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Planejamento urbano e gerenciamento costeiro: análise de normas jurídicas e combate à poluição

Este artigo propõe-se a relacionar teoricamente o planejamento urbano sob os aspectos do gerenciamento costeiro e do combate à poluição das praias e dos rios que deságuam no mar; a descrever as normas jurídicas dos estados brasileiros do Amapá e do Rio Grande do Sul que fazem fronteira com a Guiana Francesa e o Uruguai; e a subsidiar com informações para a melhoria da gestão pública.

14/2/2023

1. Introdução

A gestão pública brasileira não prescinde de informações para a melhor tomada de decisão. Em se tratando de bens de domínio público, a comunidade científica tem potencial de apoiar a qualidade do planejamento e de sua implementação.

A Política Nacional de Recursos Hídricos, enquanto planejamento do gerenciamento, tem como um dos fundamentos a água ser um bem de domínio público (vide artigo 1º, inciso I, da lei de Recursos Hídricos)1, inclusive os rios que deságuam no mar; e como um dos objetivos assegurar a disponibilidade de água em padrão de qualidade adequado ao respectivo uso (vide artigo 2º, inciso I, da lei de Recursos Hídricos)2.

As praias são bens protegidos também pela Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (vide artigo 3º, da lei de Gerenciamento Costeiro)3, em especial por meio do zoneamento de usos e atividades na zona costeira e da prioridade na conservação.

Para além do direito positivo, a realidade é de crise ambiental local e global, que gera situações de perda quali-quantitativa, aspectos que são considerados na política de recursos hídricos e no plano de gerenciamento costeiro, reconhecidos pela gestão pública no relatório da Agência Nacional de Águas4, no qual está registrado que, embora diversas ações de gestão dos recursos hídricos estejam em curso, alterações como mudanças no clima e aumento contínuo da demanda, no ciclo da água impõem grandes desafios à gestão durante períodos de escassez.

A gestão dos recursos hídricos é complexa, porque baseada em bacias hidrográficas, usos múltiplos e classes de corpos d’água, nacionais, fronteiriços ou transfronteiriços. À essa complexidade, acrescem-se outros aspectos como a gestão pública das nascentes e fozes, em especial quando estas deságuam no mar, cuja titularidade de gestão é de ente federado diverso no caso brasileiro. Nesse contexto, tem-se ainda eventuais situações de escassez dos recursos hídricos, evidenciado pelas mudanças climática. Ao se somar os aspectos da gestão dos recursos hídricos, da costa e da segurança hídrica, como se relacionam juridicamente estes com o planejamento urbano e as regiões de fronteira? E qual o panorama legal nacional?

Para buscar responder esses problemas de pesquisa, no item 2 deste artigo será apresentado a lei de Gerenciamento Costeiro5 com viés urbano. Essa análise será instrumentalizada pela teoria tridimensional de Miguel Reale, que, segundo Nader6, em complemento à teoria Positivista de Hans Kelsen7, permite reconhecer o valor jurídico que apoia a interpretação jurídica adequada.

Feita essa análise, no item 3 será procedida a análise das normas jurídicas estaduais sobre gerenciamento costeiro do Amapá e do Rio Grande do Sul, especialmente nos aspectos qualidade das águas, proteção das praias e planejamento urbano.

E finalmente no item 4 será analisada a importância da fiscalização ambiental como meio de efetividade das normas.

Nos termos postos, metodologicamente, o estudo se deu pelo método dedutivo, compreendido como aquele que “corresponde à extração discursiva do conhecimento a partir de premissas gerais aplicáveis a hipóteses concretas”, segundo Bittar8. Em outras palavras, serão analisadas algumas normas jurídicas sobre o tema de estudo para deduzir-se um o perfil da política pública na área, inclusive pontos positivos e negativos.

Com o método dedutivo, serão feitas reflexões sobre o problema de pesquisa por meio da técnica de investigação conceitual estudo de caso9, com conteúdo advindo de fontes jurídicas formais (lei e doutrina) e não formais (dados abertos oficiais)10, confirme Bittar.

As normas jurídicas dos estados brasileiros selecionados precisam ainda ser analisadas sob um “Quadro de Referência de uma Política Pública”, em uma próxima etapa da pesquisa, como proposto por Bucci, para subsidiar a tomada de decisão em gestão pública. Veja-se os benefícios do quadro de referência para a autora11:

“A conexão estruturada entre os elementos jurídicos e políticos do programa de ação permite integrar a visão das normas e procedimentos aos seus componentes políticos e sociais vitais, quebrando o isolamento metodológico que foi imposto ao direito com a consagração do positivismo jurídico”.

Em outras palavras, esse quadro de referência de Bucci12 permite a integração das áreas de conhecimento de um projeto, ou seja, inclui processos e atividades para identificar, definir, combinar, unificar e coordenar diversos processos e atividades de gerenciamento dentro dos grupos de processos, segundo Iba13.

Com efeito, submeter uma norma jurídica sobre plano de gerenciamento costeiro a uma análise que identifique o nome oficial do programa de ação, a gestão governamental, a base normativa, a hierarquia (exemplo: lei ordinária, decreto, superior, inferior), o desenho jurídico-institucional (mecanismos de articulação da ação, escala e público-alvo; beneficiários diretos, beneficiários indiretos), a dimensão econômico-financeira do programa, a estratégia de implantação, o movimento pretendido ou esperado, o funcionamento efetivo do programa e os aspectos críticos do desenho jurídico-institucional; tudo isso contribui para mais eficiência, conforme Castro14, ou, nas palavras de Bucci, “uma evolução na percepção de como se analisam e como se organizam juridicamente as políticas públicas, [...] [para] uma nova cultura na gestão pública, em que a presença do direito seja mais integrada e prospectiva”15.

Essa análise será feita na próxima etapa da pesquisa, a que também pode envolver:

  1. Análise do panorama legal da Guiana Francesa e do Uruguai sobre gerenciamento costeiro, poluição e planejamento urbano; e suas relações com as normas jurídicas do Brasil;
  2. análise de eventuais leis municipais de gerenciamento costeiro; e
  3. análise de normas jurídicas do Amapá e do Rio Grande do Sul sob um “Quadro de Referência de uma Política Pública”, como o proposto por Bucci16.

Essa pesquisa se justifica pela necessidade de produção de informações que para a tomada de decisão informada em gestão pública, inclusive com contribuição da comunidade científica.

Objetiva-se, assim, em geral, promover um avanço na solução de conflitos socioambientais no âmbito do planejamento urbano e gerenciamento costeiro; e, especificamente, a otimização do processo de tomada de decisão na gestão pública por meio de informações sobre normas jurídicas e sua sistematização.

2. O planejamento urbano sob o aspecto do gerenciamento costeiro e do combate à poluição das praias e dos rios que deságuam no mar

Como foi anunciado na Introdução, será apresentada a lei de Gerenciamento Costeiro17 com uma ênfase na questão urbana; e instrumentalizada essa análise pela teoria tridimensional de Miguel Reale, segundo Nader18, para se identificar o valor jurídico que apoia a interpretação jurídica dessa norma.

A tridimensionalidade do direito, também chamada de fórmula Reale, foi elaborada por Miguel Reale, jurista brasileiro (1910 a 2006), que participou da formulação do Código Civil de 2002, conforme Nader19. Para Reale, a realidade fática-axiológica-normativa se apresenta como uma unidade, havendo nos três fatores uma implicação dinâmica. As notas dominantes do fato, do valor e da norma estão, respectivamente, em eficácia-fundamento-vigência. O direito é uma realidade cultural, porque é o resultado da experiência do homem.

Confrontando-se a teoria tridimensional com a lei de Gerenciamento Costeiro, pode-se ter o seguinte quadro:

Quadro 01 – Confrontação entre a teoria tridimensional e os dispositivos de viés urbano da lei do Plano nacional de gerenciamento costeiro (“LPNGC”)

Fenômeno jurídico

Fato/eficácia

Valor/fundamento

Norma/vigência LPNGC

Participação dialética/implicação dinâmica

tutela dos bens públicos

soberania, tutela do interesse público

Art. 1º

integração de políticas

Planejamento

qualidade do meio ambiente, distribuição de competências

Art. 5º

execução e legalidade

liberdade limitada

tutela dos bens públicos de uso comum do povo, segurança nacional

Art. 10

gestão com normas para controle do uso das praias

Planejamento

especificação da distribuição das competências

Art. 4º

gestão com critérios para zoneamento

Planejamento

qualidade do meio ambiente

Art. 28

gestão com critérios para zoneamento

Fonte: elaborado pelos autores com base em Miguel Reale apud Nader (2017, ps. 390-391) e Brasil (1998, 1998a) (2004) (grifos nossos)

Com essa confrontação é possível concluir que os valores jurídicos (eficácia-fundamento-vigência) que apoiam a interpretação jurídica para Miguel Reale20 são o que denominamos de “integração de políticas”, “execução e legalidade”, “gestão por normas para controle do uso das praias” e “por critérios para zoneamento”.

O valor jurídico “integração de políticas” significa que os agentes políticos e administrativos, responsáveis pelas políticas nacionais “para os Recursos do Mar”, “do Meio Ambiente” e “de Gerenciamento Costeiro”21 devem se articular para implantar o planejamento, além de corrigi-lo periodicamente, segundo as melhores técnicas de gestão, segundo Iba22.

Os valores jurídicos “execução e legalidade” definem-se como sendo a observância da ação peculiar da administração pública, que é de agir conforme a lei latu sensu, conforme Di Pietro e Martins Jr.23. Essa lei latu sensu servirá de padrão da qualidade do meio ambiente sob o aspecto da urbanização, uso do solo e das águas, e sua legislação correlata24.

E finalmente dos valores jurídicos “gestão por normas para controle do uso das praias” e “por critérios para zoneamento” significam projetar comportamentos e acompanhar seus desenvolvimentos; assim como, respectivamente, classificar áreas urbanas pelas suas potencialidades de desenvolvimento e, de mesmo modo, observar na realidade a aplicação do parâmetro para Iba25. Essas normas e critérios são “proteção das praias quanto à urbanização que não facilite o acesso a essas”; e, para a classe C (trecho da orla marítima com atividades humanas impactantes, inclusive poluição), “usos urbanos, habitacionais e apoio ao desenvolvimento urbano”, segundo legislação26.

Vale destacar que a análise da lei de Gerenciamento Costeiro27 deve ser complementada pela análise das eventuais leis municipais. Isso porque o art. 4º do Regulamento da lei de gerenciamento costeiro prevê que os Municípios abrangidos pela faixa terrestre da Zona Costeira serão os “I - defrontantes com o mar, assim definidos em listagem estabelecida pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE”28. Assim, apenas nos estados do Amapá e Rio Grande do Sul, tem-se a seguinte área municipal para gestão29:

Tabela 01 – Municípios defrontantes com o mar nos estados brasileiros selecionados

(Imagem: Fonte: Municípios (2019))

Como dito, todos esses municípios precisam ser objeto de novos estudos do sentido urbano do gerenciamento costeiro, em especial sob o aspecto da qualidade dos rios que deságuam no mar e da proteção das praias, observando-se as competências municipais estabelecidas na Constituição federal de 1988 para Freitas e Martins Jr.30.

Para visualização da área municipal de gestão do Amapá e Rio Grande do Sul, indicada na tabela 01, recomenda-se acessar os mapas tradicionais do IBGE31, nos quais ilustram-se os municípios e corpos d’água.

Pelas ilustrações desses mapas é possível deduzir a imprescindível integração de política para alcance das metas dos planos de gerenciamento costeiro.

Além da integração de políticas em âmbitos nacional, estadual e municipal, faz-se necessária a integração com as competências constitucionais da Marinha do Brasil32, a qual elaborou, em processo nominado participativo, o PAF-ZC, instrumento do PNGC – Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro. O objetivo desse documento foi registrar estratégias e ações dos agentes públicos para efeito de prestação de contas de funções administrativas, conforme Castro33 e dinamização das áreas de conhecimento dentro de um projeto, segundo Iba34:

“[...] planejamento de ações estratégicas para a integração de políticas públicas incidentes na zona costeira, buscando responsabilidades compartilhadas de atuação e [...]: promover, entre os membros do GI-GERCO, ações integradas relacionadas à gestão costeira; [além de] priorizar ações que desenvolvam a capacitação de pessoal e das instituições quanto à implantação e avaliação dos instrumentos de gerenciamento costeiro já existentes e contribuir com experiências setoriais exitosas na busca de soluções inovadoras para a gestão costeira”.

Esse PAF-ZC traz uma síntese das ações federais priorizadas para o planejamento e gestão da zona costeira35 como “Desenvolver metodologia de Avaliação dos Planos de Gestão Integrada” e “Integrar e articular o Projeto Orla aos Planos Diretores Municipais”.

Essa busca pela “integração de políticas”, inclusive enquanto valor jurídico identificado pela análise feita no quadro 01, demonstra que as normas jurídicas nacionais existentes se encontram no caminho para o atingimento das metas previstas. Analise-se adiante duas das normas jurídicas estaduais.

3. Descrição das normas jurídicas dos estados brasileiros do Amapá e do Rio Grande do Sul

Os Estados do Amapá e Rio Grande do Sul, em suas constituições estaduais36, trazem dispositivos que indicam como será a gestão da costa37 38.

O Estado do Amapá tem dispositivos constitucionais sobre a costa voltados para a pesca39. E um plano de gerenciamento costeiro, revisado40, sem dispositivos expressos sobre fronteiras, rios que desaguam no mar ou praias; e com dispositivos sobre qualidade ambiental no gerenciamento costeiro, o que, deduz-se, inclui a despoluição de rios que deságuam no mar e praias (vide artigo 2º, inciso III, Lei do Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro)42, Veja-se:

“Gerenciamento Costeiro: o conjunto de atividades e procedimentos que, através de instrumentos específicos, permite a gestão dos recursos naturais da Zona Costeira, de forma integrada e participativa, visando à melhoria da qualidade de vida das populações locais, fixas e flutuantes, objetivando o desenvolvimento sustentado da região, adequando as atividades humanas à capacidade de regeneração dos recursos e funções naturais renováveis e ao não comprometimento das funções naturais inerentes aos recursos não renováveis;”

O Estado do Rio Grande do Sul traz dispositivo expresso sobre a gestão costeira, em especial o uso de recursos naturais da região litorânea e conservação das praias e sua paisagem típica43.

O Estado do Rio Grande do Sul parece não possui um plano de gerenciamento costeiro próprio44, e sim um convênio que observa a lei de Gerenciamento Costeiro45, para implantar o GERCO - Programa de gerenciamento costeiro , fundado no zoneamento e monitoramento para a qualidade ambiental:

“[...] a implantação de um processo de gestão costeira apoiada em instrumentos de planejamento e gerenciamento como o zoneamento ecológico-econômico (ZEE), um sistema de informações, planos de ação e gestão, monitoramento, licenciamento e fiscalização, objetivando melhorar a qualidade de vida das populações locais e promovendo a proteção adequada de seus ecossistemas”.

Embora o GERCO - Programa de Gerenciamento Costeiro do Estado do Rio Grande do Sul46 se desenvolva em uma “[...] área específica inserida na Região Hidrográfica do Litoral onde verifica-se peculiaridades de geomorfologia, drenagens naturais e influência marinha [...]”; esse programa compromete-se a avaliar a “[...] qualidade das águas ao longo da região costeira [...] através de dois projetos: Monitoramento dos Rios, Lagos, Lagoas e Estuários; e Balneabilidade das Praias”, o que pode permitir a expansão da área gerenciada pela interconexão de bacias hidrográficas.

4. O monitoramento ambiental fundado no poder de polícia como instrumento de ação corretiva da gestão pública

No transcorrer da análise dos itens 2 e 3, abordaram-se os valores jurídicos propostos a partir de Miguel Reale Jr. e sua Teoria Tridimensional do Direito, segundo Nader47, tais como “integração de políticas”, “execução e legalidade”, “gestão por normas para controle do uso das praias” e “por critério para zoneamento”.

Para assegurar a eficiência da atuação do Estado na gestão e controle desses valores jurídicos relacionados aos recursos hídricos, ao planejamento urbano e ao gerenciamento costeiro, o Poder Público lança mão de seu repertório legal e funciona como ente fiscalizador, papel que desempenha diante da responsabilidade de que, observado o regramento, estará resguardado o bem-estar coletivo.

À supremacia da coisa pública, coletiva, sobre o interesse individual que resulta ou possa resultar na limitação das liberdades em sentido lato, denomina-se nesse estudo como sendo “poder de polícia”, positivado no artigo 78 do Código Tributário Nacional48.

A motivação do poder de polícia deve estar relacionada com os valores jurídicos analisados nos itens 2 e 3. Por exemplo, a atividade da administração pública deve limitar e disciplinar direito, interesse ou liberdade, regular a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público vinculado à “integração de políticas”, “execução e legalidade”, “gestão por normas para controle do uso das praias” e “por critérios para zoneamento”.

Essa atividade ou ação corretiva como instrumento de gestão está, em dada interpretação, na definição de Meirelles49 de que o poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado, e segundo suas metas.

Essas ações corretivas de monitoramento ambiental com uso do poder de polícia também se aplicam às atividades públicas e privadas. Sob essa ótica, do direito ambiental, Paulo Affonso Leme Machado preconiza50:

“[...] deve ser colocada a questão do exercício do poder de polícia disciplinando e sancionando a própria pessoa de Direito Público e o ente paraestatal. [...]. Não haverá quebra de autonomia constitucional se um órgão federal agir contra um órgão estadual ou este contra aquele, desde que tenha sua atuação respaldada na legislação: por exemplo, um organismo ambiental estadual pode multar uma empresa pública federal ou aprender-lhe instrumentos”.

Somando-se ao conceito legal de poder de polícia, às doutrinas do Direito administrativo e ambiental, a lei de Política Nacional do Meio Ambiente51 traz em seu artigo 9º e seguintes, o rol dos seus instrumentos dentre os quais estão contemplados os mecanismos de controle e gestão relacionados tanto à prevenção quanto à repressão de ações antrópicas que causem ou possam vir a causar qualquer tipo de degradação ambiental.

No caso do objeto de estudo deste artigo, o monitoramento ambiental, fundado no poder de polícia como instrumento de ação corretiva da gestão pública, deve considerar as realidades distintas e dados relativos aos corpos hídricos existentes nos dois Estados e, por consequente, exploração de recursos naturais, ocupação de áreas de proteção permanente, descarte irregular de efluentes líquidos e resíduos sólidos são específicos, e impõem aos poderes constituídos integração política para a resolução de problemas relacionados.

Uma vez contaminados e a depender da persistência do contaminante no meio líquido, rios e corpos d’água que cruzam grandes distâncias, podem carrear elementos exógenos em seu fluxo, o que amplia a mancha poluente para centenas de quilômetros quadrados, inclusive até a costa e com ultrapassagem das fronteiras territoriais52. Por isso, cabe ao Estado agir de maneira integrada para definir uma forma de atuação multidisciplinar e que envolva controle e fiscalização dos fatos ambientais.

As Constituições dos Estados do Amapá e do Rio Grande do Sul53 trazem em seus textos as responsabilidades de proteção do meio-ambiente pela atividade fiscalizatória. Contudo, a efetividade do poder de polícia na preservação e gestão de recursos hídricos necessita de mais empenho dos agentes públicos para alcançar governança e compatibilização de competências públicas, um grande desafio na busca pela preservação ambiental a ser superado com a demanda da sociedade civil e o apoio da comunidade científica.

4. Conclusões

Diante do exposto, conclui-se, como subsídio de informações para a melhoria da gestão pública.

A primeira conclusão, referente à relação teórica entre planejamento urbano sob os aspectos do gerenciamento costeiro e do combate à poluição das praias e dos rios que deságuam no mar, mostra que estão presentes os valores jurídicos “integração de políticas”, “execução e legalidade”, “gestão por normas para controle do uso das praias” e “por critérios para zoneamento”, segundo o fundamentado no item 1.

A segunda conclusão, quanto à descrição das normas jurídicas dos estados brasileiros do Amapá e do Rio Grande do Sul, mostra que, pelas normas jurídicas hierarquicamente superiores desses Estados, infere-se que a política pública na área de planejamento urbano, gerenciamento costeiro, despoluição das praias e dos rios que deságuam no mar trazem os valores jurídicos “execução e legalidade”, “gestão por normas para controle do uso das praias” e “por critérios para zoneamento”, e não traz o valor jurídico “integração de políticas”, segundo o fundamentado no item 2.

E, por fim, ainda se conclui que o monitoramento ambiental fundado no poder de polícia é instrumento de ação corretiva da gestão pública.

Por essas conclusões, espera-se que essa pesquisa aponte avanços para a solução de conflitos socioambientais na medida em que torna evidentes os valores jurídicos inseridos nas normas jurídicas analisadas, os quais podem servir de parâmetro para tomada de decisão na gestão pública.

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1 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos [...]. DOU de 9.1.1997. Disponível em: . Acesso em: 30 março.2021. 

2 Id., 1997.

3 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988. Institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e dá outras providências. DOU de 18.5.1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 7 março.2021.

4 ANA - AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS E SANEAMENTO BÁSICO (BRASIL). Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil 2020: informe anual / Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. - Brasília: ANA, 2020, p. 85.

5 Id., 1988.

6 Apud NADER, Paulo. Introdução do Estudo do Direito. 39ª edRio de Janeiro: Forense, 2017, ps. 84-86; 122-127; 297-302 e 325; e 381-393.

7 Id., 2017, ps. 84-86; 122-127; 297-302 e 325; e 381-393.

8 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática da monografia para os cursos de direito. 14. ed. - São Paulo: Saraiva, 2016, ps. 34-35.

9 Id., 2016, ps. 217-221.

10 Ibid., 2016, ps. 217-221.

11 BUCCI, Maria Paula Dallari. Quadro de Referência de uma Política Pública: primeiras linhas de uma visão jurídico-institucional. In: Direito do Estado, Colunistas, ano 2016, nº 122, postado em 27/03/2016. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em: 1º abril. 2021, sem página.

12 Id., 2016, sem página.

13 IBA, Fábio Luiz. Gestão de projetos: introdução aos conceitos de gestão em projetos. E-book nº 1 da disciplina Gestão de projetos, do curso EAD – educação à distância de Tecnólogo em gestão Ambiental, 2019. UNIFACS – Universidade Salvador. Disponível em: https://estudantesunifacs.eadlaureate.com.br. Acesso em: 31 março, 2021, p. 23.

14 CASTRO, Ana Cristina de, Cláudia Osório de. Gestão pública contemporânea. Editora Intersaberes, 2014. Disponível em . Acesso em: 8 fev.2021, ps. 265-287.

15 Ibid., 2016, sem página.

16 Id, 2016, sem página.

17 Ibid., 1988.

18 Apud NADER, 2017, ps. ps. 84-86; 122-127; 297-302 e 325; e 381-393.

19 Apud NADER, 2017, ps. 390-391.

20 Id., 2017, ps. 390-391.

21 Ibid., 1988; BRASIL. Presidência da República. Mensagem de veto, Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988. Institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro e dá outras providências. DOU de 18.5.1998a. Disponível em: . Acesso em: 7 março.2021; e BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 5.300 de 7 de dezembro de 2004. Regulamenta a Lei no 7.661, de 16 de maio de 1988, que institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro – PNGC [...]. D.O.U. de 8.12.2004. Disponível em: . Acesso em: 7 mar.2021.

22 Id., 2019, p. 23.

23 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Tratado de Direito Administrativo, vol. I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, ps. 287-325.

24 Ibid. 1988, 1988a, 2004. 

25 Id., 2019, p. 23.

26 Ibid. 1988, 1988a, 2004.

27 Id., 1988.

28 Ibid., 1988.

29 Municípios defrontantes com o mar, Geociências, Downloads. In: IBGE – Instituto brasileiro de geografia e estatística. 2019. Disponível em: . Acesso em: 7 março 2021.

30 FREITAS, Gilberto Passos de, MARTINS JR., Wallace Paiva. Competência normativa municipal em matéria ambiental, Vertentes do Direito v. 3, n. 1 (2016), pp. 01-29.

31 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mapas. Mapa político do Brasil 2020. Disponível em: https://portaldemapas.ibge.gov.br/portal.php#mapa222623. Acesso em: 29 março.2021; IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mapa escolar do estado do Amapá, 2021. Disponível em: https://portaldemapas.ibge.gov.br/portal.php#. Acesso em: 31 março.2021; e IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mapa escolar do estado do Rio Grande do Sul, 2021. Disponível em: . Acesso em: 31 março.2021.

32 MARINHA DO BRASIL. PAF-ZC. IV Plano de ação federal para a zona costeira, 2017/2019. Edição de 2017. Disponível em: . Acesso em: 8 março 2021, p. 7.

33 Id., 2014, ps. 265-287.

34 Ibid., 2019, p. 23.

35 Id., 2017, ps. 7-8.

36 ESTADO DO AMAPÁ. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO AMAPÁ. Texto promulgado em 20 de dezembro de 1991, atualizado até a Emenda Constitucional nº 0062, de 30.04.2020. Disponível em: . Acesso em: 29 março.2021. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL; e CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Texto constitucional de 3 de outubro de 1989 com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais de n.º 1, de 1991, a 79, de 2020. Disponível em: . Acesso em: 29 março.2021.

37 Na Constituição do Estado do Amapá está previsto: Art. 220. É vedada e será reprimida na forma da lei, pelos órgãos públicos, com atribuições para fiscalizar e controlar as atividades pesqueiras, a pesca predatória sob qualquer de suas formas, tais como: I - práticas que causem riscos às bacias hidrográficas e zonas costeiras do território do Estado; […] III - pesca industrial a menos de trinta milhas marítimas da costa estadual” (ESTADO DO AMAPÁ, 1991). E na Constituição do Estado do Rio Grande do Sul (ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 1989) tem-se: “Art. 251. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo para as presentes e futuras gerações, cabendo a todos exigir do Poder Público a adoção de medidas nesse sentido. (Vide Leis nos 9.519/92 e 11.520/00) § 1.º Para assegurar a efetividade desse direito, o Estado desenvolverá ações permanentes de proteção, restauração e fiscalização do meio ambiente, incumbindo-lhe, primordialmente: […] X - promover o gerenciamento costeiro para disciplinar o uso de recursos naturais da região litorânea e conservar as praias e sua paisagem típica; [...]”.

38 ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Legislativo, Legislação estadual, Pesquisa Legislação Estadual. Verbete “gerenciamento costeiro”. Disponível em: http://www.al.rs.gov.br/legislativo/LegislacaoEstadual.aspx. Acesso em: 1º abril.2021.

39 Id., 1991.

40 ESTADO DO AMAPÁ, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. Lei nº 1089, de 25 de maio de 2007. Dispõe sobre a revisão do Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro, e dá outras providências. Publicada no Diário Oficial do Estado nº 4013, de 25/05/2007. Disponível em: http://www.iepa.ap.gov.br. Acesso em: 31 março.2021.

41 Ibid., 2007.

42 Id., 1989.

43 Ao pesquisar lei sobre gerenciamento costeiro no site da Assembleia, retornou apenas o Decreto legislativo nº 6.033 de 01/08/1990 que “Aprova o Convenio 007/088/89, celebrado entre a Comissão interministerial para os recursos do mar, através da SECIRM, e o Estado do Rio Grande dos Sul, através da secretaria da saúde e do meio ambiente, destinado avro desenvolvimento do subprojeto w09 2046 - gerenciamento costeiro” (ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, 2021).

44 Ibid., 1988.

45 FEPAM - Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler. Governo do Rio Grande do Sul. GERCO - Programa de gerenciamento costeiro. Disponível em: . Acesso em: 1º abril. 2021.

46 Id., 2021.

47 Ibid., 2017.

48 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. DOU de 27.10.1966 e retificado em 31.10.1966. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 7 abril.2021.

49 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 44ª edição. São Paulo: Malheiros editores, 2008.

50 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro, 21ª edição revista, ampliada e atualizada, 2012. Editora Juspodivm, p. 385.

51 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Publicado no DOU de 2.9.1981. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 7 abril.2021.

52 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXPERIORES. Segunda Comissão brasileira demarcadora de limites. Fronteiras. Disponível em: http://scdl.itamaraty.gov.br/pt-br/fronteiras_da_scdl.xml. Acesso em: 29 março.2021.

53 Id., 1991; Ibid., 1989.

Noemi Lemos França
Advogada e Doutoranda CAPES PROSUC UNISANTOS Edital nº 76/2021.

Dario de Souza Souto
Investigador de Polícia da Polícia Militar do Estado de São Paulo e mestrando em direito pela UNISANTOS.

José Marques Carriço
Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela USP - Universidade de São Paulo e docente do Programa de Graduação stricto sensu em Direito Ambiental Internacional e do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UNISANTOS - Universidade Católica de Santos.

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