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A eficácia da coisa julgada e os efeitos da repercussão geral do RE para a Administração Pública

STF reinterpreta as regras sobre eficácia da coisa julgada e abrangência dos efeitos da repercussão geral.

28/2/2023

1. Introdução

Em 8 de fevereiro de 2023, o Supremo Tribunal Federal finalizou julgamento paradigmático nos autos dos recursos extraordinários, com repercussão geral, de n° 949.297 e 955.227, tratando dois temas polêmicos e que serão objeto de melhor análise ao longo do presente artigo.

O primeiro deles, o qual já tem sido objeto de muita discussão, diz respeito à declaração de perda dos efeitos da coisa julgada.

O segundo, diz respeito a um assunto igualmente importante, mas que temos visto pouco debate no âmbito acadêmico-jurídico e entendemos tão fundamental quanto o anterior: a equiparação dos efeitos do julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral aos das ações de controle concentrado de constitucionalidade.

2. RE 949.297 - perda da eficácia da coisa julgada

Para que possamos alcançar a adequada compreensão do que restou decidido no julgamento do RE 949.297, nos parece oportuno partirmos da seguinte reflexão: como a Fazenda Pública poderia cessar os efeitos da coisa julgada que beneficia um contribuinte, conferindo-lhe isenção do recolhimento de determinado tributo?

O modo tradicionalmente compreendido no Direito para que sejam cessados os efeitos da coisa julgada é através do provimento da ação rescisória. Remédio jurisdicional por meio do qual a parte interessada – no nosso exercício de compreensão, a Fazenda Pública - ingressaria com medida judicial no intuito de desconstituir os efeitos da coisa julgada favorável ao contribuinte, em até dois anos do trânsito da decisão que visa desconstituir, à luz das evidências identificadas nos incisos do art. 966, do CPC/15, e com isso conseguir reestabelecer o direito de cobrar os tributos cujos fatos geradores estão, inclusive, no passado.

Outro modo de cessar os efeitos da coisa julgada, e foi isso que restou decidido pelo julgamento do RE 949.297, ocorre quando o Supremo Tribunal Federal reconhece a constitucionalidade da lei tributária, por meio do julgamento de ação de controle concentrado de constitucionalidade, permitindo, doravante, a cobrança do tributo pela Fazenda Pública, inclusive dos contribuintes que antes não pagavam, por conta de decisão anterior transitada em julgado que lhes conferissem isenção.

Segundo o entendimento dos ministros do Supremo Tribunal Federal, quando houver o reconhecimento da constitucionalidade de determinado tributo, por meio de julgamento de ação de controle concentrado de constitucionalidade, os efeitos erga omnes desse julgamento corresponderiam à “nova norma jurídica aplicável ao contribuinte”, na medida em que emprestariam novo significado ao cenário jurídico posto.

Considerando que a coisa julgada se rege pela cláusula rebus sic stantibus1, ou seja, se mantem hígida enquanto estiverem intactos os fundamentos de fato e de direito existentes à época da decisão, os ministros do Supremo Tribunal Federal consideraram que quando se decide em controle concentrado pela constitucionalidade do tributo, restariam alterados os fundamentos de direito existentes sobre a matéria. Logo, a base normativa de sustentação daquela coisa julgada do passado, que atendida ao contribuinte individual, deixaria de existir, hipótese que legitimaria a Fazenda Pública a realizar a cobrança do tributo doravante.

Para melhor compreensão do julgamento, vejamos dois exemplos.

Exemplo 1: contribuinte obteve em seu favor uma decisão transitada em julgado em 2008, que declarou inconstitucional a cobrança de um tributo que envolve um fato gerador instantâneo2, cuja incidência tenha acontecido em 2006. Depois, em 2010, o STF veio a decidir que aquele tributo é constitucional. A decisão do Supremo não tem o condão de retroagir e tornar exigível o tributo cujo fato gerador se deu antes do julgamento. Logo, se a Fazenda Pública quisesse cobrar o tributo de 2006, teria de ingressar com ação rescisória, para desconstituir os efeitos da decisão de 2008, com fulcro no art. 966, do CPC/15.

Exemplo 2: contribuinte possui em seu favor uma decisão transitada em julgado em 2000 que declarou inconstitucional a cobrança de um tributo que envolve uma relação continuada3, cujos fatos geradores aconteceram em 1998, e anualmente desde então (1999, 2000, 2001, etc...). Depois, em 2010, o STF veio a decidir que aquele tributo é constitucional. A decisão do Supremo, como no exemplo anterior, não tem o condão de retroagir e tornar exigível o tributo cujo fatos geradores aconteceram antes de sua publicação. Logo, os fatos geradores de 2009, 2008, 2007, estariam abrangidos pela coisa julgada que beneficiava o contribuinte. Ocorre que sendo esse tributo derivado de um fato gerador de natureza continuada, os eventos que vierem a ocorrer da data do julgamento do STF em diante (2011, 2012, 2013, etc...), por incidirem em momento no qual já existirá a nova norma jurídica definida pelo STF, poderiam ser objeto de cobrança por parte da Fazenda Pública. Na prática, portanto, os efeitos da coisa julgada da ação individual do contribuinte, que começaram em 2000, cessaram em 2010, com a decisão do STF que reconhecera a constitucionalidade do tributo.

Dada a sensibilidade do tema - eis que a coisa julgada é considerada uma das cláusulas pétreas de nossa Constituição Federal4 - o fundamento empregado pela Suprema Corte buscou amparo na máxima constitucional de que as decisões proferidas pelo STF no exame concentrado de constitucionalidade possuem efeitos erga omnes, gerando reflexos também para a Administração Pública5.

Se uma decisão de controle concentrado gera efeitos também para a Administração Pública, os Ministros entenderam que, por consequência, ela conferiria autorização para a Fazenda Pública passar a cobrar os tributos dos fatos geradores futuros, sem precisar manejar ação judicial para concretizar seu direito no plano jurídico (seja ação revisional - art. 505, I, do CPC/15 - ou ação rescisória - art. 966, do CPC/15)6.

Portanto, embora compreendamos como alarmante qualquer decisão que mitigue os efeitos da coisa julgada, por levar a cenários de insegurança jurídica, fato é que os Ministros ao final concluíram que os efeitos do julgamento firmado em sede de controle concentrado de constitucionalidade também afetam a Administração Pública, interferindo na interpretação do direito sobre os fatos que se sucederem à decisão.

3. RE 955.227 – a equiparação dos efeitos do julgamento em sede repercussão geral aos realizados em sede de controle concentrado de constitucionalidade

Outro ponto bastante polêmico, e até onde temos conhecimento, pouco debatido, diz respeito ao julgamento do outro recurso extraordinário que vamos estudar, o RE 955.227.

Apesar de referido julgamento ter acompanhado em essência toda a fundamentação empregada no recurso extraordinário estudado no tópico anterior, ele foi além e acrescentou que a mesma regra de interpretação da cessação dos efeitos da coisa julgada também se aplica quando o Supremo Tribunal Federal tiver reconhecido a constitucionalidade do tributo por meio do julgamento de recurso extraordinário com repercussão geral.

Nesse ponto, cumpre-nos tecer severas críticas a respeito da interpretação extensiva – para não dizer ativista – aplicada em referido julgamento.

Se o racional do RE 955.227 tinha amparo na máxima constitucional de que a decisão, fruto do controle concentrado de constitucionalidade, deve projetar seus efeitos para além do Poder Judiciário, atingindo também a Administração Pública, referida regra não se presta a amparar os julgamentos realizados no âmbito dos recursos extraordinários com repercussão geral.

Como esclarecemos em nossa obra, “Repetitivos ou ‘Ineditivos’, Sistematização do Recurso Especial Repetitivo”, o instituto da repercussão geral foi introduzido em nosso ordenamento jurídico por meio da Emenda Constitucional nº 45/04 e posteriormente regulada pela lei 11.418/06, que introduziu os art. 543-A, e 543-B, do CPC/737, os quais, posteriormente, influenciaram a estruturação do nosso atual sistema de precedentes vinculantes8.

A repercussão geral é instituto eminentemente voltado à preservação da integridade do sistema jurídico, contribuindo, pois, com a racionalização da jurisprudência e com a efetividade da prestação jurisdicional9. Por consequência, trata-se de medida cujos efeitos, como se pode depreender do art. 1.040, do CPC/1510, estão em regra restritos aos órgãos do Poder Judiciário11 - exceto a específica hipótese, do art. 1040, IV, do CPC/15, que envolve serviço público objeto de concessão, permissão ou autorização.

Não há nenhuma autorização na Constituição Federal que permita, sequer indiretamente, equiparar os efeitos de uma decisão proferida no âmbito da repercussão geral aos do exame de controle concentrado de constitucionalidade e com isso vincular, automaticamente, os órgãos da Administração Pública, seja ela direta ou indireta.

Admitir que o STF possa firmar orientação geral e abstrata, hábil a vincular inclusive o Poder Público, por meio de simples julgamento de recurso extraordinário, significaria admitir também a confusão entre Poder Judiciário e Poder Legislativo, à revelia do princípio constitucional da separação e independência entre os poderes que compõem o Estado Democrático de Direito (art. 2º, CF).

Não é por outro motivo, aliás, que a Constituição Federal estabelece em seu art. 52, X12, que para as decisões proferidas em sede controle difuso de constitucionalidade (leia-se julgamento de recursos extraordinários13) conseguirem vincular também a Administração Pública, é necessário que o Senado edite uma resolução suspendendo a execução, no todo ou em parte, da lei declarada inconstitucional. Ou seja, a Constituição Federal exige a edição de ato do próprio Poder Legislativo para que a orientação do Judiciário surta efeitos sobre a Administração Pública.

O respeito ao princípio da divisão dos poderes também pode ser observado na edição do Decreto 2.346/97, que em seu art. 5º14, assenta sobre a possibilidade do Procurador-Geral da Fazenda Nacional estabelecer as hipóteses nas quais serão dispensadas a apresentação de recursos judiciais quando a decisão que se intentava recorrer estiver em sintonia com a jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores.

Novamente, aqui se revela a compreensão de que não basta o julgamento em controle difuso pelo STF para que automaticamente se exija da Administração Pública a dispensa da interposição de recurso. Foi necessário, primeiro, a edição de norma específica nesse sentido (Decreto 2.346/97) e exige-se ainda autorização fundamentada do Procurador-Geral.

A vinculatividade “automática” da Administração Pública configura hipótese absolutamente excepcional em nossa Carta Magna, estando restrita constitucionalmente apenas às decisões proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade e às súmulas vinculantes (art. 102, §2º 15, e 103-A16, CF).

Medidas essas que inclusive contam com controle bastante rigoroso por parte da Constituição Federal, eis que demandam julgamento de maioria qualificada dos membros do plenário, no caso da edição de súmula vinculante e da maioria absoluta, no caso do julgamento de ações em controle concentrado de constitucionalidade17. Exigências que nem a Constituição, tampouco as normas infraconstitucionais, condicionam ao julgamento dos recursos extraordinários com repercussão geral, justamente porque seus efeitos devem ficar (ao menos deveriam ficar) restritos aos órgãos do Poder Judiciário.

O que significa dizer que, à luz do quanto decidido no RE 955.227, será mais fácil o Supremo Tribunal Federal vincular a Administração Pública às suas decisões quando elas derivarem de julgamentos de recursos extraordinários com repercussão geral. Afinal, seu resultado dependerá de quórum formado apenas pela maioria simples dos ministros presentes na sessão de julgamento.

Logo, admitir que o STF possa firmar orientação geral e abstrata, vinculando inclusive o Poder Público, por meio de simples julgamento de recurso extraordinário, além de representar medida que não encontra nenhum respaldo normativo, também conduz à conclusão de que Poder Judiciário estaria interferindo na autonomia do Poder Executivo e avançando em competências precípuas do Poder Legislativo, o que, como dito, é vedado pelo princípio da separação dos Poderes (art. 2º, CF).

Vale inclusive o alerta: a vinculatividade automática da administração pública aos julgamentos de recurso extraordinário com repercussão geral, representa uma perigosa aproximação de nosso instituto vinculante aos extintos “assentos” portugueses que, como também já tivemos a oportunidade de elucidar em nossa obra, anteriormente citada, tratava-se de modalidade de precedente que, justamente por projetar seus efeitos para além do Poder Judiciário, assemelhando-se, pois, a um comando típico do Poder Legislativo, acabou sendo considerado inconstitucional e revogado do ordenamento jurídico lusitano.18

4. A polêmica sobre a não modulação dos efeitos das decisões dos RE 949.297 e 955.227

Por fim, cumpre-nos abordar a polêmica não modulação dos efeitos das decisões exaradas nos autos dos RE 949.297 e RE 955.227.

O que muitos tem defendido – e esse autor inclusive – é que o Supremo Tribunal Federal teria agora “mudado a regra do jogo”. Ou seja, até então, não havia clareza no cenário jurídico se, realmente, uma decisão proferida pelo Supremo que reconhecesse a constitucionalidade de um tributo deveria autorizar, doravante, a sua cobrança, impondo-se inclusive sobre os contribuintes que gozavam de isenção conferida por particular decisão transitada em julgado19.

Logo, se havia dúvidas sobre a interpretação da regra constitucional acerca da cessação dos efeitos da coisa julgada, seria de rigor que a decisão do Supremo Tribunal Federal que as resolvesse definitivamente - no caso o julgamento dos RE 949.297 e 955.227 - tivesse seus efeitos projetados para o futuro, não atingindo questões decididas pelo Supremo no passado. Mas não foi o que restou decidido.

Os Ministros, por maioria, entenderam que não haveria espaço para nenhuma modulação dos efeitos da decisão, o que, na prática, significa que, à luz do quanto debatido nos casos concretos, a Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL), por exemplo, cuja constitucionalidade fora reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADIn 1520, seria devida pelos contribuintes desde 2007, data em que referida ação direta foi julgada.

Diante desse cenário, pessoas jurídicas que não recolheram a CSLL desde 2007 estariam em mora com a Fazenda Nacional e, portanto, seria legítima qualquer cobrança lançada pelo fisco sobre esse período, desde que respeitados os prazos prescricionais21.

Porém, se de 2007 para cá, era certo afirmar que a CSLL já havia sido decidida como constitucional pelo Supremo22 – pois a decisão da ADIn 15 é pública - a mesma certeza não poderia ser atestada sobre os efeitos da coisa julgada do contribuinte individual, à luz desse julgamento de 2007, ou seja, o contribuinte que possuía uma decisão transitada em julgado a seu favor, a qual lhe isentava do recolhimento de CSLL, por exemplo, ficou sabendo, só agora, em 2023, que está em mora com a Fazenda Nacional desde 2007! Imagine o impacto que essa decisão não causará no balanço das empresas!

Sintomático observar, nesse sentido, que a Comissão de Valores Mobiliários, em 14 de fevereiro de 2023, emitiu ofício23 com orientações para elaboração das demonstrações contábeis com exercício social encerrado em 31 de dezembro de 2022, considerando a decisão tomada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.

Isso sem contar que, embora os julgamentos subjetivos fossem de CSLL, na prática, o precedente estabeleceu regra objetiva de interpretação que regerá todos os julgamentos já proferidos pelo Supremo Tribunal Federal, seja em âmbito de controle concentrado, seja em sede de repercussão geral. Vejamos alguns exemplos: TR declarada inconstitucional, como índice de correção monetária dos precatórios, em 201324; terceirização, julgada constitucional em 201925; contribuição patronal sobre o terço de férias, julgada constitucional em 202026, a exigibilidade do PIS e da COFINS sobre valores das vendas a prazo inadimplidas, declarada constitucional em 201227; dentre inúmeros outros. Todas essas decisões poderão limitar os efeitos da coisa julgada anterior.

Sem dúvidas, houve aqui uma mudança drástica na regra de interpretação dos precedentes do Supremo Tribunal Federal, sobretudo aqueles firmados no âmbito da repercussão geral.

Logo, teria sido mais adequado, sobretudo à luz do princípio da segurança jurídica, que as decisões proferidas nos RE 949.297 e 955.227 tivessem seus efeitos projetados para o futuro e não estabelecidos ex tunc, como restou infelizmente decidido.

5. Conclusão

Conforme vimos ao longo desse artigo, combinando os julgamentos dos RE 949.297 e 955.227, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a partir da decisão decorrente de julgamento de ação de controle concentrado, ou de recurso extraordinário com repercussão geral, que reconheça a constitucionalidade do tributo, ele passará a ser devido à Fazenda Pública, atingindo tal decisão, inclusive, os contribuintes que gozavam de isenção conferida por decisão, transitada em julgado, em sede de controle difuso de constitucionalidade.

Decidiu-se, assim, pela chamada perda dos efeitos futuros da coisa julgada, de modo que os efeitos erga omnes do julgamento de controle concentrado de constitucionalidade, ou de recurso extraordinário com repercussão geral, se equiparariam aos efeitos de norma nova, alterando os fundamentos de Direito da coisa julgada anterior, regida pela cláusula rec sic stantibus.

Vimos também que se o racional do RE nº 949.297 estaria amparado na máxima constitucional de que a decisão fruto do controle concentrado de constitucionalidade, à luz do art. 97, da CF, deve projetar seus efeitos para além do Judiciário, atingindo, pois, a Administração Pública, o mesmo fundamento não poderia sustentar também a decisão proferida no julgamento do RE 955.227, que tratou dos julgamentos realizados no âmbito dos recursos extraordinários com repercussão geral.

Admitir que o STF possa firmar orientação geral e abstrata, vinculando inclusive o Poder Público, por meio de simples julgamento de recurso extraordinário, além de representar medida que não encontra nenhum respaldo normativo, também conduz a conclusão de que Poder Judiciário estaria interferindo na autonomia do Poder Executivo e avançando em competências precípuas do Poder Legislativo, hipótese defesa em razão do princípio da separação dos Poderes (art. 2º, CF).

Sem dúvidas, os julgamentos que estudamos conduziram a uma mudança drástica na interpretação da regra dos precedentes do Supremo Tribunal Federal, sobretudo, daqueles firmados no âmbito da repercussão geral.

Logo, teria sido mais adequado, sobretudo à luz do princípio da segurança jurídica, que as decisões proferidas nos RE 949.297 e 955.227 tivessem seus efeitos projetados para o futuro e não estabelecidos ex tunc, como restou infelizmente decidido.

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1 “a sentença tem eficácia enquanto se mantiverem inalterados o direito e o suporte fático sobre os quais estabeleceu o juízo de certeza. Se ela afirmou que uma relação jurídica existe ou que tem certo conteúdo, é porque supôs a existência de determinado comando normativo (norma jurídica) e de determinada situação de fato (suporte fático de incidência); se afirmou que determinada relação jurídica não existe, supôs a inexistência, ou do comando normativo, ou da situação de fato afirmada pelo litigante interessado. A mudança de qualquer desses elementos compromete o silogismo original da sentença, porque estará alterado o silogismo do fenômeno de incidência por ela apreciado: a relação jurídica que antes existia deixou de existir, e vice-versa. Daí afirmar se que a força da coisa julgada tem uma condição implícita, a da cláusula rebus sic stantibus, a significar que ela atua enquanto se mantiverem integras as situações de fato e de direito existentes quando da prolação da sentença”. (ZAVASKI, Teori Albino, Coisa Julgada em Matéria Constitucional: Eficácia das Sentenças nas Relações Jurídicas de Trato Continuado - Doutrina: edição comemorativa 15 anos PG. 118, 2005 - acesso em https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/Dout15anos/article/view/3666/3755).

2 “O fato gerador do tributo é dito instantâneo quando sua realização se dá num momento do tempo, sendo configurado por um ato ou negócio jurídico singular que, a cada vez que se põe no mundo, implica a realização de um fato gerador e, por consequência, o nascimento de uma obrigação de pagar tributo. Tal se dá, por exemplo, com o imposto de renda incidente na fonte a cada pagamento de rendimento, ou com o imposto incidente na saída de mercadorias, na importação de bens, na realização de uma operação de compra de câmbio, e em tantas outras situações, nas quais um único ato ou contrato ou operação realiza, concretamente, um fato gerador de tributo, que se repete tantas vezes quantas essas situações materiais se repetirem no tempo” (Amaro, Luciano da S. DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO. Disponível em: Minha Biblioteca, (24th edição). Editora Saraiva, 2021, - pg. 117

3 “O fato gerador do tributo chama-se continuado quando é representado por situação que se mantém no tempo e que é mensurada em cortes temporais. (...) O fato gerador do tributo chama-se continuado quando é representado por situação que se mantém no tempo e que é mensurada em cortes temporais” (Amaro, Luciano da S. DIREITO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO. Disponível em: Minha Biblioteca, (24th edição). Editora Saraiva, 2021, - pg. 117

4 “conforme a jurisprudência do Tribunal, a coisa julgada, reconhecida na Carta como cláusula pétrea no inciso XXXVI do artigo 5º, constitui aquela, material, que pode ocorrer de forma progressiva quando fragmentada a sentença em partes autônomas”. (RE 666.589, rel. min. Marco Aurélio, 1ª T, j. 25-3-2014, DJE 106 de 3-6-2014).

5 “Art. 102, § 2º, CF. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.

6 Sobre os reflexos de decisão do Supremo Tribunal Federal sobre as relações de trato sucessivo, merecem destaque as lições de Tereza Arruda Alvim e Maria Lúcia Lins Conceição: “A superveniência da declaração de inconstitucionalidade ou constitucionalidade é, em nosso entender, circunstância apta, por si só, a fazer cessar, em relação ao futuro, obrigação de trato sucessivo que tenha por fundamento a norma que se declarou inconstitucional ou constitucional. Isso decorre da função normativa e do efeito erga omnes das decisões do STF (...) Não nos parece, então, que seja indispensável a propositura da ação revisional, nos termos do art. 505, I, para que tal efeito se produza. Tendo transitado em julgado a decisão do STF, a cessação da obrigação para o futuro dá-se de imediato, independentemente de medida judicial para tal fim”. (ALVIM, Teresa Arruda e CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins, “Ação Rescisória e Querela Nullitatis – Semelhanças e Diferenças”, 3ª ed., ed. RT, São Paulo, SP, 2022, pg. 139).

7 “A reforma do Judiciário, implementada pela Emenda Constitucional n. 45, de dezembro de 2004, trouxe importantes inovações no âmbito do sistema jurídico brasileiro, objetivando o aumento de sua transparência, eficiência e o fomento à realização do princípio da segurança jurídica em um maior grau. Destacam-se, entre as inovações trazidas pela emenda constitucional: (i) o Conselho Nacional de Justiça; (ii) a súmula vinculante; (iii) o efeito vinculante ao julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade e das ações declaratórias de constitucionalidade, por parte do STF; (iv) o requisito da repercussão geral dos recursos extraordinários; (v) a celeridade processual, estabelecida como princípio fundamental (art. 5º LXVIII); e (v) o princípio da fundamentação, impondo, no art. 93, IX, da CF, que todas as decisões do Poder Judiciário deverão ser fundamentadas, sob pena de nulidade”. GONZALEZ, Anselmo Moreira, Repetitivos ou “Ineditivos”, Sistematização do Recurso Especial Repetitivo, Ed. Jus Podivm, 2020, 1ª ed, São Paulo, pg. 53).

8 vide art. 928, II, art. 1036, CPC/15.

9 “a concretização de um Judiciário célere e eficiente é não apenas um imperativo reclamado pelo preceito constitucional de efetividade da justiça, mas também um pressuposto para o próprio desenvolvimento econômico do Brasil. A segurança da resolução célere de conflitos é requisito necessário para o processo de desenvolvimento e estímulo inegável para investimentos externos” (MENDES, Gilmar Ferreira. A reforma do sistema judiciário no Brasil: elemento fundamental para garantir segurança jurídica ao investimento estrangeiro no Brasil. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, v. 43, p. 9-16, jan.-mar. 2009).

10 Art. 1.040. Publicado o acórdão paradigma:

I - o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior;

II - o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior;

III - os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior;

IV - se os recursos versarem sobre questão relativa a prestação de serviço público objeto de concessão, permissão ou autorização, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada.

§ 1º A parte poderá desistir da ação em curso no primeiro grau de jurisdição, antes de proferida a sentença, se a questão nela discutida for idêntica à resolvida pelo recurso representativo da controvérsia.

§ 2º Se a desistência ocorrer antes de oferecida contestação, a parte ficará isenta do pagamento de custas e de honorários de sucumbência.

§ 3º A desistência apresentada nos termos do § 1º independe de consentimento do réu, ainda que apresentada contestação.

11 “a decisão proferida em repercussão geral vincula seus efeitos ao menos aos órgãos do Poder Judiciário, que, no exercício da competência jurisdicional, deverão obrigatoriamente seguir o entendimento nele firmado.

Se, para o Judiciário, a força vinculante do acórdão proferido em repercussão geral está assentada, a situação não pode ser a mesma no caso da Administração Pública, assim considerada o Poder Executivo, por meio de seus atos administrativos; pelo menos não em decorrência direta das previsões acima, que se dirigem especificamente ao Judiciário. É inequívoco que há força vinculante dos precedentes de repercussão geral em face do Poder Executivo quando o próprio ente é parte de um processo; mas isso se dá não pelo fato de se tratar do Poder Público. É meramente a decorrência da eficácia inter partes verificada em qualquer processo judicial”(BARROSI, Nathalia dos Santos Paes, “A observância de teses firmadas em repercussão geral pela administração pública”, Revista PGE, ano, 2021,  pg. 170 – acesso via link: /wp-content/uploads/2021/12/Revista-PGE-Artigo-Nathalia.pdf

12 Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...)X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

13 “o texto declarado inconstitucional pelo STF (no julgamento de um recurso extraordinário, p.ex.) necessitaria da suspensão determinada pelo Senado Federal. Assim, a decisão teria eficácia ex tunc em relação às partes originárias da relação processual e eficácia ex nunc em relação aos demais cidadãos, a partir da suspensão do texto pelo Senado Federal” (MEDINA, José Miguel Garcia: 2019, Constituição Federal Comentada - Ed. 2019, Revista dos Tribunais, Constituição Federal).

14 Art. 5(...) “Nas causas em que a representação da União competir à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, havendo manifestação jurisprudencial reiterada e uniforme e decisões definitivas do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, em suas respectivas áreas de competência, fica o Procurador-Geral da Fazenda Nacional autorizado a declarar, mediante parecer fundamentado, aprovado pelo Ministro de Estado da Fazenda, as matérias em relação às quais é de ser dispensada a apresentação de recursos”

15 “Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”.

“Art. 102 (...) § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”. 

16 “Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”. 

17 Vide art. 97 e art. 103-A, CF.

18 “Segundo o conselheiro relator, Antero Alves Monteiro Dinis, amparado pela doutrina de Castanheira Neves, suas razões de decidir estavam fundadas no fato de o art. 2º do Código Civil ter estabelecido a um órgão do Poder Judiciário, a competência para criação de normas gerais e abstratas de imposição cogente a órgãos e membros além da esfera do Poder Judiciário, ou seja, atingindo tribunais administrativos, autoridades e cidadãos portugueses, operando, desta forma, como verdadeiro órgão legislativo” GONZALEZ, Anselmo Moreira, Repetitivos ou “Ineditivos”, Sistematização do Recurso Especial Repetitivo, Ed. Jus Podivm, 2020, 1ª ed, São Paulo, pg. 47).

19 Basta ver nesse sentido que os julgamentos em questão se deram no âmbito do sistema da repercussão geral, justamente com intuito de resolver, de uma vez por todas, as dúvidas sobre essa questão

20 STF - ADI 15, Relator(a): SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 14/06/2007, DJe-092, DIVULG 30-08-2007, PUBLIC 31-08-2007 DJ 31-08-2007 PP-00028 EMENT VOL-02287-01 PP-00001 RDDT n. 146, 2007, p. 216-217);

21 vide art. 173 e 174, do CTN

22 Ponto aliás que não é de todo incontroverso. Afinal, durante o julgamento dos casos em estudo, o voto vencido do Min. Fux, no tocante a modulação dos efeitos, foi categórico em assentar que a ADI 15 não teria de fato declarado a CSLL constitucional, ela apenas julgara procedente aquela ação direta de inconstitucionalidade, o que não significa que a CSLL pudesse vir no futuro vir a ser declarada inconstitucional, por outro motivo, por outra ação. Nesse sentido, veja-se vídeo de seu pronunciamento de voto em https://www.youtube.com/watch?v=4HCRc9BUPME – acesso em 22/02/2023, as 13h31

23 Vide https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/oficios-circulares/snc-sep/oc_snc_sep_0123.html, acesso em 14/02/23

24 STF - ADI 4357 e ADI 4425 - Relator(a): AYRES BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 14/03/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-188, DIVULG 25-09-2014, PUBLIC 26-09-2014;

25 STF - RE 958252, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 30/08/2018, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-199, DIVULG 12-09-2019, PUBLIC 13-09-2019); e STF - ADPF 324, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 30/08/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194, DIVULG 05-09-2019, PUBLIC 06-09-2019;

26 STF - RE 1072485, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 31/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-241  DIVULG 01-10-2020  PUBLIC 02-10-2020;

27 RE 586482, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 23/11/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-119 DIVULG 18-06-2012 PUBLIC 19-06-2012 RDDT n. 204, 2012 , p. 149-157 RT v. 101, n. 923, 2012, p. 691-706 RTJ VOL-00234-01 PP-00180;

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Anselmo Moreira Gonzalez
Mestre em Direito Constitucional, pelo IDP-DF; Pós-graduado em Processo Civil pela PUC-SP, Graduado em Direito pelo Mackenzie, Consultor Jurídico da FEBRABAN e Presidente da Comissão de Direito Bancário da OAB/SP (Pinheiros).

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