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Julgamento do STF sobre a convenção 158 da OIT: mitos e fatos sobre a demissão sem justa causa

Mas é fato que nós já temos uma legislação nacional consolidada que estabelece a sistemática de indenização, não de garantia de emprego.

28/2/2023

Muito tem se falado sobre a continuidade do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.625 (ADIn 1.625) e da Ação Declaratória de Constitucionalidade 39 (ADC 39). Em uma rápida pesquisa em sites ou em jornais de grande circulação é possível encontrar diversas reportagens e artigos que mencionam o "fim da dispensa sem justa causa”,estabilidade desde a contratação” entre outras notícias desencontradas.

Mas o que é mito ou fato nestas publicações? Qual é a real discussão nestes julgamentos?

É importante lembrar que a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 68/92, sendo ratificada em 5/1/95 e promulgada em 10/4/96, por meio do decreto 1.855/96.

Ato contínuo sobreveio o decreto 2.100 de 20/12/96, pelo qual o Presidente da República denunciou unilateralmente a Convenção 158 da OIT. Ou seja, com a denúncia Convenção 158, esta deixou de vigorar no Brasil a partir de 20/11/97.

A partir de então surgiram diversas discussões sobre esta questão, entre as quais estão a ADIn 1.625 e a ADC 39.  Essas duas ações que estão pendentes de julgamento no STF discutem, em resumo, a validade da denúncia da Convenção 158 da OIT feita pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.

O cerne da discussão é formal: a denúncia feita pelo Presidente da República, sem anuência do Congresso Nacional, é constitucional? Se houve a incorporação da Convenção 158 no nosso ordenamento jurídico com aprovação do Congresso, havia necessidade desta denúncia tramitar pelo Congresso novamente?

Pelo acima exposto, o STF não irá julgar o fim da dispensa sem justa causa. Isto é mito!

Mas do que trata a Convenção 158 da OIT? Quais os efeitos podem ser esperados dos julgamentos no STF?

A Convenção 158 da OIT é uma norma internacional que dispõe sobre o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador. Conforme o art. 4º da Convenção 158 da OIT, o término da relação de trabalho com o empregado não poderá ser feito a não ser que exista uma causa justificadora para tanto. O artigo ainda dispõe que as causa justificadoras da rescisão devem ser de ordem relacionada a capacidade do empregado, do seu comportamento ou nas necessidades de funcionamento da empresa.

Em seguida, no art. 5º da mesma norma, estão elencados os motivos que não poderão constituir causa justificada para o término da relação de trabalho.

A Convenção ainda determina que para que haja demissão é necessário que exista uma justificativa seja de ordem disciplinar (comportamental) ou de ordem econômica, tecnológica, estrutural ou análogo. O texto da Convenção traz também, entre outros pontos, a possibilidade de o empregado recorrer contra a sua demissão perante um organismo neutro, e esse organismo decidirá se a demissão é ou não justificada.

Com relação às demissões coletivas, por motivos econômicos, tecnológicos estruturais ou análogos, o empregador terá que proporcionar aos representantes dos trabalhadores o motivo e informações sobre as demissões, bem como deverá conceder oportunidade para que os referidos representantes sugiram medidas alternativas para evitar as demissões ou minimizar as consequências para os empregados demitidos.

Se o STF julgar que Convenção 158 está vigente, as empresas poderão continuar a demitir sem motivo?

A Constituição Federal prevê em seu art. 7º, inciso I, que são direitos direito dos trabalhadores “a proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”.

Em complemento, dispõe o art. 10, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, inciso I, da Constituição da República, fica limitada a proteção (indenização) prevista atualmente na lei 8.036/90 (depósito de 40% calculado sobre os depósitos na conta vinculada do FGTS).

Dessa forma, a princípio, até de que se edite Lei Complementar regulamentando a dispensa motivada, as empresas poderão continuar a demitir sem justa causa, como já vêm fazendo, desde que paguem a correspondente indenização. Não nos parece que o STF venha a interferir esta sistemática de indenização, nem houve pedido neste sentido.

Se a Convenção 158 voltar a ter vigência, as empresas não poderão demitir sem motivo a partir de quando?

O entendimento predominante é no sentido de que a Convenção 158 da OIT não é autoaplicável, ou seja, é necessária sua regulamentação por meio de Lei Complementar, nos termos do art. 7º, inciso I da Constituição Federal, já mencionado.

Nesse sentido, foi o julgamento da liminar concedida nos autos da ADIn 1.480/DF, que foi extinta em razão da denúncia unilateral feita pelo então Presidente, Fernando Henrique Cardoso. Não obstante essa decisão, existem alguns posicionamentos no sentido de que a Convenção 158, da OIT é autoaplicável e não precisaria de regramento1, com os quais não concordamos.

Isto porque, o art. 10 da norma internacional estabelece que (...) “Se os organismos mencionados no art. 8 da presente Convenção chegarem à conclusão de que o término da relação de trabalho é justificado e se, em virtude da legislação e prática nacionais, esses organismos não estiverem habilitados ou não considerarem possível, devido às circunstâncias, anular o término e, eventualmente, ordenar ou propor a readmissão do trabalhador, terão a faculdade de ordenar o pagamento de uma indenização adequada ou outra reparação que for considerada apropriada.”

Desta forma, embora seja predominante o entendimento de não autoaplicabilidade da Convenção 158 da OIT, o assunto não é unânime e as empresas deverão estar atentas aos desdobramentos do julgamento no STF.

Mas é fato que nós já temos uma legislação nacional consolidada que estabelece a sistemática de indenização, não de garantia de emprego.

Qual o prazo para este julgamento? Seus efeitos deverão ser observados em 2023?

Esse assunto voltou a gerar inseguranças para os empregadores, em razão da alteração recente do Regimento Interno do STF, que limitou a 90 dias o prazo para os pedidos de vista pelos Ministros, contados da publicação da ata de julgamento.

O Ministro Gilmar Mendes apresentou pedido de vistas dos referidos processos em 8 de novembro de 2022, data de publicação das respectivas Atas de Julgamento. Considerando a contagem em dias corridos, o recesso forense e férias coletivas dos Ministros do STF, a ADIn 1.625 e a ADC 39 estarão automaticamente liberadas para julgamento a partir de 22 de março de 2023.

Isso não significa que as ações serão julgadas nessa data, eis que podem existir novos pedidos de vista ou destaques, o que não garante com absoluta certeza de que os processos serão julgados ainda no ano de 2023.

Conclusão

As repercussões práticas de eventual procedência da ADIn 1625 e improcedência da ADC 39 são muito questionáveis, sobretudo porque a Convenção 158 da OIT não seria autoaplicável e, se fosse reincorporada ao sistema, ela não teria o status de norma constitucional, mas de norma supralegal.

É certo que muitos problemas ocorrerão em decorrência das divergências de interpretação que poderão surgir entre todos os Tribunais Regionais do Trabalho, caso a decisão do STF não delimite claramente a extensão e alcance da Convenção 158 da OIT.

Por fim, passados mais de 30 (trinta) anos da promulgação da Constituição Federal de 1988 e mais 40 (quarenta) anos da edição da Convenção 158 da OIT, o mercado de trabalho e o mundo são completamente diferentes, devendo o Congresso Nacional atuar para garantir a segurança jurídica, com a valorização do trabalho no mesmo patamar constitucional do incentivo à livre iniciativa, e regulamentar melhor esta questão, pois os sistema de indenização atual ainda é passível de falhas e desvios de finalidade.

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1 (...) Assim, mesmo que os preceitos da Convenção 158 precisassem de regulamentação – que não se acredita seja o caso – já se encontrariam na legislação nacional os parâmetros dessa regulamentação (...)”. Trecho do acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, nos autos do Processo número 00935.2002.088.15.00-3. Disponível em www.trt15.jus.br

José Enio Viana de Paula
Advogado no Queiroz e Lautenschläger Advogados.

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