Há 100 anos, um médico recebia de seu paciente a seguinte sentença: "Doutor, não há mais nada a fazer". O paciente era Ruy Barbosa, que em fevereiro de 1923, sofreu uma paralisia bulbar.
Ruy, antes de ser um jurista, era um intelectual. Baiano, considerado pelos seus tutores um gênio desde a sua infância, iniciou a faculdade em Recife, então uma das duas únicas faculdades de Direito do Brasil, juntamente com a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em São Paulo, para onde se transferiu dois anos depois, com seu colega, o príncipe dos poetas, Castro Alves.
Ruy, que bom ou mau, também era poeta, foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Em vida organizou uma invejável biblioteca, com quase 80 mil tomos, adquirida pelo governo brasileiro em 1924. Dentre as obras mais antigas da sua coleção destacam-se a Divina comédia, de Dante, precioso incunábulo, editado em 1481 por Landino e a 1ª edição da Crônica de D. João I, de Fernão Lopes, editada em 1644.
Além de advogado também se destacou em outros ofícios, como jornalista, escritor, político e diplomata, chegando a representar o Brasil na Conferência de Haia em 1907.
Do alto de seus 1,51m de altura Ruy esteve à frente de grandes movimentos da política brasileira. Sua principal briga no primeiro terço da vida pública foi pela Abolição da escravatura. Uma luta que claro não foi só dele. Mas, quando começou, estava sozinho.
Em uma das suas dezenas de frases afirmou: A palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade. De fato, era, tanto que derrubou a monarquia com um artigo. Publicado em 1989 em um jornal carioca; “Seu artigo de hoje, ‘Plano contra a Pátria’, fez a República, e me convenceu da necessidade imediata da revolução”. (Benjamin Constant)”
Após a Proclamação da República, Deodoro da Fonseca se torna o primeiro presidente do Brasil e Ruy torna-se o primeiro ministro da fazenda.
Enquanto ministro, mandou queimar todos os livros e documentos com as matrículas dos escravos no cartório. Decisão que até hoje atrai crítica por parte dos historiadores uma vez que pode ser enxergada como uma tentativa de apagamento do passado escravocrata do país. Fato é, que onze dias após a “queima” os senhores de escravos entram com uma ação coletiva contra o governo brasileiro pleiteando indenização pelos escravos que perderam. Só não levaram porque não tiveram como provar visto que não havia mais documentos. Para Ruy, se alguém tivesse que ser indenizado, este alguém seria o escravo.
Ainda como ministro tentou incrementar, de forma avessa, uma agenda neo-liberal no país, avessa, pois o tiro saiu pela culatra. Isto porque através da política do encilhamento (google it), deu-se permissão aos bancos privados para que, eles próprios, e não o banco central, emitissem papel-moeda, o que fez chover dinheiro sem lastro no Brasil.
O fracasso desta medida foi tão grande que Ruy se candidatou à presidência quatro vezes e não levou nenhuma. Conseguiu inclusive perder as eleições de 1910 para um candidato horrivelmente pior que ele, Hermes da Fonseca, sobrinho de Deodoro, chamado pelos seus adversários de “homem de completa nulidade mental”.
Ainda, redigiu, junto com Prudente de Mores, a primeira constituição Brasileira, de 1891. Anos depois, também ajudou que o país, concluísse o código de 1916. Um marco da lei civil.
Em 1920, já debilitado e tendo abandonado as campanhas eleitorais, convidado na condição de paraninfo de uma turma da Faculdade de Direito de São Paulo, Ruy escreveu um de seus textos mais famosos a "Oração aos Moços", texto no qual oferece reflexões sobre o papel do advogado.
Uma das principais lições desse texto é a de que cabe ao advogado: inteirar-se, desenvolver-se, apurar-se. Outra citação que faz referência ao mesmo texto de Ruy e lembrado por José Roberto de Castro Neves na obra “Como os advogados salvaram o mundo”, e de imensa atualidade: “Vulgar é o ler, raro é o refletir."
Ruy de fato foi considerado por muitos como “a maior mentalidade da nação”, pelo menos em sua época, entretanto sempre esteve longe da perfeição. Antivacina (varíola) e economicamente atrapalhado, Ruy Barbosa tinha quase tantos defeitos como tinha livros: e tinha muitos livros.
Por fim conseguiu arrumar polemica até depois de sua morte, já que a própria gravia de seu nome e questionada. Sérgio Nogueira explica que, em 1943, as letras K, Y e W foram excluídas do abecedário da língua portuguesa oficial. Assim a partir da década de 40, a grafia do Rui, que na sua origem era com Y, passou a ser com I. "De lá para cá, fica essa polemica. Uns põem o 'i', outros respeitam a certidão."
De pronto adiantamos que, aqui respeitamos a certidão de nascimento, assim: Ruy, feliz 100 anos de eternidade.