Gorjeta é todo valor dado de forma voluntária cliente ou cobrado pela empresa como serviço ou adicional para distribuição aos seus empregados.1 Essa definição foi introduzida na legislação brasileira pela lei 13.419/17, popularmente conhecida como Lei da Gorjeta, que alterou a CLT2 para tratar sobre a distribuição da cobrança adicional praticada em bares, restaurantes, hotéis.
A partir da nova lei, foi esclarecida a expressa distinção entre a receita dos empregadores e os valores que seriam destinados aos empregados. Por exemplo, nos regimes de tributação convencional como o lucro presumido, lucro real ou lucro arbitrado, é necessária a retenção pelas empresas de até 33% da arrecadação correspondente (art. 457, §6°) com o propósito de custear os encargos sociais, previdenciários e trabalhistas vinculados à remuneração dos empregados, devendo o valor remanescente ser revertido integralmente em favor do trabalhador.
No caso das microempresas e empresas de pequeno porte que utilizam do Simples Nacional, foi prevista a retenção de até 20% do valor arrecadado em gorjetas para o pagamento dos encargos decorrentes do vínculo de emprego.
Porém, ainda que a legislação tenha afastado expressamente a taxa de serviço (gorjeta) da receita das empresas, muitos estabelecimentos têm questionado a inclusão desses montantes na base de cálculo do PIS, da COFINS, da CSLL e do IRPJ, por entender que esses valores não devem compor a base de cálculo do tributo.
Em maio de 2022, a Comissão Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei Complementar 338/17 para alterar a lei do Simples Nacional e excluir de forma expressa as gorjetas da receita bruta das microempresas e empresas de pequeno porte.3
Segundo o autor, Deputado Herculano Passos (PSD/SP), o objetivo da proposta decorre de “divergências em normas que autorizam a excluírem as gorjetas da base de cálculo do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (ICMS) e aquelas que considera a gorjeta como parte da receita bruta para efeito de tributação pelo Simples Nacional”. O projeto ainda será analisado pelo Plenário.
Conquanto o benefício venha a ser concedido a seguimento específico (microempresas e empresas de pequeno porte), trata-se de importante vitória aos estabelecimentos empregadores, independente do regime de tributação adotado.
No âmbito do Judiciário, muitas empresas do ramo, como, por exemplo, bares, restaurantes e hotéis, já ajuizaram ação com o fim de impedir a inclusão dos valores retidos em razão da gorjeta do somatório que constituí a “receita bruta”, utilizada como referência para a cobrança dos tributos acima listados.
Cita-se, por exemplo, mandado de segurança impetrado pelo Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Curitiba objetivando a imediata autorização aos integrantes da categoria de apurar e recolher o IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sem a inclusão dos valores recebidos a título de gorjeta.
O caso sindicato não obteve êxito na origem, contudo a sentença foi parcialmente revertida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que “a exemplo do entendimento de ser ilegal a cobrança do ISS sobre os valores recebidos a título de gorjeta” declarou ilegítima a exigência do recolhimento do PIS, IRPJ, CSLL e COFINS sobre o valor cobrado como taxa de serviço caso tenham sido integralmente repassados aos empregados”
A Fazenda Nacional apresentou o recurso cabível ao Superior Tribunal de Justiça, o qual teve seu provimento negado. A 1ª turma daquela Corte Superior declarou ainda por meio do Ministro Sergio Kukina que "é tranquilo o posicionamento do STJ no sentido de que o valor pago a título de gorjetas, ante a sua natureza salarial, não pode integrar o conceito de faturamento, receita bruta ou lucro para fins de apuração do PIS, da COFINS, do IRPJ e da CSLL.” 4
A conclusão, ao nosso ver, não poderia ser diferente, pois as gorjetas possuem natureza jurídica de salário,5 sendo o estabelecimento empregador mero depositário dos valores recebidos a esses títulos, não podendo referida verba constituir faturamento, lucro ou renda para a empresa.
Nesse sentido, recomendamos que os estabelecimentos empregadores que recebem gorjetas apurem os impactos financeiros da inclusão desses valores no cálculo do pagamento dos tributos federais, sobretudo nos últimos 5 anos, e, havendo efetivo prejuízo, exerçam seu direito à restituição dos valores pagos, bem como o direito excluir referidos montante na base de cálculo dos tributos.
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1 “Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também o valor cobrado pela empresa, como serviço ou adicional, a qualquer título, e destinado à distribuição aos empregados”.
2 Anteriormente, o §3° do art. 457 dispunha que “§ 3º - Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada a distribuição aos empregados. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)”
3 Nova redação proposta para o art. 3º, §1º, da LC 123/2006: § 1º Considera-se receita bruta, para fins do disposto no caput deste artigo, o produto da venda de bens e serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado nas operações em conta alheia, não incluídas as vendas canceladas, os descontos incondicionais concedidos e as gorjetas não superiores a 10% (dez por cento), relativas ao fornecimento de alimentação e bebidas pelos bares, restaurantes, hotéis e estabelecimentos similares e desde que destacadas nos cupons ou notas fiscais.
4 AgInt no REsp 1668117 / PR, julgado em 21/02/2022.
5 Enunciado 354-TST e art. 457 da CLT.