.
Dificilmente a estação da Recusa do Chamado será aplicada à petição inicial, tendo em vista não ser relevante incluir na história a hesitação do Protagonista-Autor em buscar reparação pelos danos causados.
O Encontro com o Mentor pode ser o encontro com o advogado que o orientou a tentar uma solução extrajudicial, ou até mesmo o conhecimento prévio do Protagonista-Autor acerca do assunto. É possível que o mentor seja um terceiro ou a consciência daquele.
No momento da Travessia do Primeiro Linear, o herói, Protagonista-Autor, entende a necessidade de embarcar em uma jornada para obter reparação pelas violações que lhe foram causadas.
Testes, Aliados, Inimigos trata-se de uma tentativa de solução amigável extrajudicial, por exemplo. O primeiro teste seria caracterizado por ser infrutífera, por exemplo. Os aliados seriam as testemunhas capazes que comprovar as alegações do Protagonista-Autor, o advogado e os serventuários do Judiciário. Os inimigos seriam os Réus e suas testemunhas.
Na hipótese de aproximação da Caverna Oculta, Vogler (2006, p. 39) define a caverna oculta como o “quartel-general do seu maior inimigo”. Seria então, o local onde o Protagonista-Autor estabeleceu relação com o Réu. Em um erro médico, a clínica ou hospital. Ou sobre outra ótica, a própria ciência médica de que tem maior ciência o Réu do que o Protagonista-Autor.
Já na fase de Provação, Vogler (2006, p. 39) ensina que o Protagonista-Autor “é levado ao extremo numa batalha contra uma força hostil”. Trata-se do próprio dano e/ou a violação ao direito. Não obstante, é de relevo notar como a ordem das estações não tão importante, pois a provação, o dano, a violação, cronologicamente, vieram antes do encontro com o mentor e antes dos testes.
Por sua vez, na fase de apanhar a espada, o escritor-advogado terá maior dificuldade em aplicar as estações seguintes, caminho de volta, ressureição e retorno com o elixir, uma vez que após a provação (dano, violação) o Protagonista-Autor ainda não obteve recompensa.
De relevo destacar que o Caminho de Volta ocorrerá durante o curso do processo, já que este é o instrumento para fins de alcance do objetivo final, qual seja, o Retorno com o Elixir.
A fase da Ressureição, pode se dar na hipótese de uma sentença de improcedência, de maneira que o Escritor-Advogado, através de recurso próprio, consegue reverter o resultado negativo e alcançar a procedência dos pedidos formulados na petição inicial.
Por fim, o retorno com o Elixir ocorrerá durante o curso do processo, notadamente na ocasião em que o representado percebe que seu escritor-advogado alcançou o resultado favorável na ação.
À luz da teoria apresentada nos referenciais teóricos, denota-se que por meio da pesquisa hipotética-dedutiva, exploratória, descritiva e bibliográfica, o storytelling como estratégia de persuasão na narrativa dos fatos na petição inicial, se revela eficaz no âmbito do Direito Civil e do Direito Processual Civil, visto que se trata de um relevante meio de elucidação dos fatos ocorridos no momento concreto, para fins de enquadramento do Direito, objetivando-se uma correta compreensão do interlocutor julgador, visando desconstituir a possível violação imposta pela parte contrária.
Como já exposto acima, as estações são mutáveis e flexíveis, sua ordem pode ser alterada e adaptada. O roteiro apresentado é uma possível combinação, ele não é o texto final da narrativa dos fatos. O roteiro servirá apenas para o escritor-advogado conduzir e construir sua narrativa.
Diante do exposto, é possível verificar que nem todas as estações virarão parágrafos em seu texto, algumas servirão apenas para nortear o escritor-advogado, outras serão frases curtas que situarão o leitor no espaço e no tempo.
Percebe-se que a jornada do herói e o próprio storytelling cuidam-se de uma forma de contar histórias, e pode ser aplicada pelo advogado em diversos momentos, podendo também ser adaptada por ele(a), moldando-a à narrativa dos fatos na petição inicial, conforme preleciona Sales (2020, p. 31):
O processo de conhecimento é essencialmente fato, ou seja, o acontecimento que gerou a lide e, consequentemente, o processo. E o bom advogado deve ser, antes de tudo, um bom contador de estórias. Tem que saber passar para o processo todos os detalhes importantes do acontecido, sem se perder na narrativa, mas de uma maneira contida, sintética, sem ser prolixo.
Com efeito, seguindo a linha de raciocínio de Sales (2020) podemos notar que, se o advogado precisa ser um bom contador de histórias, ele precisa de técnicas que o auxiliem para estruturar essa história, compreendendo-se o Storytelling como uma metodologia razoável e adequada ao Direito Civil e Processual Civil e a Jornada do Herói como arco narrativo capaz de auxiliar o escritor-advogado a estruturar a narrativa dos fatos na petição inicial, para prender a atenção do leitor (Poder Judiciário), despertando a empatia deste, na tentativa de obtenção de uma análise favorável de mérito.
Advogados são eternos contadores de histórias porque no desempenho de seu trabalho precisam, reiteradamente, contar e reportar fatos. O grande desafio desse profissional, em meio a tantas demandas judiciais, é apresentar uma história que conecte e convença o julgador acerca do direito pleiteado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa pesquisa buscou refletir sobre o uso do storytelling pelos advogados na narrativa dos fatos em petições iniciais como estratégia de persuasão. Poucos trabalhos acadêmicos se dedicam a explorar o uso dessa técnica voltada para as petições iniciais e foi esse olhar proposto.
Observamos que esse tipo de produção é capaz de despertar sentimentos e emoções no julgador, acionados pela humanização do relato e pela forma como os personagens (Autor e Réu) são representados, fazendo com ele se identifique com o relato e se sensibilize com a causa do Autor.
Assim, enquanto na petição inicial convencional os fatos são meramente expostos, numa narrativa com uso de storytelling há um empenho para recriar as cenas e contextualizar os personagens de modo que os fatos são narrados para compor uma história humanizada, na qual o Autor é vítima do Réu violador do direito.
Além da observância dos fundamentos do storytelling na elaboração da petição inicial, uma das melhores estruturas que pode ser utilizada é a “Jornada do Herói”, que é uma ferramenta composta de 12 etapas. Todavia, o advogado-escritor não conseguirá aplicar todas as etapas e abordar todas as estações da jornada do herói (Autor), pois está só terá fim quando ele conseguir a reparação pelos danos causados pelo Antagonista (Réu).
Por se tratar de uma ferramenta muito flexível, o advogado poderá desenvolvê-la e adaptá-la para melhor atender aos objetivos traçados.
Considerando-se que a petição inicial tem por finalidade demonstrar os fatos ocorridos e convencer o julgador acerca do direito litigado, conclui-se o a utilização de técnicas de storytelling em sua elaboração é importante instrumento de persuasão, que deve ser adaptado de maneira estratégica pelo advogado, de modo a despertar a atenção do julgador e propiciar uma conexão emocional que provoque o seu convencimento acerca do direito do Autor.
-----------------------------
AMORIM, Vanessa de Oliveira; COSTA, Rogério Monteles da; REBOUÇAS, Marcus Vinícius Nogueira. Storytelling como estratégia pedagógica para educação jurídica. Disponível em:
FREIRE, Paulo – Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra. Pp.57-76. 1996
GOUVÊA, L. H. M. Argumentação pela emoção: um caminho para persuadir. Rio de Janeiro: UFRJ, 2017.
MCSILL, James. Lições de Storytelling: o best-seller. DVS Editora. São Paulo. 2017.
PALACIOS, Ernando; TERENZZO, Martha. O guia completo do Storytelling. Alta Books. Rio de Janeiro. 2016.
PASCAL, B. (1658). De I'esprit geométrique. Em M. L. Brunschvicg (1942) (Org.) Blaise Pascal: pensées et opuscules. Paris: Librairie Hachette, terceira parte, c.15,184-185.
PEREZ, Luana Castro Alves. "Linguagem e persuasão"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/redacao/linguagem-persuasao.htm. Acesso em 12 de julho de 2022
SALES, Fernando Augusto de Vita Borges de. Manual de prática processual civil / Fernando Augusto de Vita Borges de Sales. – Leme, SP: JH Mizuno, 2020.
VOGLER, Christopher. A jornada do escritor: estruturas míticas para escritores. Tradução de Ana Maria Machado. – 2.ed. Rev. Amp. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006
XAVIER, Adilson. Storytelling: histórias que deixam marcas. 1ª ed. Best Business. Rio de Janeiro. 2015.