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Sobre rescisão do contrato de trabalho

Afinal, o empregador pode demitir sem justa causa, mediante pagamento de indenização, conforme prevê o Art. 7º, I, da Constituição, ou a despedida depende de homologação judicial?

14/2/2023

Quem contrata empregado por prazo indeterminado, o faz na expectativa de um dia ter necessidade de dispensá-lo. Da mesma maneira, aquele que encontra emprego sabe, ou deve saber, que o vínculo poderá ser desfeito. A regra vale para o empregado, a quem a lei assegura do direito de se despedir, sem estar obrigado a fornecer os motivos ao empregador. Se os sagrados laços matrimoniais podem ser desfeitos, por que não os vínculos do contrato de trabalho?

Antes do advento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a norma legal era simples. Determinava o art. 472 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que, ao empregado demitido, não tendo ele “dado motivo à cessação das relações de trabalho”, é assegurado “o direito de haver do empregador uma indenização paga na base da maior remuneração que tenha percebido na mesma empresa”. A indenização “será de um mês de remuneração por ano de serviço efetivo, ou por ano ou fração igual ou superior a seis meses” (art. 473). Ambos os dispositivos caíram em desuso. Estão esquecidos. Não foram, porém, revogados.

A lei do FGTS não veda a demissão.  Altera, entretanto, o cálculo da indenização. Conforme ordena o art. 10, I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), ao demitido injustamente será paga indenização correspondente a 40% dos depósitos corrigidos do FGTS.

A polêmica em torno da Convenção nº 195, da Organização Internacional do Trabalho (OIT,) projeta nuvens escuras sobre milhões de micro, pequenas, médias e grandes empresas. Empregadores, administradores de recursos humanos e advogados aguardam, com justificado temor, o resultado do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 1625, ajuizada no Supremo Tribunal Federal há mais de 25 anos. A decisão tende a decidir pela inconstitucionalidade do Decreto nº 2.100, de 20/12/1996, que denunciou a referida Convenção, promulgada em 1º/4 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

Já nos ensinava Rui Barbosa, na Réplica, que “Se a lei não for certa não pode ser justa. Para ser certa, porém, cumpre que seja precisa, nítida, clara”. Lucas Allaman, filósofo e jurista mexicano, escreveu que “Nas leis, nada pior do que o indefinido”. A   combinação entre a Constituição, a Lei do Fundo de Garantia e a Convenção nº 195-1982, da OIT, condenará o empregador brasileiro a viver no pior dos mundos: o mundo da obscuridade, da incerteza, da insegurança jurídica.

A Convenção nº 158 “aplica-se a todas as áreas de atividade econômica e a todas as pessoas empregadas”, prescreve o Artigo 2. Além disso, “Deverão ser previstas garantias contra o recurso a contratos de trabalho de duração determinada, cujo objetivo seja o de iludir a proteção prevista nessa Convenção”, ordena o inciso 1 do Artigo 2. “Não deverá ser terminada a relação de trabalho de um trabalhador por motivos relacionados com seu comportamento ou desempenho antes de se dar ao mesmo a possibilidade de se defender das acusações feitas contra ele, a menos que não seja possível pedir ao empregador, razoavelmente, que lhe conceda essa possibilidade”, reza o Artigo 7.

Se o trabalhador considerar injustificado o término da relação de emprego, “terá o direito de recorrer contra o mesmo perante um organismo neutro, como, por exemplo, um tribunal, um tribunal do trabalho, uma junta de arbitragem ou um árbitro”, determina o Artigo 7, Seção C, número 1. Paro por aqui. Entendo desnecessário continuar a reproduzir os dispositivos do Tratado celebrado sob os auspícios da OIT, cuja redação jurídica não prima pela clareza.

Estou convencido de que a ratificação resultou de erro do Gabinete Civil ou do Ministério das Relações Exteriores, do governo Fernando Henrique Cardoso. Erro no qual S. Exa. foi induzido, por equivocada avaliação do documento internacional. Apurei que a Convenção foi ratificada por apenas 34 países, entre 185. Alguns com força de trabalho considerável, como é o caso da Espanha, França, Suécia. A maioria, porém, dotada de mercado de trabalho proporcional à reduzida economia, não se sabendo se a ratificação obteve resultados práticos.

O Brasil é o país da insegurança jurídica. Assim se explicam a elevada quantidade de ações em curso na Justiça do Trabalho, o receio do empregador contratar empregados, o contínuo processo de desindustrialização, a constante queda do índice de desenvolvimento econômico.

 Afinal, o empregador pode demitir sem justa causa, mediante pagamento de indenização, conforme prevê o Art. 7º, I, da Constituição, ou a despedida depende de homologação judicial?

Essa é a relevante questão, que atemoriza o mundo jurídico-trabalhista.

Almir Pazzianotto Pinto
Advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Autor de A Falsa República e 30 Anos de Crise - 1988 - 2018. ..

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