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Americanas e o pedido de recuperação judicial

A RJ tem como principal objetivo evitar a falência da empresa, permitindo a manutenção das suas atividades econômicas e a conservação de postos de trabalhos.

15/2/2023

Nas últimas semanas, o Brasil e o Mundo vêm acompanhando o desdobramento do caso da Americanas. O imbróglio começou no dia 11/1/23, quando a empresa divulgou que haviam “inconsistências contábeis” no valor de R$ 20 bilhões nos balanços de 2022 e de anos anteriores. A notícia pegou o mercado de surpresa, primeiro por tratar-se de uma das maiores empresa do Brasil, e, segundo, porque a Americanas havia pagado a seus acionistas, no 3º Trimestre de 2022, o maior valor em dividendos dos últimos 10 anos.

A partir da divulgação desta impactante notícia, os maiores credores da Americanas começaram a requerer os vencimentos antecipados das dívidas, fenômeno contratual que possibilita ao credor exigir o cumprimento integral da obrigação de forma imediata.

O Grupo Americanas, por sua vez, numa manobra protetiva, ingressou no Judiciário carioca, no dia 13/1/23, com pedido de Tutela de Urgência Cautelar, preparatória de processo recuperacional, requerendo, dentre outros pedidos, o sobrestamento dos efeitos de toda e qualquer cláusula que imponha o vencimento antecipado das dívidas, bem como a suspensão de qualquer arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição sobre os bens.

A empresa alega que “a declaração antecipada dos vencimentos das dívidas inviabilizaria, por completo, o exercício da atividade empresarial por parte da empresa”, e que “apesar das distorções contábeis detectadas há pouco, a Americanas, que é indiscutivelmente uma das maiores varejistas e empresas de omnichannel do País, encontra-se em uma situação de adequada saúde financeira e de caixa, mantendo em dia sua extensa folha salarial, obrigações perante fornecedores, instituições financeiras e pagamento de tributos (o que totaliza, anualmente, o montante de cerca R$ 2 bilhões), além de gerar mais de 100 (cem) mil empregos diretos e indiretos.”

A 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro proferiu decisão concedendo o pedido de tutela cautelar, suspendendo qualquer possibilidade de bloqueio ou sequestro de bens por um período de 30 dias, e determinando a imediata restituição de todo e qualquer valor que os credores eventualmente tivessem compensado, retido e/ou se apropriado. Pode-se dizer, portanto, que a referida decisão concedeu à Americanas a antecipação dos efeitos de um pedido de recuperação judicial, o que deveria ser apresentado em um prazo improrrogável de 30 dias.

O grupo Americanas, por sua vez, em prazo inferior ao concedido pela justiça apresentou, em 19/1/23, o pedido de recuperação judicial, declarando como valor total da dívida a quantia de R$ 43 bilhões e a existência de 16.300 credores. Diante desses números, portanto, a Recuperação Judicial da Americanas se torna a 4ª maior  da história do Brasil, ficando atrás apenas dos processos de recuperação judicial da Odebrecht, que foi iniciada com dívidas no montante de R$ 80 bilhões, da empresa Oi, com R$ 65 bilhões, e da Samarco, com R$ 55 bilhões.

O pedido de processamento da recuperação judicial das Americanas já foi, inclusive, deferido pelo Judiciário, e, em 60 dias, o plano de pagamentos deverá ser apresentado pela empresa.

Diante desse cenário, muitas dúvidas e questionamentos surgem: como funciona o  processo de recuperação judicial? A empresa faliu? Como ficam os credores?

Esclarecendo as dúvidas, a recuperação judicial é um procedimento regulamentado pela lei 11.101/05, alterada pela lei 14.112/20, que permite às empresas em crise econômico-financeira, criarem um plano de soerguimento, renegociando dívidas e suspendendo prazos de pagamento.

A recuperação judicial tem como principal objetivo evitar a falência da empresa, permitindo assim a manutenção das suas atividades econômicas e consequentemente a conservação de postos de trabalhos, a arrecadação de impostos, a satisfação dos créditos dos credores, protegendo a sua função social.

O pedido de recuperação judicial deverá ser instruído com a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira, além dos balanços patrimoniais, relação completa dos credores, demonstração de resultados, demonstrativos de fluxo de caixa, extratos de contas bancárias e aplicações financeiras e outros documentos financeiros, requisitos estes previstos no art. 51 da lei 11.101/05.

Após análise de todas essas documentações, o juiz poderá deferir ou indeferir o processamento da recuperação judicial. Caso seja indeferido, o Juiz decretará a falência da empresa. Todavia, caso seja deferido, inicia-se a fase de processamento da recuperação judicial, publicando-se um edital contendo a relação dos credores e o crédito que cada um tem a receber. É a partir desse momento, que os credores que não foram relacionados, ou que verificarem alguma divergência nos valores dos créditos apresentados, deverão no prazo de 15 dias apresentar ao administrador judicial suas habilitações ou questionamentos sobre créditos descritos.

Há de ressaltar, ainda, que com o deferimento preliminar do processamento da recuperação judicial, serão suspensas todas as execuções e prescrições em face do devedor, pelo prazo de 180 dias.

Após o deferimento do pedido, a empresa recuperanda tem o prazo de 60 dias para apresentar o chamado plano de recuperação. Este documento conterá as providências necessárias para a reorganização financeira da empresa, estabelecendo como as obrigações financeiras e fiscais serão cumpridas, além de detalhar como será realizado o pagamento dos credores e colaboradores.

Na maioria das vezes, as empresas requerem em seus planos os abatimentos dos valores das dívidas, bem como seu parcelamento, negociação com sindicatos, alterações estruturais na empresa para entrada de novos sócios, a contratação de empréstimos especiais, entre outras.

A possibilidade da contratação de empréstimos especiais pelas empresas recuperandas, por sua vez, não era permitido anteriormente, e se deu recentemente com as alterações trazidas em 2020. O legislador, buscando estimular essa forma de financiamento de risco, trouxe para as instituições fornecedoras destes empréstimos, diversas garantias, dentre eles, a prioridade em receber de volta o dinheiro, caso a empresa devedora não consiga se restabelecer.

Pois bem, com a apresentação do plano, os credores terão um prazo de 30 dias para concordar ou apresentar objeções. Havendo impugnações, o juiz convocará a chamada Assembleia de Credores. Nessa assembleia, os credores poderão aprovar, rejeitar ou modificar o plano de recuperação.

A nova legislação trouxe uma mudança significativa nesta fase da aprovação do plano, permitindo aos credores que representem mais de 50% dos créditos presentes na assembleia, rejeitarem o plano trazido pela empresa recuperanda e, em 30 dias, apresentarem plano de recuperação por eles elaborado.

Após isso, com o plano de recuperação aprovado, haverá a chamada novação das dívidas, ou seja, as dívidas anteriores serão substituídas pelas novas, nas condições descritas no plano.

A recuperação judicial deverá ser encerrada no prazo de 2  anos, nos termos do art. 61 da lei 11.101/05. Contudo, na prática, esse prazo normalmente é bem mais extenso, podendo uma recuperação judicial perdurar por anos até que de fato o plano seja integralmente cumprido. A execução deste plano, por sua vez, será conduzida pelo administrador judicial com a supervisão da justiça, e caso haja qualquer descumprimento do plano ou da lei, o Judiciário poderá decretar a falência da empresa. Havendo a decretação da falência, a empresa encerrará completamente as suas atividades, com a venda de todos os seus ativos para o pagamento das dívidas.

Desde modo, pode-se concluir que a recuperação judicial é um procedimento que tem por objetivo central o soerguimento da empresa em dificuldades financeiras buscando-se evitar portanto a decretação da falência, preservando assim todos os empregos diretos e indiretos gerados por ela, além da arrecadação de impostos e o fomento da economia.

Vamos acompanhar, no caso das Americanas, como será o final de toda essa grande confusão contábil, econômica e social.

Gabriela Harmes
Advogada de Contencioso Cível Geral de Martorelli Advogados.

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