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Compressas deixadas em pacientes configura-se erro médico?

Cabe aos profissionais que são responsáveis pela defesa médica do Hospital ou do médico cirurgião demonstrar que foram utilizados todos os meios para se evitar o esquecimento de um corpo como consequência de um ato cirúrgico.

7/3/2023

As compressas cirúrgicas são utilizadas para a preparação e preservação do campo operatório, ou seja, do local do corpo do paciente onde será feita a cirurgia.  

O esquecimento de um corpo estranho dentro da cavidade abdominal é um fato que tem sido registrado na literatura. No entanto, esses relatos são escassos, muito provavelmente pela possibilidade do envolvimento médico-legal. Está registrada na literatura a ocorrência de um caso em cada 1.000 a 1.500 laparotomias, podendo acontecer erosão da parede gastrintestinal e a penetração do corpo estranho para dentro do intestino com sua posterior eliminação. O período para a descoberta de corpos estranhos é muito variável, mas em cerca de 50% dos casos decorrem  cinco anos ou mais para o seu diagnóstico, e cerca de 40% são detectados no primeiro ano. Existem relatos de casos em que a descoberta se deu entre seis dias e oito meses e, em um caso, em 10 anos.

O primeiro relato de um corpo estranho intra-abdominal após uma laparotomia foi de Wilson, em 1884. Desde então, diversos materiais já foram relatados na cavidade abdominal, tais como agulhas de sutura e óculos da equipe cirúrgica, entre outros. As compressas, partes de instrumentos ou de materiais e até partes de equipamentos cirúrgicos também são esquecidos na cavidade abdominal, sendo descrita uma prevalência de 80% de corpos estranhos de natureza têxtil, como compressas ou campos operatórios. Na atualidade, boa parte dos materiais utilizados no ato operatório possui uma fita radiopaca, facilitando o diagnóstico durante exames radiográficos.

Em princípio, em qualquer tipo de cirurgia pode ocorrer o esquecimento de um corpo estranho, mas esse fato acontece mais frequentemente nas cirurgias digestivas, principalmente nas emergências, nos procedimentos hemorrágicos e nas cirurgias prolongadas. O esquecimento de um corpo estranho é considerado um evento adverso do ato operatório, sendo indesejado, porém nem sempre previsível pois diversos fatores que influenciam na sua ocorrência, como grandes cirurgias, urgências, grandes hemorragias, cirurgias complicadas e longas nas quais as compressas podem ficar “camufladas” entre os órgãos. As compressas, uma vez encharcadas no sangue do paciente, podem ficar pouco visíveis. Ficam menos visíveis ainda se ficarem por trás de algum órgão, o que dificulta a sua visualização.

Nesse sentido temos um Parecer do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo que determina:

“O simples fato de haver esquecimento de um corpo estranho num ato operatório, por si só, não constitui, moral ou penalmente, um fato imputável; a menos que essas situações se repitam em relação a um determinado profissional, o que, por certo, viria configurar-se numa negligência médica.

Os mais hábeis e experimentados cirurgiões não se furtam a reconhecer a probabilidade desses acidentes e a estatística demonstra que todos aqueles que se dedicam a essa espinhosa e tumultuada atividade e mais constantemente os profissionais de longa vivência, incorrem em tais acidentes, embora esporadicamente. Não é exagero afirmar-se que dificilmente um bom cirurgião escapou desse dissabor”.

O procedimento de contagem das compressas não é uma atribuição exclusiva do médico, sendo que na maioria dos serviços hospitalares o ato de contagem das compressas que foram utilizadas é de responsabilidade da equipe da enfermagem.

Levando em conta esses fatores, além dos casos fortuitos e forças maiores (um blackout no hospital, uma tempestade, assalto etc.), caso o paciente sofra algum dano decorrente desse tipo de evento adverso, o hospital tem responsabilidade objetiva (sem avaliação de culpa), tendo o dever de indenizar. Já os profissionais de saúde (médicos e enfermeiros), conforme o §4º, do art. 14, da lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), têm responsabilidade subjetiva, ou seja, será avaliada a sua real culpa.

Porém, a despeito das considerações do Conselho Regional de Medicina, as sentenças judiciais são diversas sendo que a maioria configura que a indenização é devida ao paciente. Vejamos:

“O esquecimento de compressa dentro do corpo de paciente configura erro médico, o que gera o dever de reparar os danos provocados. O entendimento é da 4ª Turma Cível do TJDFT, que confirmou a obrigação de um médico em indenizar uma paciente. O Colegiado ainda majorou o valor da condenação por danos morais e estéticos”

“Os membros da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC) mantiveram condenação de unidade hospitalar e médico por erro durante cirurgia. Os requeridos foram responsabilizados por esquecerem compressa médica e fio de metal dentro do abdômen de uma paciente.

A relatora do caso foi a desembargadora Eva Evangelista, que votou por manter a sentença, determinando, assim, que os reclamados paguem solidariamente: os danos materiais no valor de R$ 1.729,83; os lucros cessantes pelo tempo que a mulher ficou sem trabalhar (de dezembro de 2016 a setembro de 2017); e, R$ 30 mil de reparação extrapatrimonial”

Ainda, temos casos que o evento não é considerado como um “erro médico” como a 6ª Vara Cível de Santos considerou que uma mulher que teve uma compressa esquecida na região abdominal após uma cesariana não tem direito a indenização por dano moral. Cabe destacar que essa decisão foi baseada em um laudo pericial que determinou que era um “evento raro esperado na vida laboral médica de cirurgiões que abrem a cavidade abdominal, que pode recorrer com renomados cirurgiões”

Portanto, cabe aos profissionais que são responsáveis pela defesa médica do Hospital ou do médico cirurgião demonstrar que foram utilizados todos os meios para se evitar o esquecimento de um corpo como consequência de um ato cirúrgico.

Larissa Oliva
Médica e especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas.

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