O empregador detém o poder diretivo na relação de emprego, mas esse poder deve ser exercido com a cautela necessária, a fim de não permitir o descumprimento da legislação em vigor, notadamente para que não sejam violados direitos fundamentais de seus colaboradores previstos na Constituição, como é o caso do respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no inciso III, do art. 1º.
Ingo Wolfgang Sarlet ensina que “temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”1
Preconiza também a nossa Lei Maior a igualdade de tratamento entre homens e mulheres (art. 5º, caput e inciso I), e que o Estado tem o dever de “promover o bem de todos”, ou de prevenir e eliminar as formas de intolerância e discriminação (art. 3º, inciso IV, da CF).
O ambiente de trabalho encontra-se inserido neste contexto.
Em consonância, especialmente, com as diretrizes acima, no dia 21 de setembro do ano passado foi publicada a lei 14.457/22, que instituiu o “Programa Emprega + Mulheres”, destinado à inserção e à manutenção de mulheres no mercado onde ocorre a prestação de serviços, sendo estabelecidas regras de “prevenção e combate ao assédio sexual e a outras formas de violência no âmbito do trabalho”. No art. 23 consta:
“Art. 23. Para a promoção de um ambiente laboral sadio, seguro e que favoreça a inserção e a manutenção de mulheres no mercado de trabalho, as empresas com Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (Cipa) deverão adotar as seguintes medidas, além de outras que entenderem necessárias, com vistas à prevenção e ao combate ao assédio sexual e às demais formas de violência no âmbito do trabalho:
I - inclusão de regras de conduta a respeito do assédio sexual e de outras formas de violência nas normas internas da empresa, com ampla divulgação do seu conteúdo aos empregados e às empregadas;
II - fixação de procedimentos para recebimento e acompanhamento de denúncias, para apuração dos fatos e, quando for o caso, para aplicação de sanções administrativas aos responsáveis diretos e indiretos pelos atos de assédio sexual e de violência, garantido o anonimato da pessoa denunciante, sem prejuízo dos procedimentos jurídicos cabíveis;
III - inclusão de temas referentes à prevenção e ao combate ao assédio sexual e a outras formas de violência nas atividades e nas práticas da Cipa; e
IV - realização, no mínimo a cada 12 (doze) meses, de ações de capacitação, de orientação e de sensibilização dos empregados e das empregadas de todos os níveis hierárquicos da empresa sobre temas relacionados à violência, ao assédio, à igualdade e à diversidade no âmbito do trabalho, em formatos acessíveis, apropriados e que apresentem máxima efetividade de tais ações.
§ 1º O recebimento de denúncias a que se refere o inciso II do caput deste artigo não substitui o procedimento penal correspondente, caso a conduta denunciada pela vítima se encaixe na tipificação de assédio sexual contida no art. 216-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), ou em outros crimes de violência tipificados na legislação brasileira.”
Seguindo a determinação contida na lei 14.457/22 o Ministério do Trabalho e Previdência editou, em 20/12/22, a Portaria 4.219, restando estabelecido que até o dia 20 de março do ano em curso, quando a norma entra em vigor, as organizações obrigadas a constituir CIPA nos termos da NR 5, adotarão regras claras acerca das medidas acima citadas “além de outras que entenderem necessárias”, visando a “prevenção e ao combate ao assédio sexual e às demais formas de violência no âmbito do trabalho”.
Não é demais realçar que o assédio sexual no ambiente de trabalho gera impacto negativo não apenas para os empregados, mas também para os empregadores, que ficam com a imagem e a reputação afetadas.
Destaca-se que as empresas que já possuem canais de denúncia, em razão de políticas de combate ao assédio e à violência nos termos apontados, como códigos de ética e de conduta, devem ajustar os seus instrumentos às disposições da nova Lei e da Portaria, inclusive, quanto à obrigatoriedade de treinamento e capacitação dos empregados de todos os níveis hierárquicos.
É imprescindível que o canal de denúncia assegure o sigilo das informações.
As organizações destinatárias das normas implementarão as medidas impostas, no prazo fixado, sob pena de serem atuadas pelo Ministério do Trabalho e Previdência, sem contar que podem responder por danos morais individuais e coletivos, sujeitando-se, até mesmo, a eventual pleito de rescisão indireta do contrato de trabalho.
Aliás, recomenda-se que todos os empregadores, e não apenas aqueles identificados nas normas, adotem as regras de “prevenção e ao combate ao assédio sexual e às demais formas de violência no âmbito do trabalho”, o que certamente contribuirá para a existência de um ambiente de trabalho mais saudável.
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1 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado. p. 60