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O direito do advogado quanto ao recebimento dos honorários advocatícios sucumbenciais

O objetivo do presente estudo é, basicamente, examinar se o acordo formulado diretamente pela parte vitoriosa com a vencida após a prolação de sentença, sem o conhecimento, participação e/ou anuência do advogado, pode afetar o direito do profissional quanto ao recebimento da respectiva verba honorária sucumbencial.

13/2/2023

Em sua aclamada obra “A Metamorfose” (Die Verwandlung), Franz Kafka, ao tratar do caixeiro-viajante Gregor Samsa, que acorda transformado em um “gigantesco inseto” – e, portanto, é deixado de lado por aqueles que outrora dependiam de si para sobreviver –, nos apresenta, metaforicamente, algumas problemáticas relacionadas à condição humana, especialmente a facilidade com que alguém passa de necessário à substituível.

Deveras, a obra oculta uma crítica a uma sociedade onde os interesses pautam a convivência. Trata-se de uma forma – cruel, mas verdadeira – de retratar a frieza do ser humano diante de situações de conflito. Na medida em que alguém não mais tem nada a oferecer, não serve para mais nada.

A prática forense revela que, vez ou outra, ainda que excepcionalmente, o advogado sente-se um “gigantesco inseto”; de fomentador do êxito do seu cliente, passa a ser um indesejável contratempo.

Uma dessas situações se dá nos casos em que, julgado procedente o pedido inicial, o constituinte vitorioso formaliza acordo com a parte adversa, inclusive aceitando valores inferiores àqueles lhes assegurados pelo provimento jurisdicional favorável, sem o conhecimento, participação e/ou anuência do respectivo advogado, olvidando-se ao direito alheio do profissional em relação à verba alimentar.

Em hipóteses tais, a despeito da falta de lealdade e boa-fé dos participantes, é firme o entendimento jurisprudencial no sentido de que, à teor dos artigos 840 e seguintes do Código Civil, as partes capazes podem livremente transacionar sobre direito disponível, sendo prescindível a intervenção de advogados, cujo acordo será válido e eficaz, desde que não evidenciado nenhum prejuízo (nesse sentido, “verbi gratia”: STJ – AgInt no AREsp 1.832.717/MS. Rel.: Min. Moura Ribeiro. Terceira Turma. Julg.: 2/8/22).

Todavia, embora válido e eficaz o acordo formulado sem a participação do advogado, a composição somente prevalece em relação àqueles que dela participaram.

Significa dizer, em outras palavras, que a transação firmada pelas partes, sem a aquiescência dos causídicos, não tem o condão de prejudicar a verba honorária de sucumbência devida, vez que essa, tendo natureza remuneratória, pertencente ao advogado pela sua atuação no processo, nos termos dos arts. 23 e 24, §4º, da lei 8.906/94, que assim dispõem, respectivamente:

“Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.”

“Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que o estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.

§ 4º O acordo feito pelo cliente do advogado e a parte contrária, salvo aquiescência do profissional, não lhe prejudica os honorários, quer os convencionados, quer os concedidos por sentença.”

Deveras, uma vez fixados os honorários advocatícios por ato decisório, a titularidade do respectivo crédito constitui direito subjetivo do advogado (ou dos advogados beneficiados), que detêm legitimidade ativa para executá-los autonomamente.

Por essa razão, nas palavras do mestre José Rogério Cruz e Tucci, em artigo intitulado “Ineficácia da transação entre as partes em relação aos honorários de sucumbência”:

“(...) A autocomposição extrajudicial, pois, sobretudo aquela noticiada nos autos do processo, não terá qualquer validade e eficácia se estabelecer concessões atinentes a bens e direitos de terceiros, incluindo-se aí, os próprios advogados da causa. De duas uma: ou estes participam do negócio pactuado entre as partes, admitindo-se inclusive que abram mão da totalidade ou de parcela de seus honorários de sucumbência; ou, então, não participam daquele, e, assim, consequentemente, o negócio lhes é estranho, não podendo projetar quaisquer efeitos sobre o capítulo da sentença que fixou a verba honorária de sucumbência! (...).”

Nessa mesma direção, o Superior Tribunal de Justiça, ao examinar o REsp 1.819.956/SP, consignou que “o negócio jurídico firmado pelos litigantes não pode ser oponível ao patrono que não participou da transação e foi diretamente afetado pelos seus efeitos, a ponto de ter excluído um direito que lhe era próprio”.

Em igual sentido, também do Tribunal Cidadão, colhe-se a lição do Ministro Luis Felipe Salomão, exarada no julgamento do AgInt nos EDcl no REsp 1.750.858/PR, no sentido de que “são os honorários advocatícios verbas de natureza alimentar, constituindo-se direito autônomo, só podendo dele dispor o seu titular, ou seja, o advogado - e somente ele”. E continuou:

“Após o provimento judicial estabelecendo honorários, tendo as partes transacionado sem nada disporem sobre os honorários, independentemente da participação de seus advogados, cabe aos causídicos o recebimento dos honorários, desimportando eventual trânsito em julgado.”

Disso tudo se conclui, portanto, que a transação celebrada entre as partes, quando já fixados os honorários de sucumbência, mesmo não tendo havido o trânsito em julgado da respectiva decisão, é absolutamente ineficaz em relação ao direito subjetivo do advogado, que é considerado terceiro. Assim, nessa condição, não pode sofrer qualquer prejuízo decorrente de negócio jurídico formalizado “inter alios”.

Logo, embora seja possível a homologação do acordo firmado diretamente entre o constituinte e a parte adversa, sem o conhecimento, participação e/ou anuência do(s) respectivo(s) advogado(s), é imperioso que se assegure aos causídicos o direito quanto ao recebimento da verba honorária sucumbencial, cujo valor deve ser apurado com base no título judicial exequendo, sem qualquer interferência do montante ajustado exclusivamente entre as partes.

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BRASIL. LEI 8.906, DE 04 DE JULHO DE 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e Ordem dos Advogados do Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm.

BRASIL. LEI 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2022. Institui o Código Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgInt no AREsp 1.832.717/MS, Rel.: Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/08/2022.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1.819.956/SP, Rel.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, relator para acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/12/2019.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgInt nos EDcl no REsp 1.750.858/PR, Rel.: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24/09/2019.

KAFKA, Franz. A METAMORFOSE. Tradução Ciro Mioranza. São Paulo: La Fonte, 2019.

TUCCI, José Rogério Cruz e. Ineficácia da transação entre as partes em relação aos honorários de sucumbência. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-ago-25/paradoxo-corte-ineficacia-transacao-entre-partes-relacao-aos-honorarios.

Ygreville Gasparin Garcia
Advogado; Sócio fundador da F & G - Felini e Garcia Advogados Associados; Pós-graduado em Direito Público; Autor de artigos jurídicos.

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