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Responsabilização pessoal do gestor e o erro grosseiro

O Pleno do TCU deve se manifestar em breve para uniformizar o entendimento da Corte, afinal o que as alterações na LINDB pretenderam foi ampliar a segurança jurídica e não fragilizá-la.

3/3/2023

Cinco anos após a promulgação da lei 13.655/18, que acrescentou 11 artigos à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB (antiga LICC), a jurisprudência dos órgãos de controle já apresenta certa consolidação que merece ser acompanhada, para que os gestores públicos compatibilizem suas condutas, evitando consequências indesejadas. 

Como se sabe a LINDB é uma coletânea do denominado “superdireito”, pois se aplica a todas as normas de direito privado e de direito público, salvo disposição contrária. Portanto, é uma lei que dispõe sobre leis, e que aponta caminhos para interpretação, aplicação e integração dos textos normativos.

A inclusão dos artigos 20 a 30, na tradicional legislação, teve como objetivo principal aumentar a segurança jurídica e a eficiência na criação e na aplicação do direito público. A iniciativa foi de doutrinadores publicistas que viam crescer a denominada juridicidade administrativa em sua expressão mais negativa, àquela que gera o “princiachismo”, ou seja, decisões baseadas em normas abertas, os princípios, que na sua concretização acabam contaminadas por desmesurado subjetivismo, voluntarismo ou mesmo solipsismo do julgador. 

Talvez por isso tenha havido reação de magistrados, especialmente do Tribunal de Contas da União, que argumentavam que alguns dispositivos da novel lei prejudicariam o exercício das competências constitucionais dos órgãos de controle e poderiam gerar até a perda de eficiência na Administração Pública.

É verdade que ao estabelecer diretrizes orientadoras quanto à interpretação e à aplicação do Direito, a nova lei impôs limites à atividade de decisores, mas, por outro lado, apenas incorporou à legislação a doutrina, a jurisprudência e as boas práticas já implementadas nos âmbitos administrativo, jurisdicional e de controle, interno e externo, com algumas inovações. 

Várias questões surgidas após a publicação desses 11 artigos da LINDB foram esclarecidas e regulamentadas pelo decreto 9.830/19. Interessante a tentativa de, no exercício do poder regulamentar, se definir ou explicar conceito, abrangência e sentido da lei primária, contudo, não se pode esquecer que os textos explicativos também carecem de interpretação. É um tipo de “circularidade hermenêutica viciosa” que encontra na atividade jurisprudencial sua superação, mesmo não definitiva.

Por isto, após a sanção e a publicação das alterações na LINDB, e de sua regulamentação, o TCU passou a enfrentar os temas contidos no texto normativo, oferecendo uma interpretação peculiar, especialmente quanto à configuração do erro grosseiro (Art. 28 da LINDB) que pode gerar, ao agente público, responsabilidade pessoal por suas decisões ou opiniões técnicas.

O decreto 9.830/19 definiu erro grosseiro como “aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”. A doutrina propôs algumas condutas que tipificariam a prática culposa, mas coube à jurisprudência concretizar e especificar um conjunto de situações fáticas que passaram a ser assim consideradas. Neste diapasão, desde 2019 o TCU, por intermédio de Acórdãos de suas duas Câmaras, vem afirmando uma série de condutas configurativas do erro grosseiro.

Em um apanhado apenas do ano de 2022 podem ser destacadas como condutas ensejadoras de responsabilização pessoal de agentes públicos, por falta grave: o ateste da execução de serviços em quantidades maiores que as efetivamente executadas (Acórdão 3768/2022-Segunda Câmara); a apresentação da prestação de contas somente depois de realizada pelo Tribunal a notificação do responsável, sem a devida justificativa (Acórdão 778/2022-Primeira Câmara); a realização de pagamento antecipado, sem justificativa do interesse público na sua adoção (Acórdão 9209/2022-Primeira Câmara); a homologação de dispensa de licitação e a assinatura do contrato sem a existência de projeto básico (Acórdão 2783/2022-Segunda Câmara).

Também foram consideradas atitudes que configuram o erro grosseiro: a contratação indiscriminada de comissionados para realização de atividades rotineiras (Acórdão 1918/2022-Plenário); o descumprimento da previsão legal de demonstrar a regular aplicação de recursos federais recebidos por meio de convênio (Acórdão 26/2022-Segunda Câmara); a omissão, na prestação de contas, de documentos essenciais à comprovação da boa e regular gestão dos recursos federais recebidos por meio de convênio (Acórdão 7685/2022-Primeira Câmara).

Outras situações ainda devem ser tipificadas como erros grosseiros nesta dinâmica “casuística” adotada pelo TCU, mas, em uma perspectiva mais abstrata, um dilema interpretativo se apresentou recentemente, explicitando divergência entre os Ministros do TCU. Alguns entendem que a culpa grave pode estar presente no comportamento esperado, mas desviante, do denominado "homem médio". Outros defendem que erro grosseiro é aquele exigível de pessoa com diligência abaixo do normal ou com nível de atenção aquém do ordinário.

O Pleno do TCU deve se manifestar em breve para uniformizar o entendimento da Corte, afinal o que as alterações na LINDB pretenderam foi ampliar a segurança jurídica e não fragilizá-la.

Giussepp Mendes
Advogado especialista em direito administrativo público.

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