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A possibilidade de dispensa do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) em licenciamento instruído por Estudo de Impacto Ambiental (EIA)

A partir da elaboração de EIA de um empreendimento que abarque, a elaboração de EIV se mostraria desnecessária por afrontar o princípio da eficiência, consagrado pelo ordenamento jurídico nacional.

24/2/2023

Desde 23 de janeiro de 1986, com a edição da Resolução CONAMA 01/86, já se exigia a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) como pressuposto embasador do licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente1.

A Constituição Federal de 1988 deu ao tema uma fundamentação mais técnica, considerando que o art. 225, § 1°, inciso IV, determinou ao Poder Público a obrigação de “exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”. O sentido abrangente do texto compreende todas as modalidades de estudos previstas na legislação, como relatório ambiental, plano e projeto de controle ambiental, plano de recuperação de área degradada e Estudo de Impacto Ambiental, entre outras.

Por sua vez, a Resolução CONAMA 237/97, em seu art. 1°, inciso III, confere aos Estudos Ambientais a seguinte definição: “todos e quaisquer estudos relativos aos aspectos ambientais relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento, apresentado como subsídio para a análise da licença requerida”. Melhor seria que a resolução 237, ao se referir a Estudos Ambientais, definisse a Avaliação de Impacto Ambiental – AIA, o gênero do qual o Estudo de Impacto Ambiental é uma das espécies.

Em termos conceituais, o EIA/RIMA é um documento de natureza técnico-científica cuja finalidade é avaliar os impactos ambientais de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais e considerados efetiva ou potencialmente poluidores, ou de ações que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, de modo a permitir a verificação da sua viabilidade. Seu procedimento deve obedecer, basicamente, às diretrizes gerais contidas no art. 5º da Resolução CONAMA 01/86, ficando a critério da autoridade licenciadora, dado o seu poder discricionário, fixar outras que entenda pertinentes em razão das peculiaridades do projeto e das características ambientais da área2.

Já o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), instituído pelo Estatuto da Cidade (lei 10.257/01), constitui instrumento de planejamento e controle urbano, destinando-se a subsidiar o Poder Público Municipal para a aprovação de projetos e empreendimentos de cunho urbanístico, sem prejuízo do Estudo de Impacto Ambiental, que também é seu instrumento, porém com um escopo mais amplo e complexo.

Nesse ponto, convém ressaltar o art. 383 do referido Estatuto, que indica não haver qualquer duplicidade ou confronto entre ambos os instrumentos, restando ao EIA, a rigor, um caráter mais abrangente, uma vez que também é regido por normas federais de cunho ambiental, como a já mencionada Resolução CONAMA 01/86.

Vale dizer que, mesmo tendo a autoridade licenciadora exigido o Estudo de Impacto de Vizinhança, se este não se revelar suficiente para a análise dos possíveis impactos, pode ser exigido o Estudo de Impacto Ambiental, que é muito mais abrangente. Ao revés, havendo um EIA cujo Termo de Referência seja tão completo que abarque, também, as exigências previstas em lei municipal própria ou aquelas colacionadas na lei 10.257/01, a elaboração de EIV militaria em favor de injustificável formalismo, a encarecer e procrastinar o processo licenciatório como um todo.

Os precedentes jurisprudenciais caminham ao encontro do presente entendimento. Confira-se:

“Não se desconhece que em determinadas situações ocorre o que se convenciona de Impacto de Vizinhança, com relação e consequências que podem ser positivas ou negativas sobre o entorno, variando em função do tamanho do respectivo empreendimento. O EIV Estudo de Impacto de Vizinhança e RIV Relatório de Impacto de Vizinhança tomam como orientação o Estatuto da Cidade, lei 10.257/01, que o previu enquanto instrumento mediador entre interesse privado e a garantia da qualidade de vida da população urbana que gravita em seu entorno. [...]. Cuida-se de critério de conveniência do administrador. Neste particular, o Relatório de Impacto Ambiental que consta dos autos contempla de forma ampla o possível impacto que o empreendimento poderia causar na vizinhança, nos municípios vizinhos, ainda que não titulado de EIV. [...]. Ou seja, a quem competia exigir o Estudo não o fez, e depois, ainda que fosse exigível, o próprio EIA já foi além, suprindo o que seria feito no EIV. (TJ-SP - AI: 21927593020188260000 SP 2192759-30.2018.8.26.0000, Relator: Miguel Petroni Neto, Data de Julgamento: 15/8/19, 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 28/11/19)” (destacamos). “Viabilidade do empreendimento. [...]. De fato, sem razão a insurgência com relação à inexistência de Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), pois este não é requisito obrigatório do procedimento de licenciamento do empreendimento, mas sim o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), a propósito, devidamente realizado. A partir de uma análise detalhada do histórico de licenciamento ambiental do empreendimento (vide fls. 3.678/3.682) e de todas as informações técnicas amealhadas aos autos, não se verificou qualquer irregularidade na expedição de certidões e das licenças por parte do órgão ambiental e da Municipalidade, devendo mesmo imperar a presunção de legalidade e de veracidade dos atos administrativos. (TJ-SP - AC: 10070432120178260019 SP 1007043-21.2017.8.26.0019, Relator: Nogueira Diefenthaler, Data de Julgamento: 21/01/2021, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 21/1/21)” (destacamos).

Isso porque, diante da complexidade e magnitude de tópicos abordados no EIA de um empreendimento, os aspectos sociais e de vizinhanças, se ali avaliados, dispensariam a elaboração de um EIV a tratar do mesmo recorte.

Em ótica ainda mais específica acerca da questão, a análise comparativa de normas, dada a competência do legislador municipal4, permite verificar, inclusive, disposições regidas por Planos Diretores, a exemplo dos de Bragança Paulista (lei complementar 561/07) e do Distrito Federal (lei complementar 803/09), que se coadunam ao presente entendimento. In verbis:

Lei complementar 561/07 (Bragança Paulista)

“Art. 4º A elaboração do EIV/RIV não substitui a elaboração e a aprovação de Estudo Prévio de Impacto Ambiental, requeridas nos termos da legislação ambiental.

Parágrafo único. A apresentação do EIV/RIV poderá ser dispensada nos casos em que o empreendimento necessite de apresentação de Estudo de Impacto Ambiental, desde que no mesmo esteja contemplado o devido Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança e respectivo Relatório de Impacto de Vizinhança.” (destacamos).

Lei complementar 803/09 (Distrito Federal)

“Art. 207. O EIV não substitui nem dispensa a elaboração e a aprovação do EIA/RIMA, requeridas nos termos da legislação ambiental aplicável.

Parágrafo único. O EIA/RIMA substitui a exigência de EIV, incorporando os aspectos urbanísticos deste, conforme dispuser a lei específica de que trata o art. 206 desta Lei Complementar.” (destacamos).

Em resumo, é possível inferir que, a partir da elaboração de EIA de um empreendimento que abarque, também, as exigências previstas em lei municipal própria ou aquelas colacionadas na lei 10.257/01, a elaboração de EIV se mostraria desnecessária por afrontar o princípio da eficiência, consagrado pelo ordenamento jurídico nacional.

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1 Art. 2º.

2 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 12ª. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 959.

3 “Art. 38 - A elaboração do EIV não substitui a elaboração e a aprovação de estudo prévio de impacto ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação ambiental”.

4 “Art. 36. Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal”.

Roberta Jardim de Morais
Leading Lawyer do Milaré Advogados. Pós-Doutora em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Mestre em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Pós-Graduada em Diritto Del Commercio Internazionale pelo Instituto Universitario Europeo - Torino, Itália.

Julia Crauford
Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada no Milaré Advogados.

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