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Caso Bluemoon: Fundos não devem indenizar os noivos!

O presente artigo tem por objeto analisar a situação de inadimplência da obrigação originária de um título de crédito transmitido a terceiro de boa-fé, sugerindo um critério de repartição de responsabilidades.

6/3/2023

Introdução. 

Em julho de 2022 foi transmitida uma reportagem pelo programa Fantástico1, sobre o caso da empresa Bluemoon, denominada “a maior empresa de casamentos do Brasil2, que vinha sendo alvo de denúncias por parte de consumidores inconformados com o cancelamento de cerimônias já contratadas, havendo relatos, inclusive, de encerramento das atividades sem cumprimento dos contratos assinados. E qual seria a relação da notícia com o que será discutido neste artigo? 

Ocorre que alguns títulos de crédito da Bluemoon (a representar recebíveis de créditos futuros junto aos noivos) haviam sido cedidos para Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (de ora em diante FIDCs), gerando dúvida acerca da possibilidade de os mesmos serem inseridos na cadeia de fornecimento e responsabilizados pelo descumprimento das obrigações que originaram a dívida. 

Para abordar tal situação, o artigo começará tratando dos FIDCs, seus conceitos, utilidades práticas e forma de concretização dos negócios, para depois verificar a questão da equiparação da atividade à factoring, a natureza da transmissão dos títulos e, por fim, analisar a melhor maneira de solucionar os problemas deixados pela quebra da Bluemoon. 

1. Fundo de Investimento em Direitos Creditórios - FIDC 

1.1. Conceito 

A Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874, de 2019) introduziu os artigos 1.368-C a 1.368-F no Código Civil, a disciplinar os fundos de investimento no direito nacional. O aludido art. 1.368-C conceitua o fundo de investimento como “comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza”. 

Espécie desse gênero mais amplo, o Fundo de Investimento em Direitos Creditórios - FIDC, segundo a própria denominação legal - dada pelo art. 2º, III da Instrução Normativa da CVM 356/01-, consiste na “comunhão de recursos que destina parcela preponderante3 do respectivo patrimônio líquido para a aplicação em direitos creditórios”.

São os FIDCs, então, uma modalidade de investimento em renda fixa, sendo certo que destinam mais da metade do seu patrimônio líquido para aplicações em direitos creditórios, cabendo ao administrador compor o fundo e realizar o processo de captação de recursos com os investidores, por meio da alienação e subscrição ou aquisição de cotas de emissão do fundo.  

1.2. Partes e utilidade prática 

Existe nesta relação jurídica as seguintes figuras principais: (a) cedente (empresa que cede os créditos); (b) cessionário (o FIDC, que adquire os direitos creditórios): (c) administrador (responsável legal pelo FIDC); (d) devedor (sacado) - cuja relação de consumo fora firmada com o cedente, dando origem aos recebíveis- e; (e) cotistas (investidores do Fundo). 

Segundo a B34, uma figura também importante num FIDC é o custodiante (instituição financeira responsável pela custódia e controle dos valores a receber do fundo), que tem entre suas atribuições: (i) validar os direitos creditórios em relação aos critérios de elegibilidade estabelecidos no regulamento; (ii) receber e verificar a documentação que evidencia o lastro dos direitos creditórios representados por operações financeiras, comerciais e de serviços; (iii) realizar a liquidação física e financeira dos direitos creditórios; (iv) custodiar a documentação relativa aos direitos creditórios e demais ativos integrantes da carteira do fundo; e (v) cobrar e receber, em nome do fundo, pagamentos, resgate de títulos ou qualquer outra renda relativa aos títulos custodiados. 

Os direitos creditórios que integram a carteira de ativos de um FIDC são provenientes dos créditos que uma determinada empresa teria a receber. Assim, se uma loja de eletrodomésticos vende produtos a prazo, seja por carnê, ou mediante uso de cartão de crédito, esses recebíveis podem ser cedidos para um FIDC. 

Isso ocorre pelo fato de a existência de recursos financeiros integrando o ativo circulante de uma empresa ser indispensável para o exercício da atividade econômica, sendo a negociação de créditos futuros uma das hipóteses de captação, que permite a antecipação do valor (ainda que parcial, em decorrência do deságio) que a empresa cedente viria a receber. 

Desse modo, a cedente aliena seus créditos, recebendo o pagamento de forma antecipada e utilizando-o para capitalizar a empresa. O FIDC, por sua vez, realiza o pagamento dos créditos de forma imediata, com utilização de recursos oriundos das cotas adquiridas pelos investidores, que, ao final, receberão o rendimento de acordo com a cota adquirida5.

___________

1 https://globoplay.globo.com/v/10787836/?s=0s

2 https://bluemoon.com.br/

3 Art. 2º Para efeito do disposto nesta instrução, considera-se: (...) VII – parcela preponderante: é aquela que excede 50% (cinquenta por cento) do patrimônio líquido do fundo

4 https://www.b3.com.br/pt_br/produtos-e-servicos/negociacao/renda-fixa/fundos-de-investimentos-em-direitos-creditorios-fidc.htm - Acesso em 09/10/2022.

5 https://conteudos.xpi.com.br/aprenda-a-investir/relatorios/fidc/ - Acesso em 21/11/2022.

Gabriela Soares Cavalcanti
Advogada sócia do escritório Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados.

Paulo Maximilian W M Schonblum
Sócios do escritório Chalfin, Goldberg e Vainboim Advogados Associados.

Claudio Luiz Miranda
advogado, sócio do escritório Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados. Professor e doutorando e mestre em direito, com conhecimento acadêmico multidisciplinar e vasta experiência em Direito Empresarial, se juntou à equipe do CGV em 2020 como sócio responsável pelas áreas de direito societário, com enfoque em fusões e aquisições, mercado de capitais, direito bancário, contratos empresariais, arbitragem e contencioso societário e empresarial, recuperação judicial e falências. Claudio possui anos de experiência nessas atividades, assessorando diversas operações de mercado de capitais e de fusões e aquisições e clientes dos mais variados portes e setores da economia, desde pequenos e médios empresários até grandes corporações.

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