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Interpretação Conforme e a zona de penumbra entre o TST e o STF

Uma abordagem teleológica sobre a positivação da competência especifica de cada Tribunal Superior, sem sobreposição de funções

7/3/2023

Com a implantação das Cortes Superiores na Europa, iniciaram-se questionamentos a respeito da competência revisional e interpretativa, em cada caso pontual. Ou seja, tentou-se arrefecer sobreposições de julgamentos referentes ao controle de constitucionalidade de normas infraconstitucionais europeias. Nesse viés, especificamente na Itália, no período pós-guerra, inseriu-se a possibilidade da utilização da Interpretação Conforme, quando ocorrer colisões de competências entre a Corte Constitucional e a Corte de Cassação italianas. Nessa linha, quando as duas Cortes tivessem o mesmo poder de decisão e não concordarem em compartilhar dos mesmos interesses coletivos, poderia haver conflitos em relação à segurança jurídica, uma vez que ambas detinham a possibilidade revisional e interpretativa. Destarte, com o intuito de arrefecer crises jurídicas na Itália, priorizou-se o aproveitamento máximo de normas infraconstitucionais polissêmicas, com o intuito de privilegiar a ação de Poder Legislativo nacional – fato que difundiu pela Europa a importância da Interpretação Conforme para o Controle de Constitucionalidade. Nessa toada, segundo a jurisprudência magna, “A interpretação conforme a Constituição é um método de salvamento da norma infraconstitucional, pela qual o intérprete alarga ou restringe o sentido dela, para colocá-la em consonância com a Constituição, evitando o descompasso com os preceitos da Carta Maior e a sua consequente decretação de nulidade.

Nessa linha de pensamento, trazendo esta problemática para o Brasil atual, é nítida a complexidade de competências das Cortes Superiores como TST, STJ e o STF.  Inicialmente, deve-se argumentar sobre a diferença entre a função interpretativa e a função revisional, pois pode ocorrer conflitos nos julgamentos de inconstitucionalidades de leis e atos normativos. Assim, de acordo com o artigo 102 da Constituição Federal o STF tem a função precípua da guarda constitucional, sendo um órgão interpretativo supremo. Todavia, pode-se dissertar que, em alguns casos, podem ocorrer contraposições de competências positivas no tocante ao TST e STJ, criando uma zona de penumbra de atribuições positivadas. Um exemplo disso, foi o julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o ADC 48, com a aceitação da inconstitucionalidade da lei 11.442 (do transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros) usurpando a competência do TST para a tratativa. Nesse contexto, foi proposta na ação a não configuração de emprego e a remessa para à justiça comum para o julgamento do mérito. Nessa toada, para o jurista Luiz Guilherme Bittencourt Marinoni, “Quem deveria julgar a questão específica e inicial sobre Direito do Trabalho deveria ser o TST, pois é o órgão interpretativo perfeito, no tocante a leis infraconstitucionais trabalhistas. Além disso, o STF somente deveria utilizar de sua competência meritória, quando for criar precedentes vinculantes e não haja outra possibilidade de aproveitamento normativo”.

Ademais, para muitos doutrinadores, ocorreu também uma sobreposição de competências no julgamento da Súmula 331 do TST (sobre a lei de terceirização), uma vez que o STF julgou constitucional a inversão do ônus da prova do artigo 373 do NCPC, trazendo à tona toda a discussão sobre a competência funcional ser do TST. Explicando melhor, quando uma prefeitura, por exemplo, utiliza-se da licitação de uma firma terceirizada e esta não efetua o serviço de forma adequada, pode ocorrer a demonstração de culpa in vigilando. Nesse sentido, há a possibilidade, no caso de omissão da contratada, de ser responsabilizada subsidiariamente o ente político. Anteriormente, foi fixado por jurisprudência que o ônus probatório era de procedência do poder público, pelo fato de ser o ente fiscalizador próprio no caso concreto. No entanto, o STF divergiu desta propositura e transferiu a função à parte contrária em provar a ineficiência. De acordo com o tema 1.118 do STF” Ônus de prova acerca de eventual conduta culposa na fiscalização de obrigações trabalhistas de prestação de serviços, para fins de responsabilização subsidiária da Administração Pública, em virtude de tese firmada no RE 760.931”.

Outrossim, faz-se necessário discutir sobre a utilização do controle difuso ou de exceção aceito pelos Tribunais brasileiros, uma vez que cada juiz singular pode interpretar uma determinada lei ou ato normativo, de forma diversificada, podendo gerar excessividade de recursos. Nessa perspectiva, muitos acreditam que, quanto mais próxima da demanda o magistrado está, mais condizente é justo será seu julgamento. Todavia, para alguns, deveria haver um limite interpretativo, evitando-se o abarrotamento dos Tribunais Superiores e o bis in idem de diversos conflitos judiciais. Por conseguinte, a grande questão a ser dirimida pelas instâncias superiores é, se há maior validade na especificidade e pontualidade ou dever-se-ia privilegiar a celeridade das soluções de mérito. Finalmente, quando uma lei é julgada inconstitucional por determinado Tribunal de um Estado, por exemplo, pode, paradoxalmente, outro ente político propor a aprovação de outra lei com o mesmo conteúdo. Ou seja, a Constituição sempre reafirmou a separação dos poderes e o respeito as funções típicas e atípicas de cada poder, contudo, não seria viável a utilização dos motivos determinantes para que se evite sobreposições legislativas? Segundo o Informativo 808 do Supremo Tribunal Federal, “o STF NÃO admite a “teoria da transcendência dos motivos determinantes. Isso porque, de acordo com a teoria restritiva, adotada pelo Supremo, apenas o dispositivo da decisão produz efeito vinculante. Assim, os motivos invocados na decisão (fundamentação) não são vinculantes”. Enfim, ainda não há consenso no que concerne a respeito dessa teoria por grande parte da doutrina que contesta a repetição legislativa de normas idênticas constitucionais.

Uma última tratativa deve ser dissertada em relação à zona de penumbra entre os Tribunais Superiores e o STF – a questão do filtro da repercussão geral sobre a interposição dos Recursos de Revista. Explicando melhor, o STF inseriu estes filtros de transcendência social, jurídico, político de cunho subjetivo, para a impetração desses recursos no TST. Ocorre que, no Direito Processual, existe o princípio da primazia da solução de mérito, sendo que a filtragem da repercussão geral pode se tornar um empecilho para a revisão de muitos processos trabalhistas. Nesse diapasão, as questões não resolvidas em Recurso de Revista podem ser levadas ao STF por meio da ação reclamatória, gerando sobreposição de competências TST e STF. Por conseguinte, o STF estaria utilizando de uma função revisional e não interpretativa própria neste caso supracitado.

Diante do exposto, infere-se que as instâncias superiores, em respeito à segurança jurídica e aos Direitos fundamentais, deveriam agir impedindo sobreposições de competências, atuando em cooperação processual. Nessa toada, é fato que a Constituição Federal de 1988 inseriu em seu texto cada competência específica do TST, STJ e STF, para evitar conflitos positivados e intervenções desnecessárias. Entretanto, toda a argumentação sugere que deve haver um diálogo participativo entre os Tribunais, utilizando-se do julgamento particular de cada órgão para o aproveitamento geral de todas as instâncias, atingindo o ápice processual do interesse coletivo brasileiro. Para finalizar, segundo o constitucionalista alemão Peter Häberle “O paradigma da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição significa que cada cidadão e cada partido político que vive na Constituição são co-intérpretes desta Constituição”.

Joseane de Menezes Condé
Discente de Direito Anhanguera, estagiária do TRT 15, coautora do Livro Direito do Trabalho- Impactos da pandemia e das Revistas Judiciais TRT 15 e TRT 6 de 2022 e estuda pós graduação na Damásio.

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