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Com novos decretos, Governo Federal altera o sistema de implementação de logística reversa

O novo decreto define que o sistema será implementado através da articulação da União com os Estados, Distrito Federal e Municípios, que optarem a aderir ao Programa, o qual será custeado pelas dotações orçamentárias próprias de cada um dos entes.

24/2/2023

No começo do novo mandato, o Governo Federal deixou clara a sua intenção de retomar importantes discussões ambientais, publicando, logo no primeiro dia de mandato, nove decretos que revogam medidas do antigo governo e iniciam ou retomam políticas ambientais.

Seguindo sua intenção de alavancar políticas socioambientais, o atual Governo Federal publicou, no último dia 13 de fevereiro, dois novos decretos (Decreto 11.413/23 e decreto 11.414/23) que contém disposições relevantes acerca da necessidade de implementação de políticas institucionais voltadas às práticas socioeconômicas ambientais.

O novo modelo de certificação, instituído pelo decreto 11.413/23, guarda grande semelhança com o certificado antigo (Recicla+) no que tange à forma de comprovação do atendimento às metas, mas difere no enfoque que concede ao fomento às práticas de Governança Socioambiental. O Certificado Recicla+, instituído por meio do decreto 11.044/22, estabelecia que as empresas sujeitas à implementação de logística reversa deveriam apresentar à entidade gestora as notas fiscais eletrônicas oriundas das operações de comercialização de produtos e de embalagens recicláveis, para a comprovação do retorno dos materiais recicláveis ao ciclo produtivo. Uma vez verificada a veracidade e autenticidade por meio da figura do verificador independente, contratado pela entidade gestora, emitia-se o certificado Recicla+, como forma de atestar a conformidade das empresas com as metas de logística reversa do setor.

Com o decreto 11.413/23, responsável por revogar o decreto 11.044/22, foram apresentadas três novas certificações como forma de comprovação do cumprimento das metas de logística reversa. O primeiro é o Crédito de Reciclagem de Logística Reversa (CCRLR), que vem para substituir o Recicla+ e destina-se à comprovação da restituição ao ciclo produtivo da massa equivalente dos produtos ou embalagens sujeitas à logística reversa.

Assim, apesar do Decreto do Recicla+ ter sido revogado, o novo CCRLR não passa de uma nova nomenclatura ao certificado, vez que ambos (i) são documentos emitimos pela entidade gestora para os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes para fins de comprovação do cumprimento das metas de logística reversa e (ii) são fundamentados no certificado de destinação final e nas notas fiscais eletrônicas das operações de comercialização de produtos ou de embalagens comprovadamente retornados ao fabricante ou à empresa responsável pela sua reciclagem.

O segundo é o Certificado de Estruturação e Reciclagem de Embalagens em Geral (CERE), destinado aos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de produtos ou embalagens sujeitos à logística reversa que invistam em projetos estruturantes de recuperação de materiais recicláveis e que comprovem a restituição ao ciclo produtivo da massa equivalente dos produtos ou embalagens.

O terceiro é o Certificado de Crédito de Massa Futura, que permite às empresas sujeitas à logística reversa auferir antecipadamente o cumprimento de sua meta de logística reversa, relativa à massa de materiais que serão reintroduzidos na cadeia produtiva em anos subsequentes, fruto de investimentos financeiros antecipados para implementar sistemas que permitam que a fração seca reciclável contida nos resíduos sólidos urbanos seja desviada de aterros e lixões. Para ser elegível a esse crédito é necessário que, além de possuir CERE, atenda e implemente, concomitante, uma séria de ações e premissas de impacto socioambiental, como geração de renda e inclusão socioeconômica de catadores e outros requisitos estabelecidos no Decreto.

Nota-se que tanto o CERE quanto o Certificado de Crédito de Massa Futura, não possuem o condão de, por si só, comprovar a implementação do sistema de logística reversa. Na realidade, tem por finalidade incentivar a prática de políticas de governança socioambiental ao estipular requisitos obrigatórios para elegibilidade à certificação pelos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes dos produtos e embalagens sujeitos à logística reversa.

Assim por meio desses dois certificados, não basta que as empresas comprovem a restituição ao ciclo produtivo da massa equivalente dos produtos ou embalagens que coloquem no mercado, sendo essencial, para sua emissão, que implementem projetos estruturantes ou invistam financeiramente em projetos com a intenção de evitar o despejo de resíduos em aterros ou lixões para fins de comprovação de atendimento às metas.

Verifica-se, assim, que o decreto 11.413/23 confere posição privilegiada à figura dos catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis, uma vez que, para fins de emissão dos três certificados, as notas fiscais eletrônicas, autenticadas pela entidade gestora, deverão ser oriundas, preferencialmente, das operações de comercialização dos materiais recicláveis a partir de catadores e catadoras individuais, cooperativas e associações de catadoras e catadores que realizem a coleta ou a triagem e encaminhem esse material para a cadeia da reciclagem; devendo esgotar os resultados oriundos das organizações de catadores antes de usar os créditos de reciclagem oriundos de outros operadores logísticos.

Outro exemplo da relevância conferida a essas figuras é que, para emissão do CERE, é necessário que a empresa tenha mais de 50% de sua meta de recuperação de embalagens em geral cumprida por meio de parceria com catadores individuais, cooperativas e associações de catadores ou entidades cuja origem dos resíduos seja comprovadamente de catadores.

Como reflexo dessa movimentação política, não está mais prevista como uma das formas de comprovação do sistema de logística reversa a destinação de resíduos sólidos para o aproveitamento energético, através dos combustíveis oriundos de resíduos sólidos urbanos. Acredita-se que essa exclusão se dê em decorrência das críticas apresentadas pelo Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR ao Recicla+, que apresentava, como um de seus objetivos, o estímulo à destinação dos resíduos sólidos a programas de recuperação energética.

Para o MNCR, tal objetivo estaria em aparente desacordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), vez que, em seu entendimento, deixaria de priorizar a atuação dos catadores, colocando-os apenas como uma dentre as várias outras formas de atendimento às metas de logística reversa. Contudo, a leitura do decreto que regulamentava o Recicla+ deveria ser realizada em consonância com a PNRS, que possui justamente como um dos seus objetivos primordiais a inclusão socioeconômica dos catadores, assim como a sua expressa priorização para fins de operação do sistema.

Cumpre pontuar que decreto entra em vigor apenas em 14 de abril de 2023 e determina que as empresas possuem 12 meses e os catadores, organizações, associações e cooperativas possuem 24 meses para se adequar à implementação e a operacionalização da ferramenta de emissão dos Manifestos de Transporte de Resíduos do Sinir. Há ainda a previsão de que as entidades gestoras e os responsáveis por modelos individuais disponibilizem ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima relatório de resultados, até o dia 30 de julho de cada ano, com as informações e os dados consolidados no período de 1º de janeiro a 31 de dezembro do ano anterior, para fins de verificação do cumprimento das ações e das metas de logística reversa, respeitado o sigilo das informações, quando solicitado e devidamente justificado.

Por fim, conjuntamente com o novo sistema de certificação, foi publicado também o decreto 11.414/23, dando continuidade à política de promover a integração socioeconômica dos catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis de baixa renda, por meio da reinstituição do Programa Pró-Catador através do Programa Diogo de Sant'Ana Pró-Catadoras e do Pró-Catadores para a Reciclagem Popular, voltados à promoção e à defesa dos direitos humanos das catadoras e dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis.

O novo decreto define que o sistema será implementado através da articulação da União com os Estados, Distrito Federal e Municípios, que optarem a aderir ao Programa, o qual será custeado pelas dotações orçamentárias próprias de cada um dos entes. O Programa segue pendente de maiores regulamentações e, por ora, possui apenas o potencial de trazer benefícios aos catadores, tendo em vista que somente será colocado em prática a partir da adesão voluntária dos demais entes federados.

Isabela Bueno Ojima
Advogada associada de Direito Ambiental do escritório Cescon Barrieu Advogados.

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