Migalhas de Peso

Uma real e concreta ameaça ao futuro da arbitragem no Brasil

O acompanhamento diário da tramitação desse nocivo projeto de lei, bem como a cobrança pela rejeição de seu texto atual, é um dever que se impõe a todos aqueles que não só militam nas Câmaras Arbitrais.

27/2/2023

O uso da arbitragem no Brasil - mecanismo privado de solução de litígios-  foi regulamentado pela lei 9.307/96 e, desde a sua entrada em vigor, com a criação e o desenvolvimento das câmaras arbitrais nacionais e internacionais atuando no território nacional, o Brasil passou a se destacar no cenário mundial.  No ano passado, segundo dados divulgados pela Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional – ICC, uma das mais importantes do mundo, com sede em Paris e representação em São Paulo, o Brasil passou a ocupar o segundo lugar no ranking global de partes envolvidas em arbitragens na ICC, composto por 143 países. O Brasil ficou atrás, apenas, dos EUA, superando países como China, índia, Espanha, Itália, México e a própria França. Os números globais mais recentes da ICC evidenciam que foram iniciados 853 novos casos envolvendo um total de US $184 milhões em disputa entre janeiro e outubro de 2021.

É importante ressaltar, que o mecanismo privado de solução de litígios tem se mostrado eficiente, com uma expressiva redução de custos provisionados para solução de disputas legais, além de gerar um ambiente favorável  para novos negócios, oferecendo a segurança jurídica almejada pelas empresas nacionais e internacionais.

É nesse atual contexto, qual seja, em um momento de afirmação e consolidação do Brasil no cenário internacional no âmbito de atuação na solução de litígios privados, que chama a atenção o projeto de lei 3.293/01, apresentado pela Câmara dos Deputados, visando alterar os alicerces que sustentam o conceito da lei 9.307/96. O projeto de lei, que começou a sua tramitação em 23 de setembro de 2021, teve um incompreensível pedido de urgência de apreciação imediata em 6 de julho de 2021. A apreciação imediata de um projeto de lei que pretende alterar os alicerces do procedimento arbitral no Brasil, sem as devidas consultas públicas, com a oitiva dos especialistas e da comunidade jurídica, causou espanto em todos aqueles que militam na área.

Não obstante, com a apresentação de requerimentos, o projeto de lei não foi submetido ao regime de urgência para sua apreciação, sendo certo que neste momento se encontra na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, com pedidos de requerimento de audiência pública para discutir o seu teor.  Caso não seja alterado ou mesmo rejeitado pela Câmara dos Deputados o teor da proposta que embasou o projeto de lei 3.293/01, toda a evolução do procedimento arbitral e o lugar de destaque alcançado pelo Brasil no cenário internacional estará gravemente comprometido.

Os principais pontos trazidos pelo projeto de lei 3.293/01, que altera o alicerce da lei 9.307/96, foram apontados de forma clara e precisa pelo Chartered Institute of Arbitrators Brasil – CIArb Brasil. Merece especial reflexão, de acordo com o instituto, a imposição de restrições à liberdade das Partes proposta, a qual se revela incompatível com o modelo jurídico no qual a arbitragem se funda, tanto no direito brasileiro, como no cenário internacional, assim como  o transporte para o plano legal de aspectos que, quando muito, devem ser regulados consensualmente pelas Partes ou disciplinados no âmbito de instituições arbitrais.  A CIArb Brasil ressalta igualmente a imposição de insegurança jurídica ao ambiente de negócios, o que, por sua vez, poderá gerar aumento de custos de transação, aumento de risco jurídico e de custos à sociedade, menor concorrência, afastando ou reduzindo os investimentos no país.

Quanto aos árbitros, o projeto de lei propõe modificação impondo-lhes o dever de revelar fatos que denotem “dúvida mínima” sobre sua imparcialidade e independência, substituindo o atual critério da “dúvida justificada”. Assim, o Brasil passaria a adotar critério isolado, diferente de todos os demais países, muitos dos quais com secular convívio arbitral, dos tratados, de guias e diretrizes internacionais. Observe-se que a Dúvida justificável, no sistema da lei 9.307/96 de hoje, é um conceito juridicamente objetivo, cuja aplicação contribui para a segurança jurídica da arbitragem no Brasil. “Dúvida mínima”, ao contrário, não é. Sendo esse o critério do legislador, todo e qualquer elemento poderá ser utilizado para tentar, após a decisão de mérito, anular procedimentos arbitrais a pretexto de violação a deveres de revelação.  Não restam dúvidas de que a instabilidade será enorme e, em pouquíssimo tempo, o instituto correrá sério risco de cair em desuso.

A limitação da quantidade de processos em que um mesmo profissional pode atuar, igualmente proposto no projeto de lei, representa, na avaliação da Ciarb Brasil, uma intromissão indevida do Estado na atividade profissional e impõe um cerceamento inconstitucional à livre iniciativa. Observe-se que esse controle já é realizado pelos usuários que livremente optam pela arbitragem, sendo desnecessário impor limites por via legal. Importante ressaltar que o cerceamento legislativo da quantidade de arbitragens em que um profissional pode atuar não resultará em procedimentos mais céleres, mas cerceará a escolha dos usuários quanto aos profissionais capacitados para as disputas envolvendo matérias complexas, muito especializadas, para as quais o mercado necessita de profissionais capacitados tanto na matéria objeto da disputa quanto na condução de arbitragens.

Ainda segundo os apontamentos citados, o projeto de lei adiciona, impropriamente, a ideia de disponibilidade do árbitro ao texto legal, ao lado do requisito já existente da confiançaPrimeiro, porque aquela já decorre desta, do que resulta em redundância do texto legal. Ademais, a matéria deve ser regulada pelas próprias partes e pelas instituições arbitrais, e não pela lei, o que, diga-se de passagem, já ocorre em termos práticos. Impor semelhante requisito não trará vantagens, tampouco irá aprimorar o sistema. Ao contrário, adiciona um elemento subjetivo, de aferição racionalmente impossível, que poderá ensejar a ampliação das impugnações e tentativas frívolas de anulação de sentenças arbitrais.

O projeto busca regular no plano legal, o que é inadequado, deveres de publicação de certas informações dos processos arbitrais, como a composição do Tribunal Arbitral, o valor da disputa ou mesmo a íntegra das decisões, ignorando que são estas matérias universalmente deixadas ao autorregramento do próprio setor, permitindo que se adote, em cada caso, a solução mais apropriada para aquela disputa em particular. A revelação indiscriminada destas informações suscita o risco de ensejar intimidação, manobras de procrastinação ou pressão sobre partes e árbitros, sem que se vislumbrem vantagens que decorram de um modelo legal que impõe, a priori, a divulgação de informações sensíveis e que, como regra, os agentes de mercado optam por manter em caráter reservado. A violação da confidencialidade possui um custo relevante para os agentes econômicos, ou seja, desenvolver negócios em um país que não permite a solução de conflitos legais confidencialmente é mais arriscado e mais caro. O resultado tenderá a afugentar os melhores profissionais, reduzir a escolha da arbitragem como método adequado de solução de disputas, prejudicando o ambiente de negócios no país.

Por final o projeto de lei  impede que dirigentes de instituições arbitrais funcionem como árbitros ou advogados em procedimentos nas mesmas instituições, o que igualmente configura vício de inconstitucionalidade, por restringir indevidamente a livre iniciativa dos usuários e a liberdade profissional, além de afugentar os melhores profissionais e impor, pela via legal, uma restrição ao funcionamento das instituições arbitrais que, em termos práticos, deve decorrer da sua autorregulação.

Torna-se necessário enfatizar que o Brasil teve um marco legislativo imprescindível para o desenvolvimento da arbitragem com o advento da lei 9.307/96. Desde então o país evoluiu, tornando-se um dos mais propícios ambientes para a prática deste mecanismo privado de solução de litígios,  o que lhe permitiu atrair novos e importantes negócios.

Este marco legal completou 25 anos em 2021 e, exatamente quando alcança um lapso temporal simbólico, torna-se alvo de uma proposta de alteração legislativa que pretende modificar os alicerces que sustentam o próprio conceito da lei 9.307/96.

O desastroso projeto de lei 3.293/01, criado sem se atentar para importantes questões legais que regulam o procedimento arbitral, revela-se, portanto, um verdadeiro retrocesso em relação à legislação vigente, altera o conceito do procedimento arbitral já devidamente regulamentado, e, sem dúvida, representa uma real e concreta ameaça ao futuro da arbitragem no Brasil.

O acompanhamento diário da tramitação desse nocivo projeto de lei, bem como a cobrança pela rejeição de seu texto atual, é um dever que se impõe a todos aqueles que não só militam nas Câmaras Arbitrais, mas, também, compreendem a importância e a relevância da arbitragem para o Brasil nos dias atuais.

Diogo José Nolasco Dominguez
Sócio do escritório Lopes Pinto Advogados Associados.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Afinal, quando serão pagos os precatórios Federais em 2025?

19/12/2024

Decisão importante do TST sobre a responsabilidade de sócios em S.A. de capital fechado

20/12/2024

Planejamento sucessório e holding patrimonial: Cláusulas restritivas societárias

20/12/2024

As perspectivas para o agronegócio brasileiro em 2025

20/12/2024

A sua empresa monitora todos os gatilhos e lança as informações dos processos trabalhistas no eSocial?

20/12/2024